Brasil247 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou neste domingo (14) um artigo no The New York Times em que critica a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Segundo Lula, a medida carece de fundamentos econômicos e tem como objetivo favorecer Jair Bolsonaro (PL).

No texto intitulado “A democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis”, Lula afirma ter analisado cuidadosamente os argumentos apresentados por Washington, reconhecendo que a recuperação de empregos nos EUA e a reindustrialização são pautas legítimas. No entanto, ressaltou que a estratégia escolhida pela Casa Branca é equivocada e prejudica a relação bilateral.

Crítica à justificativa econômica

Lula lembrou que os Estados Unidos acumulam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio com o Brasil nos últimos 15 anos e que quase 75% das exportações americanas entram sem tarifas. “O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico”, destacou.

Segundo o presidente, a ausência de justificativas comerciais revela motivações políticas. Ele citou declarações atribuídas ao vice-secretário de Estado, Christopher Landau, que teria admitido a empresários brasileiros que as tarifas visam pressionar o governo em defesa de Bolsonaro, acusado de orquestrar a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Defesa das instituições e do STF

Lula elogiou a decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado. “Tenho orgulho do STF por sua decisão histórica, que salvaguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito”, afirmou. Ele ressaltou que não se tratou de uma “caça às bruxas”, mas de investigações amparadas pela Constituição de 1988, que revelaram inclusive planos de assassinato contra autoridades.

Tecnologia, regulação e meio ambiente

O artigo também rebateu críticas americanas sobre regulação de empresas de tecnologia no Brasil. Lula afirmou que não há perseguição, mas aplicação igualitária da lei a todas as plataformas, com foco em combater desinformação, discurso de ódio e crimes virtuais. “É desonesto chamar regulamentação de censura”, escreveu.

Sobre o comércio digital, o presidente citou o sucesso do PIX, sistema de pagamentos instantâneos que promoveu inclusão financeira de milhões de brasileiros. Na área ambiental, destacou que o desmatamento na Amazônia foi reduzido pela metade em dois anos e que o Brasil apreendeu centenas de milhões de dólares em bens ligados a crimes ambientais.

Relação bilateral e apelo ao diálogo

Apesar das críticas, Lula reafirmou a disposição para negociar. Ele lembrou que a relação entre Brasil e EUA remonta a mais de dois séculos e deve ser pautada pelo respeito mútuo. “Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta”, escreveu.

O artigo conclui com uma citação do próprio Trump, em 2017, sobre a importância da soberania nacional, destacando que Brasil e Estados Unidos podem trabalhar juntos apesar das diferenças ideológicas. Lula reforçou que a cooperação entre as duas maiores democracias do continente só será possível com base no respeito às instituições e à vontade popular.

Leia o artigo na íntegra:

A democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis

Luiz Inácio Lula da Silva - New York Times, 14 de setembro de 2025,


Decidi escrever este ensaio para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociação, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em conta todos os interesses em jogo. Por isso, examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.

A recuperação dos empregos americanos e a reindustrialização são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou para seus efeitos nocivos. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação generalizada, dominante desde a década de 1990, justificou a posição brasileira.

Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com o nosso país, nem estão sujeitos a tarifas elevadas. Nos últimos 15 anos, acumularam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram isentas de impostos. Pelos nossos cálculos, a tarifa média efetiva sobre produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos 10 principais itens têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.

A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que trabalhavam para abrir canais de negociação. O governo americano está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas.

Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal (STF) por sua decisão histórica na quinta-feira, que salvaguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito. Não se tratou de uma "caça às bruxas". A decisão foi resultado de procedimentos conduzidos em conformidade com a Constituição Brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. A decisão foi resultado de meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do STF. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022.

O governo Trump acusou ainda o sistema judiciário brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser uma terra de ilegalidade, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes.

Igualmente infundadas são as alegações do governo sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico, bem como sua suposta falha em aplicar as leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de pagamento digital brasileiro, conhecido como PIX, possibilitou a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia.

Nos últimos dois anos, reduzimos a taxa de desmatamento na Amazônia pela metade. Só em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em ativos usados em crimes ambientais. Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem a sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa. O aumento das temperaturas globais pode transformar a floresta tropical em uma savana, interrompendo os padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o Centro-Oeste americano.

Quando os Estados Unidos viram as costas para uma relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que impeçam dois governos de trabalharem juntos em áreas nas quais têm objetivos comuns.

Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta. Em seu primeiro discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2017, o senhor afirmou que “nações fortes e soberanas permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo”. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitarem mutuamente e cooperarem para o bem de brasileiros e americanos.