Operação deflagrada pela polícia mineira após série de ataques a ônibus detalha hierarquia de quadrilha e acusa candidato ao Congresso de ser bancado por organização criminosa de SP
Megaoperação da Polícia Civil para identificar e prender os principais líderes de uma organização criminosa de origem paulista em Minas Gerais esbarrou no que a investigação considera a primeira tentativa da facção de alcançar a política no estado. Um dos 25 alvos procurados ontem pela operação em Minas e outros quatro estados, Jeferson Tadeu Souza Vasquez foi candidato a ingressar na bancada mineira no Congresso, como deputado federal, tendo alcançado 3.762 votos pelo PSB em 2018. No inquérito policial que correu por mais de oito meses no Departamento Estadual de Operações Especiais da Polícia Civil (Deoesp), ele aparece ligado à Associação dos Familiares e Amigos do Recluso (Afare) e é apontado como colaborador do grupo criminoso, ligado à compra de munição para armas e a paralisações prisionais. Advogado do suspeito diz que as acusações não procedem
O inspetor Raul Euclides, da 1ª Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) do Deoesp, porém, garante que as investigações comprovam ligação de Jeferson com a facção paulista, o que motivou o mandado de prisão cumprido ontem no Bairro da Graça, Nordeste de BH. “Temos informações de que o PCC (Primeiro Comando da Capital) financia ações dessa associação (Afare). Há uma expansão da organização e temos informação de que eles querem expandir exatamente pelo viés político. E também temos notícias de que por trás do Jeferson existem figuras da facção financiando suas ações”, afirma o policial.Dados obtidos no portal do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG) mostram que o candidato obteve 3.762 votos para a Câmara dos Deputados. O candidato eleito da mesma coligação com a menor votação teve 58.413 votos. No site do TRE/MG não consta valor declarado, seja de receita para a campanha, seja de despesas. O inspetor Raul Euclides afirma que em Minas Gerais é a primeira vez que a Polícia Civil identifica a tentativa de alguém ligado à facção chegar a um cargo político eletivo.
O advogado William Ferreira de Souza, que representa Jeferson Vazques, negou os crimes apontados pela Polícia Civil. “É um grande equívoco por parte dos investigadores. Jeferson é um empresário bem-sucedido, tem uma família construída, filhos”, afirmou. Segundo ele, as pautas usadas pelo investigado durante a campanha para deputado podem ter levantado a suspeita. “Ele se pautou pela ressocialização de reclusos. Então, pode ter havido um equívoco em relação a ele”, disse o defensor.
O advogado informou que Jeferson prestou depoimento ontem ao Deoesp. A defesa deve entrar na Justiça com pedido de revogação da prisão nos próximos dias. “Ele respondeu a todas as perguntas feitas e vai provar sua inocência junto ao Poder Judiciário. Não há motivo para prisão. Tanto que o encontraram próximo de casa. Bastava intimá-lo, que compareceria espontaneamente para prestar esclarecimentos”, completou o defensor. Segundo ele, a prestação de contas da campanha de Jeferson será apresentada em juízo.
O suspeito foi um dos 25 alvos da operação mineira batizada de Hefesto, em alusão ao deus grego do fogo. Do total, 18 são investigados em território mineiro e sete em outros quatro estados. O fogo tem relação com os ataques praticados a ônibus e departamentos públicos em junho do ano passado, ponto de partida da investigação. Dos 18 mandados de prisão expedidos em Minas, 12 alvos já estavam no sistema prisional, segundo o Deoesp, e outros três foram presos ontem. Mais três são considerados foragidos. Além de Belo Horizonte e Contagem, mandados foram cumpridos em Uberaba e Campo Florido (Triângulo Mineiro), Passos, Três Corações e Ouro Fino (Sul), além dos estados do Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte.
LINHA DE COMANDO - Um dos presos fora de Minas na operação estava em São Paulo. Para a polícia, ele é o elo entre o comando mais alto da organização paulista e os líderes de Minas Gerais. O que mais chama a atenção é que a investigação conseguiu detalhar a configuração das células de comando da facção criminosa no estado (veja quadro). O núcleo com maior poder em Minas Gerais é a sintonia geral do estado, que já teve 14 identificados até o momento e mandados de prisão expedidos para sete na fase de ontem da operação Hefesto.
De acordo com a Polícia Civil, essa fase da operação começou depois que delegacias do interior do estado desenvolveram investigações específicas para identificar autores de atentados prioritariamente no Sul de Minas e no Triângulo Mineiro, limítrofes com São Paulo, praticados em junho passado. No curso do inquérito, apurou-se inicialmente que um dos motivos dos ataques seria o tratamento dado a presos em penitenciárias, mas isso também será investigado mais detalhadamente nos próximos passos do trabalho. Segundo o inspetor Raul Euclides, o grupo que comanda a facção em Minas Gerais teria pedido autorização dos responsáveis de São Paulo para promover os ataques.
De agora em diante, novas fases da operação terão o objetivo de esmiuçar ainda mais a função de cada um dos presos, além de possíveis relações com integrantes do sistema de segurança pública do estado. A Polícia Civil já pediu a transferência dos principais líderes presos para presídios federais, com o objetivo de diminuir o poder de persuasão e a força da organização para recrutar novos integrantes.
CONTAS DE CAMPANHA De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral de Minas, as receitas e despesas da campanha de Jeferson Vasquez, investigado na operação da Polícia Civil, estão zeradas porque ele não apresentou informação sobre as movimentações financeiras, conforme exigido por lei. Segundo o TRE, o processo de prestação de contas ainda está sob análise da área de controle, que pode rastrear extratos bancários e notas fiscais. “No momento, portanto, não é possível identificar quem contribuiu para a campanha”, informou, em nota.
O presidente do PSB em Minas, René Vilela, informou que o registro de Jeferson com o partido foi feito em abril do ano passado e é de Santa Luzia, na Grande BH. Vilela informou que vai buscar informações da Polícia Civil e, confirmadas as suspeitas sobre o candidato, vai comunicar ao conselho de ética do partido, para que ele seja suspenso até que os fatos sejam esclarecidos. “Para nós nunca chegou denúncia de qualquer prática irregular na vida dele”, diz o presidente do PSB em Minas.