TECNOLOGI

Um sistema que alia monitoramento por câmeras e inteligência artificial começa a ser implantado na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A empresa, que já funciona em São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói, opera na capital desde outubro, e pretende expandir a instalação para outras regiões da cidade.

Além disso, fechou uma parceria com a Política Militar de Minas Gerais para integrar o sistema Hélios e compartilhar imagens e informações com o órgão para auxiliar em ações de segurança. Especialista ouvido pelo Estado de Minas avalia a iniciativa de maneira positiva pela integração com o sistema público, para ações preventivas e repressivas. Porém, aponta alguns ajustes para possibilitar que toda a população seja beneficiada. 

A Gabriel é uma empresa que alia uma rede de câmeras voltadas para as ruas. Os equipamentos coletam imagens e geram informações, por meio de inteligência artificial, que podem ser compartilhadas com o poder público auxiliando em ações de segurança.

O nome da empresa é uma referência ao anjo Gabriel, mensageiro que anunciou a chegada de Jesus. “Historicamente, quando falamos em segurança, olhamos muito para esse lado ostensivo, de defesa. A estética de segurança tem escudos, armas. Segurança é isso, mas também é proteção, acolhimento. A ideia da Gabriel sempre foi essa: focar no indivíduo”, afirma o presidente da empresa Erick Coser.  

Ao todo, são 5.500 clientes, principalmente de prédios residenciais. E mais de 15 mil câmeras instaladas, todas voltadas para rua. “A ideia foi criar uma rede colaborativa em que cada prédio, casa, comércio aderindo, conseguimos enxergar o que acontece na rua, mas principalmente, tirar inteligência disso”, explica.

Segundo ele, essas câmeras conseguem detectar 80 milhões de placas de carros por mês. “Isso representa metade da frota de São Paulo e do Rio, passando na frente de uma câmera, pelo menos uma vez por mês. São 10 milhões de veículos únicos.”

A empresa tem integração com as polícias militares de São Paulo e Rio de Janeiro e passa a integrar o Hélios, sistema desenvolvido pela Polícia Militar de Minas. O anúncio oficial será nesta quarta-feira (03/12). O Estado de Minas entrou em contato com a corporação para confirmar a informação, mas ainda não obteve retorno. 

“Mandamos todas as detecções de consulta, em tempo real, de uma base de veículos procurados, envolvidos em crime ou com alguma restrição. Toda vez que há um 'match' entre o que mandamos para eles e a base, geramos um alerta. Hoje, são 1.500 alertas por dia. É mais de um alerta por minuto de veículo roubado passando na frente de uma câmera nossa”, destaca. 

Todas as placas lidas pelas câmeras são enviadas automaticamente para o sistema. A Polícia Militar cruza essas informações com seu banco de dados e, se identificar relação com algum crime, pode despachar uma viatura imediatamente para o local.

Três pilares

Coser explica que a empresa trabalha em três frentes. A primeira é tentar identificar criminosos habituais. “Em geral, ele usa a mesma moto, o mesmo carro para cometer outro delito. Como esse veículo potencialmente já está na base do estado, se ele passar na frente de qualquer câmera, é possível gerar esse alerta. No Rio, por exemplo, vai direto para a sala que faz despacho de viatura no estado inteiro. E eles tomam a decisão se querem mandar uma viatura para o local.”

A segunda é dissuadir os criminosos de cometer delitos. “A câmera é uma representação física, que funciona tanto para o cidadão que está passando na rua, vê o LED e lembra da proteção. Mas também para o criminoso ver e entender que aquela câmera está gravando.”

Segundo ele, se nenhum dos objetivos é alcançado, vem a terceira, que é ajudar a combater a impunidade. “Com análise das câmeras é possível identificar suspeitos e comparsas. Esse tipo de inteligência chegar na mão da polícia em questão de horas, em vez de semanas, que geralmente é como funciona na maior parte do Brasil, pode fazer diferença.” 

A empresa também firma parceria com a Polícia Civil dos estados. Com isso, as imagens podem ser enviadas para a corporação. “Sempre precisando de um ofício. Necessariamente, ou tem um boletim de ocorrência ou um ofício vinculado, também para não ter busca sem causa. Hoje ajudamos 15 ocorrências criminais por dia, vindas da polícia, de clientes e não clientes”, explica Coser. Para os não clientes, a empresa também disponibiliza imagens gratuitamente, sendo necessário apresentar o boletim de ocorrência. 

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Cada parceria funciona de um jeito. Com a Polícia Militar, as imagens são transmitidas em tempo real. Há também um acordo com a Polícia Civil com várias modalidades. Em uma delas, por exemplo, no Rio de Janeiro e São Paulo, as delegacias poderem usar o software que tem acesso às câmeras da empresa na circunscrição daquele departamento, desde que registre o inquérito policial associado àquelas imagens. “Porque se tiver mau uso de imagem, a Corregedoria tem dados para atuar. As imagens também podem ser solicitadas pela Polícia Civil.”

Em Belo Horizonte, segundo ele, há tratativas também com a Prefeitura de Belo Horizonte para integrar as imagens da empresa ao Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH). 

Quem paga pelo serviço?

