Os recentes flagrantes da falsificação de cervejas na Grande BH parecem ser apenas a ponta de um iceberg. O Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (Sindbebidas-MG) aponta que, em 2016, 80% dos bares e restaurantes da capital já haviam admitido ter trabalhado com alguma bebida falsificada. Dois anos depois, segundo a entidade, o percentual pode ser ainda maior devido ao agravamento da crise econômica no país.
Na manhã da última terça-feira, a Polícia Militar descobriu uma fábrica caseira que adulterava rótulos de cerveja trocando os lacres de bebidas mais baratas para revendê-las com preço maior. O esquema funcionava em Contagem, na região metropolitana, onde os suspeitos alteravam cerca de 500 garrafas por dia.
Diretor administrativo do Sindbebidas-MG, Thiago Medrado garante que o problema é “mais comum do que se imagina”. Ele afirma que, devido a alta tributação sobre o produto, muitos estabelecimentos adotam a prática ilícita em busca de vantagem comercial.
“Mais do que concorrência desleal, estamos diante de um problema de saúde pública”, alerta. “Todo alimento vendido precisa seguir critérios de segurança e produtos falsificados não seguem padrão algum”, acrescenta Medrado.
“Em BH, esse é um grande problema porque também inclui sonegação de impostos e falhas na fiscalização” (Thiago Medrado, diretor administrativo do Sindbebidas-MG)
Destinatários
Pelo menos dez inquéritos para apurar irregularidades envolvendo a fabricação e comercialização de bebidas alcoólicas foram abertos pela Polícia Civil desde o ano passado na Grande BH. Quem afirma é o delegado do Departamento Estadual de Fraudes e da Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Contra Administração Pública, Vinícius Dias.
Ele explica que bares e restaurantes estão entre os destinatários desse tipo de organização criminosa e que esses grupos não produzem grandes quantidades sem a certeza de que a carga será vendida.
“Percebe-se que, como o valor do investimento é alto, os criminosos produzem sabendo que ela será revendida automaticamente após a adulteração”, aponta. Vinícius Dias ressalta que o número de fábricas clandestinas pode ser maior, já que o levantamento não considerou as unidades policiais do interior do Estado.
O delegado destaca que, tanto quem adultera quanto quem compra a bebida falsificada pode responder criminalmente. “Os responsáveis podem ficar presos de quatro a oito anos”, expõe.
Riscos
Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MG), Ricardo Rodrigues alerta que todo empresário precisa desconfiar de ofertas com um preço muito abaixo do que o mercado pratica.“É um indicativo de que aquele produto pode ser falsificado ou fruto de desvio”, diz.
Ele relata que donos de bares também podem ser alvos de criminosos, mesmo comprando bebidas originais. “Já tivemos episódios de casas de renome em Belo Horizonte onde o entregador das bebidas fazia um ‘pitstop’ para trocar os produtos por outros falsificados”, conta.
Prejudicial
O consumo de álcool, em qualquer circunstância, pode trazer riscos à saúde se não for feito com moderação, alertam especialistas. Contudo, se as bebidas forem alteradas os impactos podem ser ainda maiores, afetando não apenas o fígado, mas também o Sistema Nervoso Central.
Membro do Conselho Regional de Nutrição de Minas Gerais, Rafael Teixeira de Mattos explica que consumidores precisam avaliar o local onde compram e verificar as informações legais contidas nos rótulos das bebidas.
“As pessoas que bebem muito podem adquirir doenças hepáticas alcoólicas, que são reversíveis até certo ponto. No entanto, se o produto for de procedência duvidosa, o risco é muito maior”, garante.
Rigor
Empresário do ramo e estudioso das cervejas, Heitor Silva sugere que os consumidores tenham certos cuidados no momento da compra. Um deles é conferir, no rótulo, o número de registro da cervejaria no Ministério da Agricultura.
“Sem a identificação não é possível saber de onde veio a cerveja, se a fábrica seguiu a legislação, se soube manipular os ingredientes e se controlou o processo inteiro”, explica.
Comerciantes
Comerciantes também eram clientes da organização criminosa presa por vender cerveja adulterada, na terça-feira, em Contagem, na Grande BH. Aos policiais militares, as três pessoas detidas suspeitas de envolvimento em uma quadrilha disseram que compravam caixas da cerveja Spoller, do Paraná, por R$ 46, e vendiam em Minas, com alteração de rótulo e tampa, por R$ 98. Na ocasião, a Polícia Militar apreendeu 500 caixas de garrafas, com 24 cada, totalizando 12 mil unidades, somente no galpão averiguado. O percentual de lucro em cima de cada engradado vendido era de 113%.
Os militares chegaram aos homens quando patrulhavam o bairro Praia e perceberam atitude suspeita do motorista que dirigia um Kia Cerato, com placa de Goiás, que teria reduzido bruscamente a velocidade ao ser abordado. No porta-malas, pacotes com rótulos das cervejas Brahma e Skol e milhares de tampas das respectivas marcas foram encontrados. Na hora, os ocupantes do carro confessaram que faziam a adulteração das bebidas e vendiam, principalmente, a proprietários de bares e restaurantes.
No galpão, os agentes encontraram materiais usados no ato criminoso e flagraram dois caminhões carregados com as garrafas. Os suspeitos contaram que outros locais na Grande BH também servem de espaço para alteração de rótulos de bebidas. As investigações estão a cargo da Polícia Civil.