Por Reinaldo Azevedo, em seu blog – O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu na noite desta sexta uma liminar concedida mais cedo por seu colega Ricardo Lewandowski e proibiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de dar entrevista à Folha na prisão. Conforme a decisão de Fux, se a entrevista já tiver sido realizada, sua divulgação está censurada.
Vamos ver.
1- Fux, como se sabe, é um homem que gosta de matar a bola no peito. Chegou ao tribunal prometendo matar a bola em favor do PT. Agora julga fazê-lo contra o PT. Um dia ele descobre que papel de juiz é ser isento. Desta feita, ele apenas tenta matar a liberdade de imprensa.
2- Ao tomar tal decisão, agride fundamentos básicos da democracia e do Estado de direito:
a: não é proibido um preso conceder entrevista; logo, é permitido;
b: sendo permitido, o juiz avalia se a entrevista ofende algum outro bem protegido pela lei; no caso, não ofende nenhum.
3- Não satisfeito em proibir a entrevista sem nenhum fundamento, o ministro reinstaura, no país, a censura prévia, uma vez que proibiu a publicação de eventual entrevista que já tiver sido concedida. Não custa lembrar: a própria jornalista Mônica Bergamo, da Folha, que havia feito a solicitação, já entrevistou Paulo Maluf na cadeia.
4- Na sua justificativa, o ministro parte do princípio de que o eleitor é idiota e precisa de sua tutela iluminista. E, por isso, escreve sem nenhuma vergonha: "No caso em apreço, há elevado risco de que a divulgação de entrevista com o requerido Luiz Inácio Lula da Silva, que teve seu registro de candidatura indeferido, cause desinformação na véspera do sufrágio, considerando a proximidade do primeiro turno das eleições presidenciais". O doutor acha que o leitor de jornal não tem discernimento para saber.
5- É um escândalo. A ser assim, o PT ficaria, então, proibido de falar em Lula e de usar a sua imagem. Uma pergunta ao ministro do intrépido topete: quando os adversários do PT usam a imagem do ex-presidente como referência negativa e afirmam ser ele o homem a conduzir Haddad, não haveria, então, também nesse caso, "desinformação na véspera do sufrágio"?
6- Ao cassar, monocraticamente, a liminar de um colega, o doutor introduz o baguncismo no Supremo. Está aberto o caminho para a guerra das togas.
7- Fux posa de sábio, mas não é um homem especialmente sagaz na argumentação. Notem que ele veta a entrevista porque parte do pressuposto — que não está dado — de que ela seria positiva para o PT. Venha cá, Cabeleira: e se fosse ruim? Aí o Excelentíssimo Topete permitiria?
8- Já apontei aqui o grande esforço de setores do Judiciário e do Ministério Público para conferir verossimilhança à propaganda petista, segundo a qual Lula está sendo vitima de perseguição judicial. Fux acaba de dar mais um motivo. E, de quebra, rasga também a liberdade de imprensa.
9- Em junho de 2017, antes de Sérgio Moro condenar Lula, ele aparecia com 30% das intenções de voto no Datafolha — os candidatos testados eram outros. Em julho do ano passado, foi condenado. Em outubro, tinha 35%. Em janeiro deste ano, estava com 36%. O ex-presidente foi preso no dia 7 de abril. Na pesquisa do dia 16 daquele mês, chegava a 37%. No dia 22 de agosto, alcançou 39% e, pela primeira vez, passou a marca de 50% contra seus principais adversários no segundo turno: 53% a 29% contra Alckmin; 51% a 29% contra Marina e 52% a 32% contra Bolsonaro. No dia 31 de agosto, o TSE o declarou inelegível — é bem verdade que o inefável Luiz Fux já o havia feito, informalmente, fora dos autos, no dia 1º daquele mês. A cada insucesso colhido pelo ex-presidente do Judiciário, cantou-se sua morte eleitoral. Fernando Haddad, seu substituo na chapa, disputará o segundo turno da eleição. Se ocorresse hoje, venceria, ainda que Jair Bolsonaro se negasse a reconhecer...
10- Pergunta: essa turma não aprendeu que esse caminho é contraproducente para combater o PT? Essa gente não se deu conta de que vencer o petismo é uma tarefa, para aqueles que a tanto se dispõem, afeita à política, não à polícia e ao Judiciário? Estes que cumpram o seu papel, que não é fazer política. Por essa via, os valentes conseguiram, isto sim, dar vida nova ao partido. Mas, é claro, isso que falo faz sentido na cabeça de liberais. Fascistoides com ou sem toga têm suas próprias ideias a respeito.
O resultado é o que vemos.
Num trecho de "Oração aos Moços", escreve Rui Barbosa com sintaxe e vocabulário peculiares:
"Então vim a perceber vivamente que imensa dívida cada criatura da nossa espécie deve aos seus inimigos e desfortunas. Por mais desagrestes que sejam os contratempos da sorte e as maldades dos homens, raro nos causam mal tamanho, que nos não façam ainda maior bem."
Ele quis dizer, em português um pouco mais claro, que os inimigos podem ser mais úteis do que os amigos.
E, nesse caso, quanto mais xucros forem os inimigos, melhor.
O renascimento do PT como alternativa de poder deve, por óbvio, muito a seus militantes. Mas a gratidão do partido a seus inimigos chega a ser um dever moral.