O número de autorizações para porte de arma em Minas, concedidas pela Polícia Federal (PF), cresceu nada menos que 265% em 2018 na comparação com o ano anterior. A explosão de registros acompanha o aumento da demanda por aulas de tiro nas escolas e clubes do segmento em Belo Horizonte.
Pelo menos cinco empresas especializadas na área alegam que a procura é crescente. Dentre os motivos está a expectativa de flexibilização do Estatuto do Desarmamento – lei federal que regulamenta o comércio e o porte de equipamentos no país – em 2019. O afrouxamento dessas normas foi uma das promessas de campanha que ajudaram a eleger Jair Bolsonaro (PSL) para o Palácio do Planalto.
No Attack Clube de Tiro, no bairro Cachoeirinha, região Nordeste da metrópole, há cursos para colecionadores, caçadores e atiradores esportivos. A maioria dos alunos é iniciante, diz o dono da empresa, Christian Galvani Portes.
“Desde 2016 há um crescimento evidente. São médicos, advogados, engenheiros que começam no tiro esportivo, mas, obviamente, podem usar as armas para autodefesa”.
Aluno do clube, o empresário Carlos Guedes, que já tem licença para posse e é praticante assíduo do tiro esportivo, diz que a afinidade com as armas veio de família. No entanto, ele garante que só considera o instrumento um objeto de defesa pessoal se for para preservar a própria vida.
“Nem para defender o patrimônio eu usaria. Falta ainda muita clareza sobre o que é a legítima defesa, por isso não acredito em revogação do Estatuto do Desarmamento”, afirma.
Já para o servidor público Deivison Rocha, que está à procura de informações sobre o funcionamento dos cursos do tipo, a ideia é conseguir adquirir legalmente uma arma de fogo para garantir a proteção da residência e da família.
Mesmo nunca tendo sido alvo de bandidos, ele vê a “necessidade de prevenir situações de violência que possam vir a acontecer”. “Não pretendo andar armado, apenas ter essa proteção dentro de casa”, garante.
Óbitos
Armas de fogo são causa de morte em 71% dos homicídios no país. Os dados são do Atlas da Violência de 2018 e revelam que o Brasil viveu uma espécie de “corrida armamentista”, que começou nos anos 1980 e só foi freada com a criação do Estatuto de Desarmamento.
Para Felippe Angeli, assessor de advocacy do Instituto Sou da Paz, é possível que a norma passe por mudanças, mas a revogação completa é algo mais remoto. “Não é possível esperar que uma única lei possa alterar uma crise tão profunda quanto é a da segurança pública”, afirma.
“Apesar disso, o Estatuto foi a medida isolada que mais teve impacto diminuindo a violência, principalmente nos crimes contra vida”, avalia Angeli.
Ranking
Minas é atualmente o terceiro estado do país com maior número de armas ativas registradas junto à Polícia Federal, perdendo apenas para São Paulo e Rio Grande do Sul.
O levantamento, relativo a 2017, é do Instituto Sou da Paz. São mais de 57 mil unidades, sendo a maior parte – cerca de 30 mil – em poder de pessoas físicas.
Dados do Exército também demonstram que há cada vez mais procura pela autorização para a posse no país.
De acordo com o órgão, que concede permissão para compra de armamento apenas a caçadores, atiradores desportivos e colecionadores, mais de 70 mil certificados de registros para pessoas físicas foram emitidos em 2018. O número é 92% maior do que o total de concessões liberadas no ano passado.
Advogado especialista em direito penal, Eduardo Milhomens defende que as possíveis flexibilizações no Estatuto do Desarmamento possam ter resultados negativos se não forem devidamente estudadas.
Ele esclarece que o que está em debate não é necessariamente a revogação da lei, mas sim a liberdade das autorizações. Isto é, se a permissão para posse deve depender da autorização individual de delegados federais ou apenas do cumprimento das exigências objetivas da norma.
“As pesquisas no mundo inteiro provam que a facilitação da posse ou do porte de armas não reduz a criminalidade”, afirma. “Armas são sempre um problema, já que são instrumentos criados com o objetivo único de machucar outras pessoas”, destaca.
Sem consenso
Procurada pela reportagem, a Polícia Militar informou que a corporação não tem parecer definido a respeito do tema. “Não existe um consenso sobre essa questão”, afirma o major Flávio Santiago, porta-voz da corporação.
“Não podemos nos posicionar em relação a uma política armamentista ou desarmamentista. Acreditamos que só o tempo pode nos dizer sobre os efeitos, e isso está atrelado a questões sociais, políticas e econômicas”, acrescenta o militar.