"Mata essa filha da p..., já mataram outras. Só agindo assim essa raça some do mapa". "Quem é essa comunista ordinária? É do mesmo nível das cadelas de rua? Essa v... deseja falir a cidade". 


Postadas na página do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMS-BH) no Facebook, as mensagens são direcionadas a Carla Anunciatta, presidente do órgão ligado à Secretaria Municipal de Saúde da capital. Ao menos mais 50 semelhantes, que incluem ameaças de estupro e outras agressões, constam em denúncias feitas por ela em três instituições nessa segunda-feira (13): o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Polícia Civil e a Polícia Militar.

Publicadas também no Instagram, as mensagens - muitas com milhares de compartilhamentos - atacam Carla por apoiar a adoção de lockdown (bloqueio total) na cidade, medida que o conselho recomendou em 3 de julho ao prefeito Alexandre Kalil (PSD) por meio de carta aberta. O documento recorre aos índices de ocupação de leitos de CTI e à velocidade de espalhamento do novo coronavírus em BH para fundamentar a orientação. 

A conselheira é citada ainda em postagens difamatórias divulgadas em perfis e blogs de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que a acusam de estar a serviço de um grupo de 98 chineses. Sem apresentar provas ou fontes, as publicações afirmam que esses orientais são os principais interessados aumentar o rigor da quarentena da cidade. Com isso, fragilizariam as empresas mineiras para, posteriormente, compra-las a "preço de banana". 

 

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Texto publicado em vários perfis no Facebook dizem que a conselheira quer lockdownn em BH para 'quebrar' comércio e favorecer chineses(foto: Reprodução/Facebook)


Um dos vídeos que propagam a tese, anexado às denúncias de Carla, foi produzido e publicado pelo jornalista e servidor da Câmara dos Deputados Cláudio Lessa em 6 de julho. Na gravação, com mais de 140 mil visualizações, ele se refere à líder do conselho como "figurinha carimbada", cujo "único mérito foi ter trabalhado ativamente na campanha da "cínica, semi-analfabeta, estocadora de vento" - termos que sugerem menção à ex-presidente Dilma Roussef. Lessa diz que a conselheira "exige energicamente o lockdown" em BH porque, "segundo se informa, enquanto não quebrar todas as empresas da capital mineira, não vai liberar a abertura do comércio". 
 
"A série de ataques e calúnias que venho sofrendo esses dias, além de me agredir, parecem ter o objetivo de alimentar uma máquina de notícias falsas. Parece-me que a intenção é convencer pessoas ou grupos mais conservadores de que eu, uma pessoa de esquerda, estou por trás das decisões do prefeito. O que não faz sentido algum. O conselho é formado por um colegiado, que se posicionou a favor do isolamento com base na ciência e nos indicadores de saúde em BH, analisa Carla. "A motivação dessas agressões é política: querem atingir o prefeito, que é pré-candidato à reeleição. Associá-lo a uma petista como eu o desqualifica entre seus simpatizantes antipetistas. Mas é um movimento perigoso, que veio para cima de mim com as piores armas machistas. Já estou tomando as providências legais cabíveis", ascrescenta a dirigente. 


Além de registrar ocorrências junto às autoridades, Carla diz ter solicitado à PBH e ao MPMG, nessa terça-feira (14), medidas de proteção para a preservação de sua vida e de seus familiares. A presidente do CMS-BH também relata ter sido incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH-MG).


'Barnabé'

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Em seu canal no Youtube, Claudio Lessa se refere à presidente do Conselho Municipal de Saúde, Carla Anunciatta, como 'figurinha carimbada", cujo 'único mérito foi ter trabalhado ativamente na campanha' de Dilma Roussef(foto: Reprodução/Youtube)

 

O Estado de Minas solicitou a Cláudio Lessa esclarecimentos sobre as afirmações que ele fez a respeito da presidente da CMS-BH. Ele alega que reproduziu "notícias publicadas em outras mídias. 


"Dado o fato de que, de acordo com a notícia recebida e com o que tem ocorrido em outras regiões do Brasil controladas por esquerdistas anti-Bolsonaro, e por ela ter o perfil de esquerdista radical, me pareceu plausível essa informação", argumentou. "Como não tenho compromisso com o erro, gostaria de dizer que estou aberto a fazer uma entrevista virtual com a senhora que se diz ofendida para que ela coloque seus pontos de vista tais como achar corretos", acrescentou.

O servidor (ou 'barnabé, como ele mesmo define em um de seus blogs) é ex-diretor-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados (Secom). Atualmente, ele informa que atua como editor da TV Câmara. "No entanto, minha atividade não-remunerada como comentarista não tem nada a ver com o meu emprego fixo", ressalta.

 

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Servidor da Câmara dos Deputados, Claudio Lessa afirmou, em vídeo, que o governador do Espírito Santo, Renato Casa Grande, usou hidroxicloroquina para tratar COVID-19. Justiça determinou que ele retirasse o material do ar(foto: Reprodução/Youtube)

Lessa foi processado no início do mês passado pelo governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), por divulgar conteúdo digital difamatório envolvendo o político. O jornalista afirmou que Casagrande e a esposa dele, que confirmaram publicamente ter contraído a COVID-19, fizeram tratamento à base de hidroxicloroquina. No caso da primeira-dama, que precisou ser internada, o blogueiro diz que o fármaco proporcionou recuperação em apenas 4 dias. A Organização Mundial de Saúde (OMS) desaconselha o uso da substância, comprovadamente ineficaz contra o novo coronavírus.

"O retrato explícito da canalhice esquerdopata. O governador proibiu o uso de hidroxicloroquina nos hospitais do SUS. Mas, quando sua mulher ficou doente, ele não pensou duas vezes: levou para um hospital da Unimed e, lá, ela tomou a hidroxicloroquina", acusa Lessa em vídeo que circula na internet. 


Em decisão proferida em 9 de junho, o juiz Marcos Assef do Vale Depes, da 7ª Vara Cível de Vitória, reconheceu o caráter difamatório do conteúdo digital e determinou que o blogueiro apagasse as publicações sobre o gestor capixaba de seus canais. De acordo com o parecer do juiz, as postagens "ultrapassaram o limite da liberdade de expressão, uma vez que a afirmação de que o autor e sua esposa fizeram uso da hidroxicloroquina foi desmentida publicamente pela própria Unimed", rede privada na qual o casal se tratou. 

 

 

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Post publicado em 2015 no 'Blog do Lessa', mantido pelo então diretor-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados (Secom)(foto: Blog do Lessa/Divulgação)

Em outubro de 2015, o então diretor da Secom ganhou as manchetes ao publicar em seu blog uma enquete sugerindo que Dilma Roussef se matasse. "Dada a situação crítica da política e da economia do Brasil, o que deve mudar primeiro?", perguntava a pesquisa informal. Uma das quatro opções apresentadas era que Dilma deveria cometer suicídio.