DEVASTAÇÃO

Em meio a uma das maiores crises climáticas já enfrentadas pelo Brasil e queimadas por todo lado devastando a flora nacional, hoje é comemorado o Dia da Árvore. Em Minas, entre janeiro e agosto deste ano, os incêndios destruíram uma área de 221.230 hectares, o que equivale a 2.212,3 km² — quase sete vezes o tamanho de Belo Horizonte (331,354 km²), segundo o Monitor do Fogo do MapBiomas. Um quadro de reversão muito difícil a curto prazo, conforme especialistas.

Do total de áreas queimadas no Estado, 61% foram nos 31 dias de agosto, o que mostra o agravamento do quadro. Minas ocupa a décima posição no ranking dos Estados mais atingidos pelo fogo em agosto de 2024. As áreas queimadas abrangem diferentes tipos de uso e cobertura da terra, como formações campestres, pastagens, savanas e florestas, além de plantações de cana, soja, entre outras. O monitor é um mapeamento de “cicatrizes” deixadas pelos incêndios, e o levantamento é feito por meio de análises pelas plataformas Google Earth Engine e Google Cloud Storage, que permitem processamentos computacionais.

Em todo o país, foram devastados 11,39 milhões de hectares nos primeiros oito meses deste ano, sendo 6 milhões deles em agosto. O número reflete alta de 116% comparado com o mesmo período do ano passado. O Cerrado foi o bioma mais afetado no país em agosto, com 2,44 milhões de hectares queimados.

As perdas calculadas não são apenas números. Geraldo Fernandes, professor de ecologia na UFMG e coordenador do Centro de Conhecimento em Biodiversidade do MCTI, explica a complexidade da recuperação ambiental após incêndios. Segundo ele, restaurar ambientes vai além do simples plantio de árvores. “Restaurar não significa apenas plantar. É preciso recuperar o ambiente natural”, diz.

Fernandes frisa que, embora seja possível recuperar ecossistemas após distúrbios, o processo é desafiador e depende do estado do ambiente e da intensidade do incêndio. “As chances de recuperar exatamente como era antes são complexas e variam de acordo com o que está ao redor. Em áreas onde a floresta foi completamente degradada, é mais difícil e demorado voltar ao estado original”, explica.

O especialista alerta que o impacto dos incêndios é profundo e complexo. “Primeiro, na qualidade do ar, que afeta nossa saúde, especialmente crianças e idosos. A poluição causada pelos incêndios pode levar a problemas respiratórios e aumentar custos com saúde”, explica. A qualidade da água também é afetada, já que os produtos queimados contaminam os cursos d’água.

‘Muitas vezes, dano à vegetação é irreversível’, diz integrante da Brigada Cipó, que reúne voluntários

Durante este período de estiagem, a região da serra do Cipó foi uma das mais castigadas pelos incêndios. Em uma das ocorrências, em quatro dias, o fogo consumiu 25% da área total do Parque Nacional da Serra do Cipó. Luiza Kot, fotógrafa e responsável pela comunicação da Brigada Cipó, entidade voluntária com atuação na região, explica que a vegetação está preparada apenas para as queimadas naturais – que acontecem principalmente na época da chuva, quando raios atingem o solo e, logo na sequência, a água os apaga. “Os incêndios que a gente vê agora, de maior intensidade, são criminosos, são queimadas muito agressivas, de grande intensidade e, muitas vezes, o dano à vegetação é irreversível”, pondera.

“O objetivo principal dos brigadistas é a proteção da fauna e da flora, independentemente de estar em unidade de conservação ou não. Mas existem algumas áreas sensíveis que são prioritárias, como as nascentes, que ficam no alto da serra; a vegetação nativa; e capões de mata”, completa a fotógrafa.

Restauração assistida é opção, diz professor

Para Geraldo Fernandes, professor de ecologia da UFMG, uma boa opção para “acelerar” a regeneração dessas matas é a chamada “recuperação assistida”. Porém, segundo ele, a capacidade de retomada de cada ambiente é diferente. “Significa que eu restauro o ambiente colocando as plantas ou introduzindo vegetação nativa, até mesmo lançando sementes”, explica. “Mas a chave aqui é o monitoramento constante. Se a vegetação que está crescendo começa a diferir muito da nossa referência, ou seja, do que esperamos que ela seja, nós intervimos e cuidamos desse ambiente até que ele possa seguir sozinho. É como educar uma criança”, compara.

Fernandes alerta para o impacto sobre a fauna. “Animais que se deslocam após um incêndio enfrentam maiores riscos de predação e parasitas, e muitos não sobrevivem”, diz. O resultado é a perda significativa de fauna e a interrupção de serviços ecossistêmicos essenciais. Por isso o professor defende uma punição exemplar para os responsáveis por incêndios criminosos. “O custo dessas queimadas é muito alto”.

 

Fonte: otempo.com.br