Segundo o jornalista Thiago Herdy, de O Globo, uma turma está para a outra como o queijo para a goiabada
A matéria do repórter investigativo Thiago Herdy, publicada no jornal O Globo de ontem (04/02), mergulha profundamente nos bastidores das relações entre políticos – de todos os partidos – e as mineradoras no estado. Um por um são listados os membros da já chamada “bancada da lama” em Minas e suas ações em favor das empresas do setor. A matéria não salva ninguém: ao mesmo tempo em que reporta o pagamento, pelo sindicato dessas empresas, de R$ 400 mil a um assessor do governador Pimentel, ela cita as gravações da JBS em que o deputado Aécio Neves “contava como vantagem o fato de ter nomeado, naquele dia, o presidente da Vale”. Leia a matéria na íntegra.
SÃO PAULO — Naquela noite de julho de 2014, a decoração do salão de festas no alto do prédio mais alto da cidade, de onde só se avista uma Belo Horizonte não afetada pela mineração, era inspirada em Las Vegas. Os convidados a celebrar as 60 primaveras do presidente do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra), José Fernando Coura, dividiam-se basicamente em dois grupos: gente da política e da indústria da mineração. Em Minas Gerais, uma turma está para a outra como o queijo para a goiabada. Presentes o governador em exercício, Alberto Pinto Coelho (PP), e os dois principais candidatos à sucessão — Fernando Pimentel (PT) e Pimenta da Veiga (PSDB). Também apareceram secretários de governo, prefeitos, parlamentares das extensas bancadas da mineração, tanto da Assembleia mineira quanto da Câmara Federal. De PT a PSDB, PP a MDB. No meio da noite, a surpresa foi quando o aniversariante pegou o microfone para interpretar canções românticas da MPB. A plateia vibrou.
Os quatro mandatos consecutivos de Fernando Coura à frente do sindicato da indústria mineral significam quase duas décadas dedicadas a influenciar o mundo político mineiro. Um pequeno fragmento do alcance de sua ação foi conhecido na época da Operação Acrônimo, quando a Polícia Federal flagrou o Sindiextra pagando R$ 400 mil ao assessor e testa de ferro de Fernando Pimentel, Otílio Prado, em 2013 e 2014.
O episódio é alvo de inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desde a descoberta do caso, Coura não se manifesta sobre o assunto. “Será plenamente esclarecido”, limitou-se a dizer, na última sexta-feira, ao GLOBO, por meio da assessoria de imprensa do Sindiextra. Ele também minimiza a relação construída com políticos. “São relações estritamente institucionais, e com diversas instâncias dos poderes”, afirmou. O sindicato divulgou comunicado lamentando o ocorrido em Brumadinho. “Não mediremos esforços no sentido de amenizar a dor das vítimas e de seus familiares”, diz o texto.
Presença notada não apenas na festa de aniversário de Coura, mas também em diversos eventos organizados pelo Sindiextra, o deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG) é reconhecido como um dos principais líderes em defesa dos interesses do setor no Parlamento — e o primeiro da lista de doações feitas a parlamentares mineiros por mineradoras em 2014 (R$ 2,1 milhões), ano em que era permitida a doação de empresas. Em 2013, ele foi o relator da medida provisória que criou a Agência Nacional de Mineração (ANM), ocasião em que suprimiu dois dispositivos que aumentariam a fiscalização de barragens de rejeitos, segundo reportagem do “Valor”. Em nota, o deputado alegou que a supressão visou preservar a competência exclusiva dos servidores da ANM para o exercício de fiscalização.
Presente também no aniversário de Coura, o deputado estadual Gil Pereira (PP) foi um dos três votos na assembleia mineira que sepultaram projeto de lei defendido por ambientalistas depois da tragédia de Mariana, com previsão de ampliação da fiscalização sobre a ação de mineradoras. Cobrados sobre o tema na última semana, os deputados registraram em redes sociais que o projeto “inviabilizava a atividade minerária em todo estado”, com repercussão nos índices de desemprego e queda de arrecadação. Um quarto do valor adicionado gerado pela indústria mineira advém da mineração, segundo o IBGE. Pereira escreveu ter apresentado “um projeto de lei melhor”, que ainda depende de aprovação.
Braço direito e esquerdo da articulação partidária dos 12 anos de governo tucano em Minas (2003-2014), o discreto ex-chefe da Casa Civil, Danilo de Castro, também nunca faltou às festas de Coura. Nesta sexta, ele não foi localizado para comentar a amizade. Em conversa gravada por Joesley Batista, da JBS, em uma suíte do hotel Unique, em São Paulo, em março de 2017, o tucano Aécio Neves contava como vantagem o fato de ter nomeado, naquele dia, o presidente da Vale.
— Consegui fazer um negócio raro pra caralho, botei o cara dentro do headhunter, vai ser anunciado segunda de manhã (…) (Luiz) Trabuco (então presidente do Bradesco) e (Paulo) Caffarelli (então presidente do Banco do Brasil) estão sabendo, fechamos hoje, batemos o martelo — disse Aécio em gravação entregue à PF.
Na segunda-feira seguinte à conversa, Fábio Schvartsman foi anunciado como presidente da Vale. Na última sexta-feira, Trabuco e Caffarelli negaram ao GLOBO, em nota, ter se encontrado com Aécio para tratar do tema, como o tucano afirmou a Joesley. Por meio de nota, suas assessorias de imprensa registraram que o processo de nomeação de presidente da Vale passou por decisão colegiada formada por representantes dos acionistas controladores (Previ, Mitsui&Co, BradesPar e BNDESPar).
Também na sexta, Aécio não disse que a gravação era uma “diálogo informal”. “A gravação retratou um diálogo pessoal e informal com uma pessoa que o então senador considerava amigo”, escreveu, em nota, seu advogado, Alberto Toron. Segundo ele, “o tema Vale foi introduzido artificialmente pelo delator, a manifestação do então senador teve apenas o objetivo de encerrar aquele assunto”.
Falta de apoio a delegado
Na festa de aniversário, Pimentel chegou acompanhado de Eduardo Serrano, ex-chefe de gabinete do petista no governo Dilma Rousseff e citado posteriormente na colaboração premiada de Benedito Rodrigues, ex-operador de Pimentel, como alguém que tinha ciência de repasses de empresas como Caoa, OAS e Odebrecht ao político mineiro. Seu advogado, Marcelo Leonardo, nega a acusação.
Na época da tragédia de Mariana, há três anos, o delegado da Polícia Federal destacado para conduzir as investigações, Roger Lima de Moura, registrou em depoimento formal, obtido pelo GLOBO, falta de apoio interno para realizar seu trabalho. Relatou ter havido trocas de equipes de agentes a contragosto, dificuldade de acesso às aeronaves da corporação e até a demora para entrar no caso, dada a orientação do então superintendente da Polícia Federal em Minas, Sérgio Menezes, para que a instituição “não colasse seu nome nesta tragédia”.
Na época, Menezes já flertava uma aproximação com o mundo político: no primeiro ano do governo Pimentel, sua esposa havia sido nomeada para um cargo na Secretaria de Defesa Social; no segundo, o próprio Menezes deixaria a superintendência da PF para assumir o comando da mesma secretaria.
Recentemente aposentado, o ex-delegado federal nega ter sido negligente em relação à investigação da tragédia da Samarco. “Dei total apoio às investigações”, afirmou. O relatório final da sindicância que apurou sua atuação registrou que, na PF, “recursos são efetivamente limitados”. O caso morreu aí.