Foram 519 assassinatos, 58% a menos do que o verificado em 2004, ano de maior incidência
Felipe Martins*, 14, perdeu os três primos assassinados pelo tráfico de drogas no ano passado. No dia 30 de dezembro de 2017, ele estava na “boca de fumo” quando foi avisado pelo radiocomunicador que um grupo rival se aproximava. Ele conseguiu correr, mas seu amigo, de 16, foi executado com sete tiros. No dia seguinte, o garoto voltou a vender droga, mesmo sabendo que a qualquer momento poderia ser o próximo da lista de mortos.
Os primos e os amigos de Felipe* fazem parte da estatística da violência em Belo Horizonte e região metropolitana. No ano passado, foram registrados 519 homicídios na capital, cada crime com uma ou mais vítimas. Isso significa que a cada dois dias, três pessoas são executadas, a maioria jovens pardos ou negros da periferia. Apesar de assustador, o índice é o menor dos últimos 17 anos, de acordo com o Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil .
No ano 2000, quando o balanço começou a ser feito, foram 609 assassinatos. O ápice foi em 2004, com 1.227 crimes do tipo. A região metropolitana também teve redução nos últimos anos – foram 718 homicídios de janeiro a outubro de 2017 – último dado disponível –, frente a 840 no mesmo período do ano anterior.
Para a Polícia Civil, a queda se deve, especialmente, à desarticulação de quadrilhas do tráfico de drogas. “Foram longas investigações e quase mil prisões em 2017, muitas delas de chefes das gangues. Quando se prende o topo da pirâmide, o grupo leva mais tempo para se reorganizar”, explicou o chefe do DHPP, Matheus Cobucci.
O secretário de Estado de Segurança Pública, Sérgio Barboza Menezes, atribui a redução também ao reforço de 2.800 policiais militares. “Incrementamos ainda o número de viaturas das duas polícias. E estamos com uma gestão focada em prevenção e integração”, diz ele.
Motivação. Dos homicídios de 2017 na capital, 82% têm uso de arma de fogo, 39% foram motivados pelo tráfico de drogas e 10% por brigas entre gangues, que também têm relação com drogas. “De forma direta ou indireta, o tráfico é responsável por metade das mortes”, disse o delegado.
Para Cobucci, ao analisar a motivação dos crimes, é possível dizer que a queda no número de mortes vem acompanhada de uma redução da violência. “Em qualquer parte do mundo, homicídio é parâmetro de violência”, argumentou.
O sociólogo e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio, admitiu que a redução é positiva, mas afirmou que a segurança não pode ser medida só por estatísticas. “A criminalidade é sazonal. Indicadores em baixa num determinado momento não significam, necessariamente, melhorias objetivas e duradouras na segurança pública. Eles podem transmitir uma falsa ilusão de que o problema está resolvido”, disse.
Para Felipe*, a disputa entre gangues continua, e o risco é constante. “Medo a gente tem. Mas, fazer o quê?” disse, sem perspectiva de melhora.
*Nome fictício
FOTO: LEO FONTES |
“Além do trabalho da polícia, muita coisa que leva à violência precisa mudar. Falta moradia, saneamento, emprego.” Matheus Cobucci Chefe do DHPP |
Taxa de mortes ainda é epidêmica pelos parâmetros da OMS
Mesmo em queda, a taxa de homicídios na capital é de 20,5 mortes por 100 mil habitantes, o dobro do parâmetro usado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para caracterizar um nível epidêmico de violência nas cidades.
“Para a OMS, taxa acima de dez (homicídios por 100 mil habitantes) caracteriza uma cidade com alto nível de violência”, explicou o sociólogo Robson Sávio.
Roubos. Outro crime que influencia muito na sensação de segurança de uma população é o patrimonial. De janeiro a outubro do ano passado, foram 32.702 roubos em Belo Horizonte, enquanto no mesmo período de 2016 foram 38.899. A redução é de 16%, a maior dos últimos seis anos, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). Na região metropolitana, também houve queda no período.
Sávio ressalta que, apesar da queda nos índices, não houve mudança ou melhoria significativa no modelo de polícia e de Justiça do Estado. “Não adianta apenas analisar pontualmente. É preciso uma reforma dos sistemas, com uma única polícia, mais equipada, com recursos tecnológicos avançados e responsável pela prevenção e pela investigação, e uma Justiça menos seletiva”, concluiu o sociólogo.
Investigação. O Brasil leva, em média, oito anos e seis meses para concluir o processo de julgamento de um homicídio, quando o tempo máximo não deveria passar de 316 dias para réu solto ou 296 dias, se o acusado estiver preso, de acordo com estudo divulgado em 2014 pelo Ministério da Justiça.
Capital. Segundo, o chefe do DHPP, Matheus Cobucci, todas as mortes são investigadas, mas muitas investigações levam anos para serem concluídas ou sequer são elucidadas por falta de provas. “Os crimes motivados pelo tráfico de drogas são os mais difíceis, pois os familiares e as possíveis testemunhas têm medo de denunciar”, disse. Ele admitiu também que falta tecnologia para ajudar na identificação de vítimas e autores.