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Promotores reclamam que inquéritos envolvendo políticos demoram a tramitar ao passarem pela PGJ

Rivalidade entre promotores, lentidão de processos envolvendo autoridades, medo de falar à imprensa, afastamentos e pressão política. Não é novidade que a realidade hostil no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) não tem sido fácil, mas, após anos de silêncio institucional, com os temores e críticas se mantendo de forma interna, a apreensão de seus membros começa a ser exposta para fora da instituição. Um dos primeiros episódios ocorreu no mês passado, quando o promotor Eduardo Nepomuceno chamou a atenção ao afirmar, durante palestra em evento na Associação dos Juízes Federais (Ajufe), em Belo Horizonte, não acreditar que o MPMG possui “independência plena em relação a fiscalização e atuação contra atos da administração pública, principalmente contra Executivo e Legislativo”.

O TEMPO conversou com membros do órgão que confirmaram a apreensão nos casos que envolvem políticos. Por possuírem foro, toda denúncia, para ser enviada à Justiça, precisa, antes, passar pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais (PGJ), que comanda o MPMG. Por lá, a principal reclamação é que os processos costumam demorar a tramitar. “É assustador ver a quantidade de inquéritos que são encaminhados para a procuradoria e simplesmente somem, não possuem uma sequência”, relata um integrante do MPMG.

Uma inspeção realizada pela Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) reforça a preocupação destes membros do órgão. Segundo o relatório, finalizado em 2017, o MPMG é lento e deixou de investigar fatos envolvendo denúncias de corrupção contra políticos. “A partir dos trabalhos da inspeção foi possível constatar a existência de procedimentos investigatórios envolvendo deputados estaduais, que têm por objeto a apuração de fatos em tese caracterizadores de ato de improbidade administrativa, tramitando sob a presidência do procurador geral de Justiça, fato que não se coaduna com a lei”, diz trecho do estudo, que enumera detalhes de inquéritos que estão paralisados na PGJ.

O texto também é crítico quanto à apuração próxima de parlamentares – há inquéritos em que os próprios investigados foram alertados e questionados de forma precoce. “Dar conhecimento ao investigado antes de qualquer diligência instrutória efetiva permite que o alvo da investigação possa maquiar ou suprimir provas, mitigando o princípio da paridade de armas”, mostra trecho da inspeção.

Acusação. Na avaliação de um promotor, que pediu para não ser identificado, há uma paralisação proposital nas investigações envolvendo a defesa do patrimônio público. “O que ninguém fala, na verdade, é que há quase um acordo de troca entre o MP e a classe política. Há uma troca da independência nestas investigações pelo auxílio-moradia, por este complemento de salário”, dispara.

Segundo o mesmo promotor, a legislação interna do MP de Minas facilita que exista a pressão política. “Somente três Estados no país não permitem que promotores se candidatem ao cargo de procurador geral do Estado. Isso é algo que deveria ser revisto, a PGJ poderia ser mais combativa”.

Trechos do relatório

“Merece registro a costumeira prática de, prima facie, se dar conhecimento ao investigado antes de qualquer diligência, o que, por óbvio, permite que o alvo da investigação possa maquiar ou suprimir provas.”

“Há alto indicador de inquéritos sem resultado na defesa do patrimônio público – foi informado como sendo de aproximadamente 70% o percentual de investigações que não resultam em demandas.”

Afastamentos e silêncio imperam no órgão acusador

Colecionador de desafetos no MP, o promotor Eduardo Nepomuceno obteve, no último mês, vitória na Justiça Federal ao conseguir um recurso para ser reintegrado à promotoria de Defesa do Patrimônio Público. Ele foi afastado em novembro de 2016, por decisão do Conselho Nacional do MP, que viu irregularidades em suas atuações durante o trabalho feito na promotoria. Para parte dos membros do órgão, houve perseguição política a Nepomuceno por conta da combatividade a membros do Executivo e do Legislativo. “Há clara pressão para inibir a abertura de inquéritos e investigações que envolvam políticos”, diz um assessor. Nepomuceno não quis falar à reportagem e disse que seu posicionamento foi feito durante a palestra realizada no mês passado.

Com receio de possíveis novas retaliações, imperou a lei do silêncio no órgão. Eram raros os promotores que aceitavam conversar abertamente com a imprensa – como feito em abril, após deflagração da operação Sordidum Publicae, em que o promotor Leonardo Barbabella concedeu entrevista coletiva e contou detalhes da investigação.

A riqueza no compartilhamento de informações de Barbabella impressionou colegas de MPMG, que se assustaram ao ver o promotor confirmando que o ex-presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte Wellington Magalhães também é investigado por supostamente estar ligado ao tráfico de drogas.

“Por conta de problemas que aconteceram com colegas, evitamos ao máximo essas exposições. É importante que a sociedade receba as informações sobre a atuação do MPMG, mas há o cuidado para não vincular nomes a inquéritos e investigações”, conta outro membro do órgão.

Recentemente, membros de uma promotoria de casos sensíveis para a opinião pública solicitaram que não tivessem seus nomes publicados em reportagens – a justificativa era a mesma: evitar a exposição e rusgas com o comando da entidade e políticos.

O caso de Eduardo Nepomuceno, aliás, não é o primeiro a ser suspeito de perseguição política e afastamento compulsório no MP de Minas. Também em 2016, o promotor Luciano Sotero Santiago, que atuava na comarca de Guanhães, na região Leste do Estado, foi afastado de sua função após dar declarações em audiências públicas na Câmara Municipal da cidade informando sobre investigações envolvendo o prefeito do município, que também era suspeito de ter praticado irregularidades na gestão.

Em uma das falas aos vereadores, Sotero disse que testemunhas vinham sendo orientadas a mentir e “se fingirem de doidas” para atrapalhar a investigação. O fato revoltou o prefeito, que entrou com representação contra o promotor na PGJ – que, semanas depois, decretou o afastamento. Este caso também é costumeiramente citado internamente por membros do MPMG como uma história de interferência política.

Rivalidade impede até cumprimentos

Atualmente, segundo interlocutores, há dois grupos políticos no MPMG – um liderado pelo atual procurador geral, Antônio Sérgio Tonet, também apoiado pelo ex-procurador Nedens Ulisses Freire Vieira, e outro ligado ao ex-procurador Jarbas Soares Júnior. Ambos disputaram a eleição para procurador geral em 2016, com Jarbas apoiando a recondução de Carlos André Bittencourt, que ocupou o cargo em 2015 e 2016. Apesar de ter ficado na segunda colocação na lista tríplice do Conselho do MP de Minas, Tonet foi o escolhido pelo governador Fernando Pimentel (PT) para gerir a PGJ.

O que difere um grupo do outro são entendimentos e correntes distintas do ramo jurídico, além de relações pessoais entre alguns integrantes com membros da classe política. É nas promotorias que surgem, no entanto, as principais rivalidades. Há promotores que não se suportam mesmo convivendo no mesmo espaço físico. Há casos de membros do MPMG que nem sequer se cumprimentam pelos corredores – a motivação, na maioria destes casos, se dá por desavenças pessoais e interferências na condução de inquéritos e investigações.

Silêncio

Outro lado. Instada a se manifestar sobre os diversos pontos relatados na apuração, a Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) não enviou respostas após quase duas semanas de tentativas.