Quase dois terços dos radares instalados em rodovias em Belo Horizonte e Região Metropolitana podem estar emitindo autuações com erros e sujeitas a anulação. De 67 medidores de velocidade espalhados por seis estradas na Grande BH, 42 estão com certificado de validade vencido no sistema do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), conforme levantamento feito pelo Estado de Minas. Mais da metade está concentrada na BR-040, cujo trecho entre Belo Horizonte e Juiz de Fora foi arrematado em leilão na quinta-feira (11/4) da última semana.

A renovação do certificado dos radares deve ser feita a cada 12 meses, e é uma garantia de que os flagrantes de excesso de velocidade registrados pelos aparelhos são precisos e confiáveis. Cada radar recebe um selo do Inmetro com a data da última aferição, o que valida a medição feita por ele. Se o equipamento não tiver passado pela inspeção obrigatória do Inmetro, existe a possibilidade de estar aplicando autuações injustamente, por estar desregulado.

“Todos esses equipamentos de medição precisam de alguém habilitado para atestar suas condições, se estão funcionando conforme foi previsto. É importante que essa regulagem esteja em dia, porque ela gera consequências”, aponta o engenheiro civil e consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade.

Se o motorista receber uma autuação baseada em registro de radar e achar que ela, de alguma forma, não corresponde à realidade, pode verificar a situação da aferição do radar. Os dados podem ser consultados abertamente no Portal de Serviços do Inmetro nos estados (PSIE).

Motoristas podem questionar autuação

Condutores que forem autuados em trechos onde os radares não tem o certificado de verificação, ou cuja validade esteja vencida, têm um argumento para requerer a anulação da penalidade. Em nota enviada ao Estado de Minas, o Inmetro confirmou que essas autuações são passíveis de anulação após análise pelo órgão competente ou por via judicial.

A consulta aos arquivos do instituto, no entanto, pode representar dificuldades. Durante a apuração desta reportagem, foi possível identificar diferentes formas de nomear a mesma rodovia, com e sem hífen, com e sem espaçamento, o que interfere nos resultados da busca.

Questionado pelo Estado de Minas, o Inmetro ressaltou que a pesquisa deve ser feita sempre usando o número do Inmetro referente ao medidor de velocidade, o qual consta no auto de infração de trânsito, emitido pelo órgão competente.

Adicionalmente, destacou que pesquisas por endereço não são recomendadas, devido às possíveis discrepâncias no cadastramento do endereço de instalação do instrumento, salientando que o Instituto não tem controle sobre os dados fornecidos pelos responsáveis pelo equipamento.

BR-040 é campeã de irregularidades
Em fase de transição de concessionárias, entre BH e Juiz de Fora, a BR-040 tem gargalos históricos de trânsito que se somam à problemática dos radares sem aferição. Todos os 31 aparelhos instalados no trecho entre Contagem e Nova Lima, passando por BH, estão irregulares, tanto no sentido Norte (saída para Brasília) quanto no Sul (acesso ao Rio de Janeiro), conforme apurou o Estado de Minas – uma situação preocupante em uma rodovia cujas estatísticas de acidentes revelam a condição de uma das mais mortais do país.

Dois desses equipamentos no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, nos km 530,3, altura do Bairro Água Branca, e km 537,5, no Barreiro, nem sequer têm registro no portal do Inmetro. Outro, no km 539,2, também na altura do Barreiro, está com a validade de aferição vencida desde 2022, antes mesmo do fim do contrato de privatização da rodovia com a Via 040, ainda responsável pelo trecho. A EPR, vencedora do leilão da última quinta (11/4), deve assinar o novo contrato de concessão até 9 de julho, segundo a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT).

Em Contagem, são sete equipamentos sem a inspeção anual obrigatória do Inmetro. Um deles, inclusive, nem consta no sistema do órgão regulador. Em Nova Lima, o cenário se repete. A aferição dos equipamentos foi expirando um após outro, no período de 2021 a 2023.

A falta de verificação dos radares da BR-040 não se restringe à Grande BH. Em Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira, sete aparelhos não estão regularizados para fazer a fiscalização. Enquanto isso, o pedágio – R$ 6,30 para veículo de dois eixos (carros, caminhonetes, furgões) em cada uma das 11 praças – segue sendo creditado à concessionária.

A equipe do Estado de Minas solicitou à Via 040 um posicionamento sobre a situação dos radares na rodovia sob sua responsabilidade. Porém, até o fechamento desta edição, não obteve retorno.

A situação da rodovia no sentido Rio de Janeiro é motivo de preocupação constante mesmo para quem percorre o trecho em viagens esporádicas, e alvo de protestos pela grande quantidade de acidentes e a intensa circulação de caminhões. “Isso (os radares sem aferição do Inmetro) nem é de surpreender. A Via 040 abandonou a gestão da rodovia há anos, o estado da via é pior do que muitas estradas públicas”, critica o consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade.

