PROTESTOS

Milhares de manifestantes ocuparam a Praça Raul Soares, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, na manhã deste domingo (21/9), em ato contra a chamada “PEC da Blindagem” e o “PL da Anistia”. A concentração começou por volta das 9h e integra uma mobilização nacional que acontece em diversas capitais e grandes cidades brasileiras.

O protesto foi convocado por movimentos sociais e centrais sindicais, com a adesão de artistas e lideranças políticas. Os organizadores afirmam que as duas propostas em discussão no Congresso Nacional representam riscos à democracia e à responsabilização de parlamentares e autoridades.

A “PEC da Blindagem”, aprovada pela Câmara dos Deputados nesta semana e agora em análise pelo Senado, altera as regras sobre prisões, processos e foro privilegiado de parlamentares e presidentes de partidos com representação no Congresso Nacional. Já o “PL da Anistia” tem como objetivo beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado por tentativa de golpe de Estado, e seus apoiadores que invadiram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. 

Cartazes com nomes e fotos dos deputados que apoiaram a PEC da Blindagem também são exibidos pelos manifestantes no local. Um dos parlamentares presentes no ato, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), avaliou o movimento em Belo

Horizonte como uma demonstração de indignação popular contra a PEC da Blindagem. Para ele, a mobilização nas ruas envia uma mensagem clara ao Congresso.

"O povo acordou, o Brasil inteiro está indignado com a PEC da bandidagem e com a anistia para golpistas. Espero que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, sinta que o povo está sentado na cadeira dele", disse o parlamentar ao Estado de Minas.

Segundo o petista, as reivindicações da população vão além da rejeição à PEC, mas incluem também a reforma do imposto de renda, o fim da jornada 6x1 e a taxação de bilionários. “Essa é a pauta do povo. E quando o povo se manifesta, não são golpistas ou deputados de extrema direita invadindo, mas uma ocupação simbólica de uma pauta tão importante”, disse.

O parlamentar enfatizou ainda que o recado também se dirige ao centrão. “É preciso se afastar definitivamente da extrema direita, porque esse não pode ser o rumo do Brasil. Nosso país não será entregue a Trump ou aos Estados Unidos. A pauta nossa é a pauta da liberdade, da democracia e da soberania”, concluiu.

A cantora Fernanda Takai, do Pato Fu, destacou ao Estado de Minas a importância da adesão dos artistas ao movimento. "Antes de ser artista, somos cidadãos, né? A gente precisa se posicionar, mostrar indignação. Chegou num ponto completamente descarado, e se a gente não fizer nada isso não terá freio", disse.

O músico John Ulhoa, também do Pato Fu, afirmou que sua participação no ato é uma forma de contribuir simbolicamente contra a PEC. Segundo ele, cada um faz a sua "partezinha". "Fazendo o nosso pedacinho pra se opor", disse ao EM. Ulhoa ironizou a proposta, comparando sua lógica à crença em mitos: "Isso que a gente está vendo é um absurdo, as coisas estão chegando num certo nível. Tipo… você acredita em Papai Noel? Você acredita nessa PEC? É um negócio muito louco!", disse.

Já o vereador Edmar Branco (PCdoB) disse que a manifestação mostra que a sociedade brasileira está atenta ao que está acontecendo no Brasil e ressaltou que os políticos não podem colocar seus interesses à frente dos interesses da população. "Essa PEC é muito ruim. A gente está na rua para mostrar que é contra, mesmo sendo político, a gente precisa ter o mesmo direito do cidadão comum", disse.

Presente no ato, João Batista Mares classificou a PEC como “uma agressão à democracia”. "É um tapa na cara amoral e imoral contra o povo brasileiro e contra a democracia. Mas não vai prosperar. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado não aprovará a tramitação dessa matéria, porque os senadores terão que ser sensíveis à opinião pública", projetou.

Para ele, a PEC tem o intuito de beneficiar diretamente parlamentares que já respondem a investigações no Supremo Tribunal Federal. "Esses parlamentares praticaram corrupção usando de forma desonesta a destinação das emendas milionárias", pontuou.

Ele também criticou a adesão de parte da bancada petista à proposta. "É preciso salientar que quem votou essa PEC foi a extrema-direita, a direita do Centrão, mas também houve votos da esquerda, inclusive do meu partido, o PT. É verdade que 51 votaram contra, mas 12 foram a favor, entre eles três de Minas Gerais". 

O jornalista e ex-presidente da  Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), Mauro Werkema também criticou a proposta e destacou a importância das manifestações para demonstrar a insatisfação da população com as matérias em tramitação. "É um absurdo que precisa ser destruído e parece que vai ser destruído pelos protestos das ruas. O Congresso, sobretudo a Câmara dos Deputados, perdeu o juízo, o rumo. Querem se colocar acima da lei, acima do direito, acima do processo civilizatório brasileiro. Mas percebo que o povo vai derrubar isso pela vontade popular" disse.


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Fernanda Takai na manifestação conta a PEC da anistia /

Gladyston Rodrigues/Em/D.A Press

Muitos manifestantes carregam bandeiras do Brasil e vestem camisas verde e amarelas, símbolos que, nos últimos anos, se consolidaram como marca dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

À reportagem, a engenheira eletricista Leila Gonçalves, que carregava uma bandeira do Brasil, destacou que o símbolo nacional “é de todos”. “Estamos aqui para protestar contra os bandidos parlamentares e dizer: sem anistia”, afirmou.

