Problema afeta cem municípios mineiros, sendo que moradores de sete deles vivem racionamento
Daqui uma semana, Maria*, 54, terá que ir ao casamento da afilhada. Antes mesmo de pensar sobre a roupa que vai usar na festa, a dona de casa está preocupada com a logística para guardar a água que precisa para conseguir tomar banho. É que a cidade de Ibiracatu, no Norte de Minas, onde ela mora, sofre com a seca. “Não quero recusar o convite, mas, sem banho, não vou ao casamento”, afirma Maria, sem esconder o constrangimento.
Com a escassez de chuva, a falta de água tem sido impiedosa para cerca de 1,8 milhão de pessoas, que estão em cem municípios de Minas, todos com decreto de situação de emergência. O Norte do Estado concentra 78 deles. Segundo a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), atualmente, sete cidades sofrem com o rodízio de água: Águas Vermelhas, Arcos, Capitão Enéas, Campos Gerais, Divisa Alegre, Pedra Azul e Sardoá.
“É vergonhoso, mas lá em casa a gente deixa acumular xixi para poder dar descarga. Faxina pesada também não faço mais”, conta a manicure Edilene Sousa, 35, que mora em Capitão Enéas, no Norte de Minas.
Apesar dos números e dos dramas, para o secretário de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Sedinor), César Emílio Oliveira, a situação está controlada. De acordo com Oliveira, estão sendo construídas 6.000 cisternas na região do semiárido e mais de 200 poços artesianos. “ A seca é um fenômeno da natureza e, ao longo dos anos, temos aprendido a conviver. Apesar de muitos municípios estarem em emergência, a distribuição e a oferta de água está melhor. Estamos fazendo mais investimentos na distribuição e na captação de água, principalmente, na zona rural”, afirmou.
Rotina. Em Uberlândia, no Triângulo, o Departamento Municipal de Água e Esgoto emitiu alerta na última semana devido à queda no nível das represas que abastecem a cidade. De acordo com o órgão, se a população não continuar reduzindo o consumo, será necessário adotar o racionamento. Alerta sobre a estiagem também foi feito em Formiga, no Centro-Oeste. O Serviço Autônomo de Água e Esgoto admitiu a possibilidade de racionamento caso o consumo não sofra redução.
Em Pequi, no Centro-Oeste de Minas, os cerca de 4.000 habitantes têm mudado a rotina. O comerciante Luciano* já passou três semanas sem água: “A distribuição é feita pela prefeitura. Não pagamos conta, mas é um absurdo. Tenho que andar todo dia 30 minutos para buscar água”.
Em nota, a Copasa informou que ações, como a operação de poços profundos e o apoio de caminhões-pipa, são utilizadas para reforçar o atendimento às demandas da população. A companhia negou que Ibiracatu, no Norte de Minas, sofre desabastecimento de água. Ninguém da Prefeitura de Pequi foi encontrado para comentar a falta de água na região.
Previsão. A expectativa é que chova com mais intensidade só em novembro no Norte de Minas. Segundo o meteorologista Heriberto dos Anjos, do serviço de meteorologia GeoClima Soluções Ambientais, o período de estiagem está dentro do previsto. Nas demais regiões de Minas, o período chuvoso começa já a partir do próximo mês.
Montes Claros. Na última semana, após três anos de racionamento, Montes Claros, no Norte de Minas, ficou livre do racionamento de água, com o início da operação do sistema de abastecimento do Pacuí.
O rodízio na maior cidade da região havia sido iniciado em novembro de 2015, depois de um longo período de seca, o que provocou a diminuição da captação de água em rios da região.
“É crise de gestão”, diz especialista
De acordo com presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacia Hidrográfica, Marcus Vinícius Polignano, além da escassez de chuvas, o desmatamento é um fator que tem agravado a questão hídrica em todas as regiões de Minas, em especial no Norte e no Vale do Jequitinhonha.
Outro problema que tem potencializado a situação é o aumento do número de poços artesianos. Segundo Polignano, eles sugam a água do lençol freático, que se aprofunda. Quanto mais longe da superfície o lençol se posiciona, mais complicado é o reabastecimento de mananciais da superfície, como os rios e as nascentes.
“Temos que entender primeiro que isso (a seca) faz parte das mudanças climáticas. Mas não é só falta de chuva, é crise de gestão. Como a vegetação é retirada, a água não é absorvida pelo solo. Poços e cisternas atrapalham mais ainda. É uma medida pontual e mitigadora. A tendência é que a situação se agrave ainda mais”, destacou.
Solução. Para Polignano, a solução seria de longo prazo com a recuperação de nascentes e de territórios próximos delas. Ele entende que, para que isso ocorra, é necessária uma mudança na política pública de gestão hídrica.
*Nomes fictícios