Depoentes ouvidos pela CPI dizem que empresa retém informações e negligenciou segurança da população.

As dificuldades do grupo empresarial Vale e do poder público em admitir e verificar o nível de risco da barragem rompida na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), foram apontadas por representantes da Defesa Civil como uma falha crucial e determinante para a morte de centenas de pessoas em 25 de janeiro de 2019.

A avaliação foi feita durante audiência de convidados realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta segunda-feira (8/4/19), pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho.

“Não foi bem sucedida, neste evento, a graduação dos níveis de risco”, afirmou o superintendente de Gestão de Risco de Desastre da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, major PM Marcos Afonso Pereira. Antes do rompimento, segundo o coordenador adjunto da Defesa Civil, tenente-coronel PM Flávio Godinho Pereira, não houve por parte da Vale qualquer informação de elevação do nível de risco da barragem que se rompeu.

O tenente-coronel preferiu não opinar sobre as causas do rompimento, mas ressalvou que é improvável uma estrutura como aquela vir abaixo sem qualquer sinal de risco. “Pela experiência que a gente tem, uma barragem não se rompe da noite para o dia”, afirmou ele, respondendo aos questionamentos do relator da CPI, deputado André Quintão (PT).

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) e o deputado Sargento Rodrigues (PTB) salientaram, criticaram e confirmaram com os convidados que todo o processo de identificação de risco era e é realizado pela própria empresa. “Ela eleva o nível de risco, ela decide se toca a sirene”, afirmou a deputada. “Ficou a bel prazer (da empresa)”, criticou Sargento Rodrigues.

Outro convidado ouvido pela CPI apontou a omissão do poder público, até pela insuficiência de recursos dos órgãos responsáveis pela fiscalização. “A última fiscalização feita pelo Ministério do Trabalho na Mina Córrego do Feijão foi em 2008. A Agência Nacional de Mineração, nem se fala”, afirmou o representante do Fórum Sindical dos Trabalhadores, Diretos e Terceirizados, da Vale, Atingidos pelo Rompimento da Barragem Córrego do Feijão, Eduardo Armond.

Um dos representantes da Defesa Civil chamou atenção para o fato de que os animais que pastavam sobre a barragem rompida foram mais eficientes em prever o desastre do que os seres humanos e suas instituições. “Algumas vacas pastavam sobre a barragem diariamente. No dia do rompimento, elas saíram de lá bem antes. Parece que os animais têm como sentir as vibrações”, afirmou o tenente-coronel Flávio Pereira.

Vale é acusada de priorizar lucro em detrimento da segurança

Segundo Eduardo Armond, última fiscalização feita pelo Ministério do Trabalho na Mina Córrego do Feijão foi em 2008
Segundo Eduardo Armond, última fiscalização feita pelo Ministério do Trabalho na Mina Córrego do Feijão foi em 2008 - Foto: Guilherme Dardanhan
 

Diversas outras críticas à atuação da Vale foram feitas durante os depoimentos, principalmente no sentido de minimizar os custos da prevenção. Eduardo Armond afirmou, por exemplo, que os balanços financeiros da empresa mostram que o valor investido em segurança foi reduzido de R$ 359 milhões, em 2017, para R$ 207 milhões, em 2019. Ao mesmo tempo, segundo ele, o percentual de lucros distribuídos aos acionistas se elevou.

Outros números foram apontados pelo representante do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Extração Mineral e de Pesquisa, Prospecção, Extração e Beneficiamento de Ferro e Metais Básicos e Demais Minerais Metálicos e Não Metálicos de Brumadinho (Metabase), Luciano Pereira.

De acordo com Luciano Pereira, a Vale realizou estudos prévios que estimavam o custo de cada vida que poderia ser perdida em um eventual rompimento de barragem em Brumadinho. Este estudo teria apontado um valor de US$ 2,6 milhões por vida. Segundo o sindicalista, a empresa optou por provisionar esse recurso, em vez de investir esse mesmo valor em ações de prevenção. “Porque isso iria implicar em suspender as atividades da Mina Córrego do Feijão, o que ela não se dispôs a fazer”, afirmou Luciano Pereira.

O sindicalista acrescentou que a empresa continua trabalhando para reduzir os valores efetivos de indenização, a fim de converter parte do valor provisionado para desastres em lucro. “Houve um acordo que fixou uma indenização de R$ 300 mil. É aviltante”, afirmou Luciano Pereira. Segundo ele, esse acordo de menor valor foi firmado individualmente, com a filha de um trabalhador falecido.

Outras críticas feitas à Vale pelos convidados ouvidos se referem à demora ou mesmo recusa em fornecer informações sobre lista de pessoas atingidas, empresas e trabalhadores que atuavam na Mina Córrego do Feijão. “Nós trabalhamos às escuras: de buscar pessoas sem saber onde estavam”, afirmou o tenente-coronel Flávio Pereira, sobre os primeiros dias após a tragédia.

Segundo ele, a Defesa Civil logo identificou que diversas pessoas atingidas pelo rompimento não constavam nas listas de vítimas relacionadas inicialmente pela Vale. Segundo a Defesa Civil, são 224 vítimas fatais e 69 pessoas não localizadas na região de Brumadinho, até esta segunda-feira (8/4/19).

Já o sindicalista Eduardo Armond afirmou que até hoje o Fórum Sindical não tem acesso a informações exatas sobre quantas pessoas ou mesmo quantas empresas atuavam na Mina no dia do rompimento. “Acreditamos que eram 29 empresas terceirizadas, mas os contratos não são fornecidos pela Vale”, afirmou ele.

Fonte:almg.gov.br