Ao comentar a PEC da Blindagem, Leila não poupou críticas. Para ela, a proposta “é uma vergonha”. “Querem manter soltos os bandidos que estão no Congresso, mesmo continuando a praticar todos os crimes que vêm cometendo”, disse, indignada.

A médica pediatra Tatiana Miranda explicou que a presença dela e de colegas no ato reflete a mobilização da categoria em defesa da democracia. Ela ressaltou que a Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia, organização presente na maioria dos estados, tem atuado de forma contínua para acompanhar e se posicionar sobre medidas legislativas que julgam prejudiciais à população.

"Acho que é um momento de mobilização importante, de ir para as ruas. Não é possível aceitar um Congresso que age em benefício próprio", disse.

Bernadete Esperança Monteiro, integrante da Executiva Nacional da Marcha Mundial das Mulheres, destacou a importância do ato em Belo Horizonte como forma de protestar contra a anistia e a PEC. "A gente quer que essas pessoas sejam realmente punidas e votem o interesse do povo, que esse congresso seja a serviço do povo, seja a serviço das mulheres, dos negros e negras, que são a maioria da população . A gente quer que eles votem a isenção do imposto de renda, o fim da escala 6x1 e não a anistia e a PEC da bandidagem", disse.

PEC da Blindagem

A Câmara dos Deputados aprovou, na última terça-feira (16/9), em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como "PEC da Blindagem". O texto-base recebeu 344 votos favoráveis e 133 contrários, e agora sob está análise do Senado. A proposta estabelece que investigações e medidas cautelares contra parlamentares só poderão ocorrer com autorização prévia do Congresso Nacional.

Dos 53 deputados de Minas Gerais, 36 votaram a favor, 12 se posicionaram contra, e quatro não registraram voto. Já o deputado federal André Janones (Avante), que está com o mandato suspenso pelo Conselho de Ética da Câmara, não pôde votar.

 A proposta teve apoio maciço de partidos de centro e direita, mas também contou com dissidências no campo da esquerda: 12 deputados do PT votaram a favor - sendo dois mineiros. Se aprovada também pelo Senado, a PEC será promulgada diretamente pelo Congresso, sem necessidade de sanção presidencial.

O texto prevê uma blindagem mais extensa do que a prevista originalmente na Carta de 1988, que foi limitada em 2001 após mobilização popular contra a impunidade. Atualmente, o foro especial de deputados e senadores é restrito a crimes cometidos no exercício do mandato e em razão dele, sem qualquer previsão para processos cíveis.

O que muda com a PEC da Blindagem?

Prisão: deputados e senadores só poderão ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis, mas a manutenção da prisão dependerá de votação no plenário da Casa.

Processos criminais: o STF terá de pedir autorização ao Congresso para abrir ações contra parlamentares. Se o pedido for negado, o processo ficará suspenso até o fim do mandato.

Medidas cautelares: somente o Supremo poderá impor medidas cautelares a deputados e senadores.

Foro privilegiado: passa a incluir também presidentes de partidos com representação no Congresso.

A PEC retoma em parte o modelo vigente até 2001, quando o Supremo precisava da autorização do Legislativo para abrir processos contra parlamentares. O formato foi extinto após críticas de que servia para blindar congressistas de investigações.

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que será o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), já afirmou que não vai aprovar o texto. Minha posição sobre o tema é pública, e o relatório será pela rejeição, demonstrando tecnicamente os enormes prejuízos que essa proposta pode causar aos brasileiros", declarou Alessandro Vieira.

PL da Anistia

A Câmara dos Deputados aprovou também, na quarta-feira (17/9), o requerimento de urgência do Projeto de Lei 2162/23, conhecido como “PL da Anistia”. A proposta trata da anistia a manifestantes de motivações políticas, entre outubro de 2022 e a data em que a norma eventualmente virar lei.

A urgência permite que o texto seja analisado diretamente em plenário, sem passar pelas comissões. O placar geral foi de 311 votos favoráveis, 163 contrários e 7 abstenções. Entre os 53 deputados federais de Minas Gerais, 37 votaram a favor, 14 foram contrários e apenas um, Aécio Neves (PSDB), não participou da votação. 

O PL mineiro fechou questão pelo apoio, com todos os nove parlamentares presentes votando “sim”. Já o PT foi unânime, com os nove deputados do partido indo contra a proposta. Avante, Republicanos e PRD também votaram integralmente a favor da urgência.

Embora a proposta inicial tivesse como objetivo beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o relator do projeto, deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), deve apresentar um texto alternativo que trate da dosimetria das penas, em vez de uma anistia ampla. A articulação contou com a participação do deputado Aécio Neves (PSDB) e do ex-presidente Michel Temer (MDB).

A principal resistência parte do PL, que insiste em uma anistia geral e irrestrita para Bolsonaro e os sete integrantes de seu núcleo central já condenados por tentativa de golpe de Estado. Nos bastidores, porém, a avaliação é de que a legenda terá de ceder ou corre o risco de se isolar politicamente. Paulinho da Força afirma que a intenção é construir um texto de “meio-termo”, capaz de promover a “pacificação do país”.