INCHAÇO

Em meio à crise, prefeituras do Estado se tornam reféns da folha de pagamento com funcionalismo



Densidade. Lagoa dos Patos, no Norte de Minas, é a cidade com a maior proporção de servidores municipais

Foto: Google Street View/reprodução

Erivelton Guedes defende maior eficiência no serviço público municipal


Minas Gerais teve um crescimento de cerca de 156% no quadro geral de servidores municipais ao longo das duas últimas décadas. O índice é bem superior aos apresentados nas outras esferas, estadual e federal, que tiveram aumentos de 53% e 37%, respectivamente, no mesmo período. O resultado é baseado em um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) denominado Atlas do Estado Brasileiro.O TEMPO teve acesso aos dados por município, que mostram alterações gritantes entre 1997 e 2017 – último ano com informações já disponíveis.

Em números brutos, conforme o atlas, os municípios do Estado registravam 315.988 vínculos de funcionários públicos em 1997, contra 809.619 observados em 2017. É importante ressaltar que um mesmo funcionário público, se médico ou professor, pode ter até dois vínculos. Por isso, o número total de servidores pode ser menor do que o de vínculos.

O crescimento no quadro de funcionários públicos é apontado por especialistas como um dos fatores que agravaram a grande crise financeira enfrentada pelos municípios mineiros, que piorou com os confiscos de tributos próprios de ICMS, IPVA e de recursos do Fundeb realizados pelo governo do Estado, que, por sua vez, também enfrenta um drama financeiro.

De acordo com o conselheiro da seccional da OAB-MG e especialista em direito administrativo Flávio Bozon Gambogi, a situação delicada dos municípios é agravada por uma corrente do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que, segundo ele, não tem adotado o bom senso e exigido à risca o cumprimento da Constituição quanto à realização de concursos públicos.

“De uns anos para cá, eles (MP) vêm exigindo, principalmente por meio de ações de improbidade e ações civis públicas, que os municípios e prefeitos realizem concursos públicos para provimento dos cargos que antes eram feitos em comissão. Até entendo a posição do MP, que está querendo que seja cumprida a regra constitucional, mas de forma muito fria, na letra fria do texto, que desconsidera a realidade local. Acho que a solução seria o bom senso”, diz, para em seguida reforçar que a exigência do MP é inviável hoje em dia. “O bom senso seria interpretar o texto constitucional de acordo com as realidades locais, o que significa dizer que a regra existe, mas não deve ser aplicada em determinado local. A solução talvez seja a revisão do pacto federativo ou até uma revisão do texto constitucional, ou ampliação, por exemplo, de uma política de terceirização dos serviços públicos”, continuou.

Para o jurista, o excesso de funcionários públicos municipais acaba tornando o prefeito um escravo no sentido de impedi-lo de investir em outras áreas.

“Não se pode tratar a União como trataria um município de pequeno porte. Você cria uma amarra. De repente, o prefeito está com seu limite de gastos de pessoal estourado e não sabe mais o que fazer, pois não consegue investir na construção de hospital, escola, investir na manutenção de maquinário, na compra de ônibus escolares, por exemplo, porque está preso pagando servidor”, concluiu.

Constituição de 1988 também influencia os números

Outro fator que ajuda a entender um crescimento tão grande no número de servidores municipais em 20 anos também tem ligação com a Constituição de 1988, conforme explica um dos coordenadores da elaboração do Atlas do Estado Brasileiro, o técnico em Planejamento e Pesquisa do Ipea Erivelton Pires Guedes.

“Foi uma coisa que aconteceu, existiu uma transferência do serviço público dos níveis federal e estadual para o municipal, justamente para descentralizar. Afinal, os prefeitos é que estão mais próximos dos cidadãos”, disse.

Apesar disso, Guedes defende que o trabalho do servidor público, de modo geral, seja melhorado, sem querer dizer, com isso, que existe a necessidade de abertura de mais vagas.

“No Brasil temos um número de funcionários públicos parecidos com os dos Estados Unidos. O que a gente precisa realmente é aumentar a eficiência de trabalho no serviço público, e muita coisa pode ser melhorada tecnologicamente. De toda forma, acredito que se tenha que profissionalizar mais o serviço público em nível municipal”, completou.

Estudo

Elaborado por cerca de um ano, o Atlas do Estado Brasileiro teve como objetivo, de acordo com Guedes, “dar uma luz aos números, porque há alguns anos se discute isso, de que há funcionários públicos sobrando, que ganham muito, têm vantagens, mas sem conhecer de fato essa realidade”, completou.

Mudança

Divergência. Nos dados do Ipea de 1997, 136 municípios aparecem sem funcionários públicos. Os cargos foram criados formalmente nos anos posteriores – antes eles pertenciam a outras cidades.