Radar é capítulo de novela sem fim
Sob gestão da Via 040 há quase uma década, a administração da BR-040 será devolvida com apenas 78 quilômetros dos 557,2 de pistas duplicadas previstas em contrato – 9,1% da extensão total –, e um saldo de mortes que a coloca à frente da “rodovia da morte”, a BR-381. O trecho duplicado em Minas (12 quilômetros) equivale à extensão de uma avenida de Belo Horizonte: a Cristiano Machado.

Em 2017, apenas três anos depois de ter conseguido a concessão da estrada, a Via 040 alegou inviabilidade financeira para a manutenção das pistas e realização das obras previstas no edital de privatização. A empresa solicitou a devolução da estrada e que fosse feita nova licitação.

Uma lei que permitia a relicitação foi regulamentada em 2019. Ficou definido que a Via 040 devolveria a administração ao governo federal em agosto do ano passado, com a BR-040 voltando a ser responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

No entanto, o Ministério Público Federal acionou a Justiça para que a concessionária permanecesse responsável pela administração do trecho e sua manutenção até que nova concessionária assumisse a missão. Nesta quinta-feira, está previsto leilão de concessão de parte do segmento devolvido pela Via 040, com a expectativa do encerramento de uma parte dessa novela.

Fiscalização irregular em outras estradas
Além dos 31 radares irregulares na BR-040, o Estado de Minas encontrou outros 11 espalhados em cinco estradas que cortam a Região Metropolitana de Belo Horizonte. A temida “rodovia da morte” tem oito medidores de velocidade nos limites da capital mineira e cinco entre Sabará e Santa Luzia, na Grande BH. Dos aparelhos que estão regulares, a maioria em operação no trecho, administrado pelo Dnit, precisa renovar a aferição do Inmetro no segundo semestre.

Já na saída para São Paulo, a reportagem não identificou a relação de radares de trânsito. A equipe do EM procurou a Arteris Fernão Dias, concessionária responsável pela gestão do trecho, para ter acesso à lista, mas não obteve retorno.

Em consulta ao portal do Inmetro, aparecem apenas dois resultados em Betim, sendo um com registro de reprovação, no Km 493,290, e outro no Km 483,700 com certificado vencido em julho do ano passado.

Estaduais também sem certificação
O problema da falta de aferição anual se repete em radares instalados em estradas estaduais, como a MG-010, principal via de acesso ao Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, na Grande BH, e a MGC-262, que liga BH a Caeté.

Com 318,1 quilômetros de extensão até o município de Rio Vermelho, na Região Central do estado, a MG-010 tem 12 radares na Grande BH. Em Belo Horizonte e Lagoa Santa, dois foram aferidos neste ano.

Os problemas começam Vespasiano, onde três dos cinco equipamentos não passaram pela renovação de certificado do Inmetro. Em Jaboticatubas, o estado tem cinco aparelhos na lista para inspeção até o segundo semestre deste ano.

Já na MGC-262, os dois radares nos limites de BH estão vencidos, e dois dos cinco instalados em Sabará também dependem de aferição. Ainda sob responsabilidade do governo de Minas, a BR-356, que liga BH a Ouro Preto, tem dois dos três radares instalados no trecho de BH com validade vencida desde o início do ano.

Procurado pela reportagem, o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) afirmou que o sistema de processamento dos radares do estado é configurado para bloquear qualquer autuação em que o equipamento esteja com a data de aferição vencida. “Ou seja, não ocorrerão emissões de multas nessas condições. A nova aferição só será realizada após atualização tecnológica dos equipamentos, conforme Portaria do Inmetro”, informou, em nota.

Falta de inspeções tem impacto na segurança
Radares fixos precisam de estudo técnico antes de serem instalados, e devem ser uma ferramenta usada em locais onde há problemas de segurança. Se não estão funcionando corretamente, há risco potencializado de acidentes, já que motoristas podem se sentir menos inclinados a obedecer aos limites de velocidade, alertam especialistas.

“Isso é um problema sério, grave. O maior impacto é na questão da segurança. Os motoristas podem se tornar complacentes com as leis de trânsito, sabendo que os radares não estão funcionando adequadamente”, afirma o consultor Silvestre de Andrade.

O especialista ressalta os medidores de velocidade como uma das principais formas de aumentar a segurança nas estradas. “Os radares são fundamentais, porque representam uma forma de fiscalização 24 horas por dia, sete dias por semana. São como um fiscal de trânsito que permanece no local, não tem como burlar. E isso inibe velocidades maiores e cria um ambiente de maior segurança”, disse.

Radares sem aferição representam também impacto financeiro para o poder público. Multas de trânsito, quando bem aplicadas, são uma fonte de receita para financiar iniciativas relacionadas à segurança viária e à melhoria das estradas. “A falta de fiscalização adequada pode resultar na perda desses recursos”, diz Silvestre.