A Folha vendeu, desde a primeira manchete contra Alexandre de Moraes, a ideia de que o não cumprimento de ritos levaria à nulidade das provas das investigações contra os golpistas. 

Mas o fracasso imediato dos argumentos ‘jurídicos’ levou o jornal, dois dias depois, a buscar outra tática e a investir na pauta pretensamente ética e moralista para desqualificar o ministro.

A palavra nulidade aparece já na manchete de 13 de agosto com uma sutileza. Os autores da reportagem, Fabio Serapião e Glenn Greenwald, transcrevem conversas entre o juiz auxiliar Marco Antônio Vargas, do STF, com Eduardo Tagliaferro, servidor do TSE.

Vargas brinca com a possibilidade da bandidagem bolsonarista questionar as provas, prevendo o uso do argumento difundido pela Folha do não cumprimento de ritos. "Falha na prova, vou impugnar", diverte-se o juiz.

É quando aparece a sugestão de que os golpistas devem buscar a anulação do inquérito das fake news. A palavra nulidade, para provas colhidas e para talvez toda a investigação, aparece aí pela primeira vez. No dia seguinte, a Folha ouve os ‘especialistas’.

A manchete é esta: “Atuação de assessores de Moraes fora do rito pode abrir brecha para nulidade”. A palavra nulidade reaparece aqui por três vezes. E a palavra anulação aparece uma.

Mas os especialistas não entram no jogo da Folha e o texto não entrega o que o título promete. Os juristas negam, em sua maioria, que exista a possibilidade de anulação das investigações. Talvez só algumas provas poderiam estar sob risco. 

Mesmo assim, apesar dos depoimentos de juristas que derrubam a própria manchete examinada, no mesmo dia a Folha publica um editorial em que volta a condenar “o fluxo alheio às formalidades” na comunicação entre STF e TSE.

E aumenta o volume do apito para a cachorrada no arremate do texto: “Há acusados e investigados que poderão, com base nas informações que vêm sendo levantadas pelo jornalismo profissional, solicitar a nulidade de provas ou a reversão de decisões”.

A palavra nulidade é a principal, para concluir a opinião do “jornalismo profissional”. E no mesmo dia 14, em um texto com perguntas e respostas sobre a ‘denúncia’, a Folha usa de novo a palavra nulidade.

Por que a Folha enfatiza que se dedica ao “jornalismo profissional”, se tem tanta convicção dos seus afazeres? Porque o jornal fica inseguro, a partir da manchete do Globo, que no mesmo dia 14 destruiu a tese da nulidade, também ouvindo especialistas.

Com o fracasso da tese dita jurídica, o jornal toca o segundo apito, o da moralidade. No dia 16, destaca reportagem sobre o uso que Moraes faz de pedidos “fora do rito” para ter informações da polícia e da Justiça sobre um homem que faria uma obra em sua casa.

Moraes teria usado o mesmo TSE para, na insinuação de desvio moral da Folha, privilegiar-se da estrutura do tribunal para obter informações de interesse pessoal que seriam protegidas, indevassáveis ou secretas. 

Não havia nada de acesso privilegiado a algo sigiloso. O jornalismo profissional, que não é só o da Folha, já provou que qualquer criança pode entrar na internet e obter informações sobre envolvidos em processos judiciais públicos que não estejam sob segredo de Justiça.

O que a Folha quis sugerir é que Moraes, caçado pelo fascismo até em aeroportos, passou dos limites ao querer saber quem entraria em sua casa e poderia ficar por algum tempo fazendo reformas. A Folha investiu aqui na tentativa de emparedar o ministro com argumentos éticos.

Se não conseguiu angariar apoios para a tese da nulidade processual, era preciso desqualificar a postura do ministro. Que Alexandre de Moraes passasse a ser visto como uma figura desprezível e equivalente a um Sergio Moro.

Pode ser nessa linha o que virá mais adiante. Como o jornal tem gigantescos arquivos vazados sobre a troca de informações entre servidores do STF e do TSE, é provável que apareçam mais conversas na mesma direção, envolvendo outros personagens.

Se começou com informações sobre a ‘devassa’ de dados dos milicianos digitais e de Eduardo Bolsonaro, protegidos pela Folha apenas como laranjas, para que o núcleo golpista seja blindado, esperemos novas revelações sobre outros investigados que estão bem acima das milícias. 

Militares e grandes empresários planejadores e financiadores do golpe podem ter a chance de aparecer como vítimas do desrespeito aos ritos. As nulidades do bolsonarismo estão em festa.

 

*Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

 

brasil247.com