Dificuldade de captar recursos pode fechar o Museu de Sant’Ana, em março, e o Museu do Oratório ainda este ano
O Museu de Sant’Ana, em Tiradentes, pode fechar as portas em março, e o Museu do Oratório, em Ouro Preto, poderá ter o mesmo destino ainda este ano. Empresária, colecionadora, gestora e criadora desses espaços, Angela Gutierrez relata que, desde 2018, tem sido uma tarefa árdua mantê-los. E neste ano, de acordo com ela, ainda não há sinais de que conseguirá captar os mínimos recursos para garantir o acesso do público aos acervos. Os espaços são mantidos via leis de incentivo à cultura.
“Está muito difícil conseguir patrocínio. Nós não vamos desistir, mas, neste momento, nós estamos sem ter a quem recorrer, porque o Ministério da Cultura está se esfacelando, e o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) foi praticamente destruído; então, está tudo muito complicado”, queixa-se.
Para se ter uma ideia, dos cerca de R$ 1 milhão e 800 mil propostos no plano anual de manutenção do Museu do Oratório em 2017, o Instituto Cultural Flávio Gutierrez (gestor dos museus) conseguiu captar R$ 650 mil. Em 2018, para a proposta de R$ 1 milhão e 720 mil, o Instituto captou R$ 350 mil.
Segundo Angela, o Museu do Oratório possui despesa mensal de R$ 45 mil, incluindo investimentos com material didático, projetos educativos, além de um coral, chamado Canto Crescente, que atende cerca de 70 crianças de Ouro Preto. Já o Museu de Sant’Ana exige um aporte mensal de R$ 60 mil. Esse valor também contempla programas educativos, palestras, seminários e workshops, entre outros eventos realizados no local.
Sem os patrocínios firmados por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura – a Lei Rouanet –, contudo, Angela revela que as casas são insustentáveis. “Eu não vejo como os museus brasileiros podem sobreviver se não for através da Lei Rouanet. E toda essa dificuldade vem em um processo de crescimento. O ano passado foi superdifícil. Acho, inclusive, que para todo o universo museal brasileiro. Deve ser quase impossível encontrar alguém que está à frente de um museu hoje no Brasil que tenha opinião contrária. E você não sabe como me dói uma coisa dessa”, desabafa Angela.
“Quando me perguntam o que faço, respondo isso: eu faço museus, crio coleções, depois eu as doo. O Museu de Sant’Ana e o do Oratório são projetos que levaram uma vida inteira. Mas a dificuldade é tanta que chega uma hora em que nós cansamos. Então, se a coisas não mudarem, nós vamos fechar as portas e esperar as coisas melhorarem. Porque eu acredito que o Brasil pode melhorar e voltar a valorizar a sua cultura novamente. O país não pode ficar assim”, reforça ela.
Apesar de recente, o equipamento, segundo Angela, registra uma média anual de cerca de 87 mil visitantes por ano. “Nesses quatro anos, nós contabilizamos um público de 350 mil pessoas, e também já recebemos 300 grupos escolares, com estudantes não só da região, mas que vêm de outros Estados”, frisa ela.
Vale lembrar que o acervo de ambos os museus foram doados ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e possuem entrada gratuita para os habitantes locais, estudantes, professores e visitantes acima de 70 anos. Para os demais, é cobrado ingresso de R$ 4.
Iniciativa exemplar
Por meio de nota, o presidente em exercício do Iphan, Andrey Rosenthal Schlee, lamentou a possibilidade de fechamento dos museus e ressaltou a existência deles como uma “iniciativa exemplar na área do Patrimônio Cultural Brasileiro. Tanto em função da qualidade dos acervos preservados nos dois museus quanto pela generosidade do ato de Angela Gutierrez”.
Saiba mais
Museu de Sant'Ana
Inauguração: 19 de setembro de 2014.
Onde fica: na antiga Cadeia Pública da cidade de Tiradentes.
Acervo: 291 imagens de Sant'Ana. São obras dos séculos XVII e XIX, em materiais diversos, produzidas em sua maioria por artistas anônimos. É o único do gênero no país.
Museu do Oratório
Inauguração: outubro de 1998.
Onde fica: em um casarão histórico de três andares situado no adro da Igreja do Carmo, em Ouro Preto, onde, durante algum tempo, morou Aleijadinho (1738-1814). O projeto museográfico é do francês Pierre Catel.
Acervo: 162 oratórios e 300 imagens dos séculox XVII ao XX.