LEVANTAMENTO

O Anel Rodoviário de Belo Horizonte é o corredor de trânsito mais perigoso da capital, liderando as vias com maior número de mortes desde 2014. Entre janeiro e abril deste ano, foram registrados 1.473 acidentes — uma média de 12 por dia —, conforme dados do painel de “Acidentes de Trânsito” da Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas (Sejusp-MG). O número representa um aumento de 11% em relação ao mesmo período de 2024, quando a via somou 1.325 sinistros e apresentava média de 10 ocorrências diárias. A expectativa é que a rotina marcada por acidentes, contudo, possa mudar nos próximos meses com a municipalização, ou seja, gerenciamento de responsabilidade da Prefeitura de BH. A assinatura do processo deve ocorrer nesta terça-feira (3 de junho), com a vinda do ministro dos Transportes, Renan Filho. 

Após dois anos de tratativas, a transferência do Anel Rodoviário para a Prefeitura de BH será formalizada em cerimônia às 8h30. A municipalização prevê um pacote de intervenções para o trecho. Entre as promessas estão a construção de dois viadutos, entre a BR-040 e a Via Expressa, e a redução no número de acidentes já no primeiro mês após o repasse, conforme informações do prefeito da capital, Álvaro Damião. Para especialistas, no entanto, a redução efetiva só será possível com a implementação de melhorias estruturais e de segurança no principal corredor de Belo Horizonte.

O número de mortes no Anel Rodoviário nos últimos anos também é alarmante. A via lidera o ranking de avenidas com mais mortes em BH desde 2014. De lá para cá, foram 269 mortes, enquanto a segunda via com mais mortes — a avenida Cristiano Machado — registrou 69. No último ano, mais um dado preocupante: o corredor registrou o maior índice de mortes da década, com 36 óbitos. Nos primeiros quatro meses deste ano, cinco pessoas perderam a vida no trajeto de 26 quilômetros que forma o Anel.

O motorista de caminhão-reboque Tânio Cristiano, de 50 anos, que trabalha diariamente na região do viaduto São Francisco, no Anel Rodoviário, na região da Pampulha, descreve a situação da via como “um caos que só piora”. Segundo ele, há registros diários de acidentes, muitos com mortes, falta fiscalização e segurança para pedestres, especialmente os em situação de rua. “Eles atravessam de qualquer jeito porque não há sinalização nem fiscalização. E ninguém usa a passarela, com medo de ela desabar”, afirma.

Tânio relata que a passarela sobre o viaduto está em péssimo estado. “Ela está caindo. Se você anda ali, volta correndo, porque as placas de concreto estão todas soltas. Está completamente abandonada”, denuncia. Para ele, a municipalização da via não representa uma solução imediata. “Se a prefeitura assumir e não fizer nada, vai dar na mesma”, disse.

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Pedestres reclamam de passarela "improvisada" no Anel Rodoviário de BH, próximo ao viaduto São Franciso

 Foto: Alex de Jesus/O Tempo

Na avaliação do motorista, a criação de uma terceira faixa ajudaria a reduzir em até 40% os congestionamentos. “Vai aliviar as avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado. Caminhões conseguiriam seguir direto, sem atrapalhar o trânsito. Mas, hoje, todo mundo se mistura — carro, moto, caminhão... vira um funil”, explicou.

A situação é semelhante para o técnico de enfermagem Wanderley Mendes, de 40 anos, que mora na região e depende do transporte público. “Moro aqui há bastante tempo, e isso aqui é sempre um caos. Não tem acostamento, não tem sinalização, não tem nada. A expectativa é que melhore o quanto antes”, relatou.

O enfermeiro conta que evita a passarela à noite, com medo de assaltos e pela estrutura deteriorada. “Ela balança, está feia, dá medo de cair.” Wanderley também critica a falta de espaço para ônibus. “Na hora do pico, os ônibus não param aqui porque não tem acostamento. A faixa reduz de três para duas e ninguém respeita. Falta educação no trânsito também.” Para ele, ampliar a via para três faixas seria essencial para aliviar o tráfego. “A mobilidade aqui é muito difícil. Sem ampliação, não tem como melhorar”, afirma.