O serviço é custeado pelos clientes privados, principalmente condomínios residenciais. “As câmeras estão sempre instaladas dentro do espaço privado.” Já as integrações com os órgãos públicos são todas gratuitas. “Cada uma delas é um termo diferente, mas, geralmente, é um termo de cooperação técnica, em que a Gabriel integra os dados dela com o Estado. Tudo que fazemos está aberto para qualquer empresa”, afirma Coser. 

Além das imagens, ele ressalta que o diferencial são os dados estruturados que a empresa gera para os órgãos de segurança. "Isso é muito importante porque a imagem solta é útil, às vezes faz muita diferença entre impunidade ou não, mas para conseguir fazer isso em escala, precisa de dado estruturado, que é gerar o alerta.”

O sistema usa inteligência artificial para fazer essa análise. “Isso também serve como filtro. A pessoa quer buscar uma imagem, mas só sabe as três primeiras letras da placa e o último número. É possível identificar a placa e ver a rota feita pelo veículo. Isso é muito importante para a polícia.”

O empresário conta que os clientes são informados quando há o desfecho de alguma ocorrência, com a prisão de suspeitos, por exemplo. Eles recebem links de reportagens feitas pela imprensa sobre o caso.  

Em BH, as câmeras estão sendo concentradas na região da Savassi e do bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul. A estratégia é adensar as câmeras nesta região. “É preciso ter densidade de rede, com um volume maior de câmeras. Para isso, limitamos a região de venda, temporariamente. Em São Paulo, por exemplo, todo mês o mapa é revisado e vai aumentando. Em Belo Horizonte vamos fazer a mesma coisa”, explica. Mas já há equipamentos também nos bairros Carmo e Sion. A tendência é começar a instalar em outros bairros como Buritis, Belvedere, nas próximas fases. 

“Como temos um modelo em que vendemos para prédios, às vezes tem alguns com várias unidades, ou seja, fica um preço que cabe no orçamento.”

Integração plena

O especialista em segurança pública, Jorge Tassi, avalia que sistemas como este são iniciativas positivas para uma integração plena com os de segurança pública. “A segurança que temos atualmente é totalmente passiva. Ela depende de pessoas para que providências sejam tomadas e reações aconteçam. Isso permite uma relação de inteligência global que pode fortalecer a polícia e, principalmente, preservar informações que nos permitam investigar, prender e antever a prática de crimes.” 

Segundo ele, hoje as prefeituras precisam decidir estrategicamente onde as câmeras devem ser instaladas. “Se buscássemos a integração do sistema público e privado, as da prefeitura e dos particulares trabalhando de uma forma uníssona, gerando um resultado que possa ser mensurado e aproveitado pelo sistema de informação. Saindo de um sistema totalmente passivo para um que seja proativo e reativo.”

O proativo é aquele que vai acionar todo o sistema de segurança pública em razão de possibilidades de reação e intervenção. Tassi dá o exemplo de um veículo que está estacionado na porta da casa de uma pessoa de madrugada. O cliente é avisado pelo sistema e pode acionar a polícia, por exemplo. 

“É um tipo de serviço de prevenção e não passivo, porque a pessoa não precisa ficar consultando as câmeras o tempo todo. O sistema proativo possibilita atividades de prevenção porque as informações são transmitidas e chegam ao cliente sem que precise ir atrás delas. É para isso que serve a inteligência artificial e ela pode ser treinada para identificar certos comportamentos, como pessoas armadas. Neste caso, a polícia seria acionada imediatamente.” 

No reativo, o sistema pode identificar um invasor de residências, por exemplo, e acionar a polícia para que o suspeito seja preso. Com as prisões, os criminosos devem se sentir desestimulados a praticar os atos ilícitos. 

O especialista alerta, porém, que esses sistemas podem ficar restritos a bairros comerciais e residenciais com pessoas de maior poder aquisitivo e capacidade de integração mais rápida. “Com isso, a demanda por mais polícia pode aumentar nestes locais. Em regiões menos abastadas e com monitoramento menor a demanda pode diminuir. Isso não quer dizer que não exista criminalidade ali.” 

Para ele, esse é um processo complexo. Mas existem possibilidades de resolução. “Uma pessoa ao investir no sistema paga uma cota social e faz com que essas câmeras possam ser distribuídas em toda a cidade”, cita.

Outra questão é a distribuição das câmeras, que pode ser feita de maneira mais inteligente, segundo Tassi. “Uma câmera tem capacidade de leitura de distância e abrangência. É possível criar um planejamento que não seja necessário ter uma câmera em cada casa. Ela pode atender um certo número de casas, tendo uma cobertura mais eficiente sem haver sobreposição. Com isso, o sistema fica menos pesado e mais inteligente.” 

Para o especialista, este tipo de sistema deveria passar por um processo de análise do poder público. “Um planejamento permitiria um sistema mais eficiente e menos oneroso para todos.”

Outro problema que pode ser gerado pelo maior monitoramento das câmeras é o crescimento da demanda por viaturas policiais, estrutura de reação. “Gerando uma demanda de investimento para a qual o Estado pode não estar preparado. Mas um benefício pode ser a diminuição da demanda por policiamento comunitário, principalmente à noite.”