Unidades particulares teriam cobrado até 30 vezes mais por procedimentos para atender pacientes do SUS

Hospitais de Minas teriam superfaturado em R$ 1 bilhão os leitos privados contratados pelo Estado nos últimos cinco anos, de acordo com estimativa da Advocacia Geral do Estado (AGE). A legislação prevê que o Estado deve contratar leitos particulares para atender pacientes em situação de urgência/emergência em caso de insuficiência do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, segundo o Executivo, as instituições têm cobrado valores maiores do que os praticados no mercado privado, chegando a um total de R$ 3 bilhões no período. Enquanto no sistema público procedimentos de fraturas e luxações custam, em média, R$ 957,35, a conta que chega dos hospitais para o Estado é de R$ 28.841,73.

Para evitar que isso continue ocorrendo, o governo de Minas deve publicar nesta sexta-feira (26) uma resolução para tabelar os valores a serem pagos para os hospitais por procedimento. “Hoje, com a falta de verbas na saúde, as transferências se tornaram uma coisa corriqueira. Até aí tudo bem, é garantia de saúde, mas alguns hospitais privados, sabendo disso, estabeleceram uma tabela absurda para cobrar do Estado. Eles estão explorando a deficiência do SUS”, afirma o advogado geral de Minas Gerais, Onofre Alves Batista Júnior. “É um fenômeno nacional. Levantei com procuradores de outros Estados”, diz.

Conforme o Ministério da Saúde, quem avalia a situação do paciente e define o destino dele é o médico regulador, que analisa pedidos de internação enviados por médicos que atuam no atendimento pré-hospitalar, como nas UPAs.

No entanto, segundo Batista Júnior, vem crescendo o número de decisões judiciais que determinam internações de forma genérica, sem que o quadro de saúde do paciente seja avaliado pelo médico regulador. Com isso, pessoas que não se encaixam no quadro de urgência e emergência estariam sendo transferidas sem necessidade.

Além disso, segundo a AGE, o Ministério Público tem solicitado à Justiça a internação particular de pacientes em hospitais específicos, com leitos privados e do SUS, sem verificação prévia da ocupação dos públicos. “A SES (Secretaria de Estado de Saúde) tem apurado que alguns hospitais não vêm cumprindo totalmente a taxa de ocupação do SUS, mas, em contrapartida, acolhem pacientes decorrentes de decisão judicial em leitos privados”, diz a nota da AGE. Em Minas, desde 2014, 2.382 leitos foram “comprados” por ordem judicial, conforme a SES.

O Estado passou a apurar o caso a partir de denúncias de superfaturamento de hospitais em Governador Valadares, na região do Rio Doce, onde existe uma ação civil pública que determina a internação dos pacientes em situação de urgência/emergência no prazo de 48 horas. Para alguns procedimentos, o valor exigido pelos hospitais chega a 30 vezes o preço do SUS. “Há hospitais que tinham leitos SUS, falaram que não havia, internaram no leito privado e cobraram dez vezes o valor da tabela SUS”, detalhou Batista Júnior.

Segundo ele, o Estado vai buscar o ressarcimento na Justiça. Além disso, o governo vai estabelecer, por meio de resolução, as indenizações que o governo pagará aos hospitais. Enquanto isso, será feito um levantamento das unidades que cobraram valores elevados nos últimos anos em Minas.

Número de vagas caiu 13% em dez anos

O número de leitos do SUS caiu 12,49% entre 2008 e 2018 em Minas Gerais, de 35.160 para 30.767, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES). Segundo a pasta, as maiores quedas ocorreram na psiquiatria e na pediatria clínica.

Nesses dez anos, o Brasil perdeu mais de 41 mil leitos do SUS, conforme estudo da Confederação Nacional de Municípios. “Como a população não é atendida, precisa buscar a Justiça”, pontua o presidente da entidade, Glademir Aroldi.

Para o presidente da Comissão de Saúde da OAB-MG, Bruno Penna, como é realizada, a transferência de pacientes do SUS para leitos privados afeta as políticas públicas na saúde: “Quando o Judiciário determina a transferência de pacientes dessa forma, causa caos no Orçamento”.

Saiba mais

Números

Em Minas, há 135 hospitais públicos e 411 privados com serviço SUS. Há 30.767 leitos SUS no Estado, sendo 3.341 complementares (leitos de cuidado intermediário e intensivo) e 27.426 de internação (clínicas médica, cirúrgica, obstétrica, pediátrica e de outras especialidades).

Município

A Secretaria Municipal de Saúde de BH informou que não transfere pacientes para leitos privados de hospitais sem contrato com o SUS, visto que a Rede SUS na capital absorve a demanda por internações. O número de leitos SUS na capital caiu 1,5% de 2017 para 2018, o que, segundo a pasta, deve-se ao fechamento de leitos da Rede Fhemig.

Sem resposta

A reportagem procurou associações de hospitais privados em Minas e no país e o MP, mas não obteve retorno.

Minientrevista

Onofre Alves Batista Júnior

Advogado geral de Minas Gerais

Qual o problema verificado pela AGE?

Se chega alguém para internar em urgência/ emergência e não tem leito no SUS ou nos hospitais conveniados, o Estado é obrigado – e faz isso para atender a saúde – a direcionar para hospitais privados. É uma medida de urgência, e, como não tem licitação nem nada, os hospitais estão cobrando preços exorbitantes do Estado.

A Justiça também determina as internações?

As decisões judiciais têm crescido muito. Tem casos que não se encaixam em urgência/emergência, como os de pacientes que precisam fazer cirurgia e procuram o Ministério Público, que os manda para o hospital privado para o Estado indenizar. É um jeito de furar a fila.

Por que o trabalho começou em Governador Valadares?

Foram várias denúncias. Levamos seis meses para comprovar. Vamos acionar os hospitais que fizeram o sobrepreço e enganaram promotores e juízes. Há hospitais que tinham leitos SUS, falaram que não havia, internaram no leito privado e cobraram dez vezes o valor da tabela SUS.

O que a AGE vai fazer?

Vamos levantar todos os hospitais que cobraram sobrepreço. Isso vai levar algum tempo, mas vamos acionar judicialmente um por um e recuperar esse dinheiro perdido.

Que prejuízos isso gera?

À medida que se gasta com essa extorsão, o recurso da saúde fica minimizado. Ou seja, você gasta no privado e, depois, não consegue repor no público. Vira um círculo vicioso, e quem paga é o cidadão.