A psicóloga Camila Dias, de 32 anos, reforça a urgência de intervenções. Ela defende, além da ampliação das pistas, a restrição de circulação de caminhões em horários de pico. “Acredito que a ampliação do Anel seria ideal para melhorar o fluxo de trânsito. A restrição de caminhões também seria uma boa opção”, disse.

Sobre a municipalização da via, Camila é cética. “Não tenho boas expectativas com essa mudança. A gente vê que tudo o que a prefeitura começa não termina — ou até piora a situação. Do jeito que está não está bom, mas não acredito que vá melhorar com a prefeitura assumindo”, explicou a psicóloga. 

Diante do número de acidentes na via, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), responsável pelo Anel Rodoviário de Belo Horizonte, informou que o fluxo médio diário é de aproximadamente 140 mil veículos. A autarquia afirma que atua para manter boas condições de trafegabilidade nas rodovias federais, com monitoramento mensal da malha viária por meio do Índice de Condição da Manutenção (ICM), que avalia pavimento, sinalização e drenagem. O DNIT destacou ainda o programa BR-Legal, voltado à padronização da sinalização para aumentar a segurança viária, além do Conexão DNIT, iniciativa de educação para o trânsito nas escolas.

Diminuição de acidentes

Dias antes do anúncio da municipalização, o prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião (União Brasil), garantiu que o estigma de "corredor da morte" pode estar com os dias contados. Em coletiva de imprensa, o chefe do Executivo prometeu que o número de acidentes na via vai diminuir ainda neste mês. “Claro que ninguém nunca vai conseguir zerar o número de acidentes que tem no Anel Rodoviário, mas minimizar o número de acidentes a gente vai conseguir já a partir do próximo mês”, cravou.

Para o especialista em trânsito Silvestre Andrade a redução de acidentes depende de uma série de intervenções, que demandam tempo para serem efetivadas. “Precisa de um projeto que tenha iniciativas para melhorias de sinalização, construção de novas áreas de escape, soluções para pedestres e pensar nos estrangulamentos das pistas. É preciso um projeto contínuo porque, às vezes, acontece um acidente e danifica um equipamento de segurança  e não se substitui. Quando acontece outro acidente, acaba sendo mais grave por não ter a proteção”, afirma. 

Obras anunciadas são insuficientes

Para tentar solucionar problemas de fluxo do Anel Rodoviário, a municipalização prevê obras de ampliação e melhoria dos viadutos existentes no trecho entre o km 533 e 534, entre a BR-040 e a Via Expressa. As intervenções serão feitas pela PBH, que receberá cerca de R$ 63 milhões dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-3).

O especialista em trânsito Silvestre Andrade pontua, contudo, que as obras, apesar de importantes, não serão suficientes para resolver o conjunto de problemas que atingem o Anel Rodoviário da capital. “É um conjunto de problemas sérios e graves. Ele foi construído para ser um anel e, hoje, é uma avenida no meio da cidade. É uma ligação para três rodovias importantes. Muda o dono, mas não a característica de tráfego”, pontua.

Entre os obstáculos elencados por Silvestre Andrade estão o estreitamento das três faixas, que em alguns pontos — sobretudo em viadutos — se tornam duas, e a falta de manutenção. “Todas as passagens nas pontes e viadutos só têm duas pistas, vias marginais sem continuidade, travessias de pedestres insuficientes e algumas provisórias. Drenagem ruim, insuficiente ou sem manutenção, resultando em aquaplanagem em momentos de chuva”, pontua.

Para o especialista, as diferenças de fluxo também devem ser analisadas. Isso porque, segundo ele, de um lado, a via recebe o tráfego típico de uma metrópole, onde carros, motos e ônibus cruzam o corredor para acessar trabalho, educação, saúde e lazer. Do outro, o fluxo rodoviário, com carretas e veículos de passeio que atravessam a via em direção ao destino final. “Nós temos muitos problemas que precisam ser encarados e resolvidos, como o Rodoanel, que precisa vir para ajudar e tirar o tráfego do Anel”, afirma.

Andrade lista intervenções que devem ser prioritárias, como a ampliação de faixas e interligação de vias. “É preciso manter as três faixas em todo o Anel. Fazer as interligações de vias que não existem ou têm algum problema de fluxo, como o da Via Expressa, que já tem obra anunciada. Também é necessário olhar os veículos e os pedestres, porque tem cidade de um lado e do outro. Olhar o transporte público que passa por lá é importantíssimo”, afirma.