Bombeiros e voluntários enfrentaram caminhos perigosos para chegar em pontos possíveis de encontrar vítimas presas a escombros ou corpo de atingido; hoje esforço é para evacuar áreas sob risco

Fonte: em.com.br

Brumadinho O deslocamento é penoso. Um labirinto de passagens por trilhas, matas, pastos, estradas interrompidas e vias com lama na altura dos joelhos. Não bastasse o terreno difícil, o trabalho dos socorristas voluntários, que vasculham a lama e os rejeitos que se desprenderam da Barragem do Córrego do Feijão atrás de vítimas, é extremamente lento, percorrendo setor por setor do espaço destruído, onde possa ainda ser encontrada alguma vítima presa a escombros ou o corpo de um atingido para que sua família possa se despedir com respeito. No meio disso tudo, a chuva no fim da tarde de ontem só ampliou as dificuldades, tornando a lama ainda mais instável e trazendo mais temor de outros rompimentos. Ontem, a reportagem do Estado de Minas acompanhou o perigoso trabalho de três brigadas de 20 voluntários, de Casa Branca e da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), em Ibirité.

Para chegar até a área devastada onde funcionava a Pousada Nova Estância, foi preciso descer por uma trilha aberta na mata fechada. Depois de cerca de um quilômetro pelo matagal, abre-se uma baía formada pelos rejeitos cor de barro, que tornaram aquele vale uma planície nivelada e líquida. Com bastões e cajados, os socorristas sondam o terreno, para não cair numa fenda ou buraco encoberto pela lama movediça. Isso não impede que se afundem até a altura dos joelhos.

“Chegar aos locais necessários é a nossa maior dificuldade. Falta também muita estrutura. Só se consegue chegar aos pontos necessários por via aérea. Foi tudo muito rápido e ainda falta orientação. Vejo que há certa dose de afobação e o resgate para ser seguro e de boa qualidade precisa ser metódico”, disse Janaína Pinheiro, da Equipe Guará, de brigadistas de Casa Branca.

A lama, que soterrou corpos e casas, esconde muitas armadilhas. Vidros de janelas quebradas, vergalhões de aço retorcidos de paredes e muros, arames farpados de cercas rompidas e fragmentos de estruturas destruídas podem ferir as pessoas que buscam pelas pessoas atingidas.

Um dos líderes do grupo de socorristas, Ronnie Gibson, coordenador da Equipe Carcará de brigadistas de Casa Branca, prevê um trabalho ainda muito árduo pela frente. “A lama ainda está muito líquida, muito mole. Isso impede a gente de se deslocar com agilidade e não permite também trabalhos mais elaborados de resgate que exijam escavação, por exemplo. Mas a dificuldade maior que vejo é a falta de pessoal para percorrer todo o espaço onde podem estar as pessoas atingidas. Terá de ser feito por (trabalhadores) especializados. Não dá para pessoas despreparadas entrarem nesse cenário, ainda que com boa vontade”, considera.

Na sexta-feira, o grupo dele conseguiu localizar um corpo próximo ao pontilhão férreo, que foi destruído pela força da avalanche de lama que desceu da barragem rompida. “Nós localizamos e passamos essas coordenadas para o Corpo de Bombeiros resgatar. Não dava para ver se era um homem ou uma mulher, porque estava bem no meio do lamaçal”, disse.

DIFICULDADES - No local onde estava a Pousada Nova Estância, o grupo conseguiu localizar parte de uma moradia que poderia ser habitada. Duas lajes escoradas uma na outra poderiam conter uma vítima, mas a lama sobre a estrutura de metal e cimento impedia sua abertura. “Há muitos indícios de que possa ter alguém aqui. Achamos roupas de cama, travesseiros, secadores de cabelo e outros objetos que demonstram a possibilidade de haver alguém aqui”, observou Ronnie.

Com o peso extra da lama, o grupo não conseguiu separar as duas seções de lajes, mesmo com alavancas feitas com mourões de cercas e troncos derrubados pela força da avalanche de rejeitos. Outra solução tentada foi trazer jipes com tração nas quatro rodas para puxar as peças e separá-las, usando cordas ou correntes. Mas a dificuldade para os veículos se aproximarem era grande, bem como a possibilidade de a estrutura acabar se quebrando sobre alguém que pudesse estar vivo.

O jeito encontrado foi o mais duro possível. Os socorristas voluntários partiram para a demolição da laje, usando paus e mourões de cerca. Golpeavam a peça e removiam os pedaços quebrados com as mãos, até que puderam observar que a habitação estava vazia. Horas gastas para tentar encontrar um atingido, mas que não renderam frutos.

O grupo, então, passou a vasculhar as margens de um pasto da pousada. No meio do trabalho de esquadrinhar a área soterrada por lama e rejeitos surgiu a notícia de que uma terceira barragem havia se rompida. O helicóptero do Corpo de Bombeiros manobrou rasante e se voltou para o grupo. Um militar que estava na porta da aeronave sinalizou para o grupo, pedindo que se afastassem do local atingido para sua proteção. “Rompeu. A outra barragem rompeu. Temos de nos afastar”, disse Janaína. A ordem imediatamente faz com que o grupo procure refúgio num morro alto e aparentemente seguro. Nesse momento, os socorristas se abrigam sob sombras, tomam fôlego e, principalmente, recobram a consciência do perigo que correm ao tentar ajudar o próximo.