DEPORTAÇÕES


Desde outubro de 2019, 21 voos com brasileiros deportados dos EUA chegaram ao Aeroporto de Confins, trazendo 1.116 pessoas. Sequer a pandemia interrompeu o fluxo: desde o final de fevereiro, após a primeira confirmação de um caso de Covid-19 no Brasil, foram 16 voos, incluindo 853 pessoas. O pulso firme contra a imigração foi elemento do mandato e da campanha presidencial do republicano Donald Trump. O democrata Joe Biden, que derrotou Trump nas eleições nos EUA, nesse sábado (7), tem um discurso mais brando sobre a imigração ilegal e chegou a prometer, no início deste ano, pelo menos 100 dias sem deportações quando assumir o governo. Analistas avaliam, porém, que os voos com deportados podem continuar ocorrendo em sua gestão. 

“A política norte-americana de imigração tem uma base, independentemente de o governo ser democrata ou republicano. Deportações acontecem desde sempre, com momento de mais ou de menos afrouxamento. O que determina isso é o contexto social, político e econômico do país”, diz a socióloga Sueli Siqueira, estudiosa de movimentos migratórios na Universidade do Vale do Rio Doce (Univale). O governo de Barack Obama, de quem Biden foi vice, bateu recordes de deportação. 

Conforme a pesquisadora explica, há mais “vista grossa” das autoridades norte-americana aos imigrantes ilegais quando o país passa por bons tempos financeiros e se favorece da mão-de-obra estrangeira. Nesse sentido, a perspectiva não é animadora para quem deseja se mudar para os EUA, já que o país que Joe Biden assumirá no dia 20 de janeiro passa, por ora, por um recorde de desemprego. 

Ainda que as deportações continuem sob a gestão democrata, Siqueira avalia que o tratamento dado aos imigrantes ilegais detidos nas fronteiras do país torne-se mais humanizado daqui para frente. Sob Trump, crianças foram separadas dos pais nos abrigos para imigrantes, houve denúncias de lotação nesses locais e brasileiros contam ter sido enviados ao Brasil com mãos e pés algemados nos voos de deportação. Durante a campanha, Biden criticou a postura de Trump e prometeu ampliar direitos dos imigrantes ilegais que vivem nos EUA.

A postura do Brasil também pode ser outra na recepção dos deportados, analisa o professor de relações internacionais do Ibmec e coordenador do Observatórios das Eleições dos EUA da instituição, Oswaldo Dehon. Se, na gestão de Trump, o governo de Jair Bolsonaro se absteve de condenar claramente o tratamento reservado aos imigrantes brasileiros, a ascensão de Biden pode inverter essa lógica.

“O Brasil aplaude a deportação, mas ela é abusiva e negativa. Espero que haja regularização das relações diplomáticas entre os países. O país tem que defender seus interesses e se lembrar dos direitos humanos. Os brasileiros não podem ser tratados da forma como são”, reforça.  

‘Torcia pelo Trump, por ser Bolsonaro’, diz brasileiro deportado dos EUA

Minas Gerais tem tradição na imigração para os EUA, que se tornou uma das marcas de Governador Valadares, cidade do Vale do Rio Doce pelo menos desde os anos 80. Mesmo com imigrantes ilegais saídos da cidade somando-se nos voos fretados pelos norte-americanos, foi no município que surgiu, neste ano, um outdoor apoiando a candidatura de Donald Trump, pago por um valadarense que vive nos EUA. 

A relação de mineiros deportados para o Brasil na gestão Trump guarda ambiguidades. “Eu torcia pelo Trump, por ser Bolsonaro. Entendo perfeitamente o cara, imagina hoje um imigrante invadindo o Brasil e quebrando tudo. Eu não queria ser deportado, mas entendo a situação”, diz o gerente de uma casa de rações Breno Silva Coelho, 34. Ele rumou para os EUA com a esposa e com a filha pequena no final de janeiro e foi deportado cerca de duas semanas depois, após uma temporada em um centro de detenção de imigrantes. Depois de perder cerca de R$ 20 mil nas mãos de coiotes, diz que não tentaria retornar ao país norte-americano “nem de graça”.

Clarissa Moreira, 24, também tentou emigrar para os EUA no início deste ano, mas foi obrigada a retornar em um voo fretado pelo país com o marido e com o filho. Ela diz não ter interesse em acompanhar as eleições do país, mas que sua irmã, uma imigrante ilegal que vive na Pensilvânia, Estado central para a vitória de Biden, torcia por Trump, mesmo sem direito a voto. “A mudança de governo lá é igual à do Brasil, não muda, não. Lá só não roubam tanto”, afirma. 

O eletricista automotivo Gilliard Machado, 40, diz que também não arriscará um retorno aos EUA, mas que o grupo de deportados de que participa no WhatsApp já se encheu de mensagens de pessoas dizendo que tentarão a sorte novamente quando Biden assumir a Casa Branca. 

“O Trump é muito rígido. Quando fui pego (pelos agentes de segurança na fronteira) fui colocado em uma cela muito fria. Isso mexe com o psicológico do imigrante, assinei o documento para ser deportado no mesmo dia em que cheguei”, explica.