Foi durante uma festa de aniversário na casa do músico Negro Leo que o sociólogo paulista Marcos Lacerda conheceu o compositor Ronaldo Bastos. Admirador da trilogia que o artista produziu com Celso Fonseca – Sorte (1994), Paradiso (1997) e Juventude/Slow motion bossa nova (2001) –, Marcos fez questão de comentar com Bastos o quanto aqueles três álbuns o marcaram. “Negro me disse que Ronaldo era muito mais do eu imaginava. É um mestre, expoente do Clube da Esquina, parceiro de Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges e tantos outros nomes importantes da MPB. E eu, que achava que estava abafando ao analisar cada faixa dos discos dele com o Celso, não tinha associado que era Ronaldo o nome por trás de tantos clássicos”, revela.
 
A partir de então, Marcos Lacerda – que foi diretor de música da Funarte e organizou dois livros de ensaios sobre canção e música popular – aprofundou sua pesquisa sobre a obra de Bastos. “Caiu a ficha sobre a relevância dele para a cultura. Ronaldo Bastos está no centro do melhor da canção deste país. Muitas vezes, o letrista não aparece, não é valorizado como o intérprete. É raro o público associar tal composição a quem a fez”, observa.
 
 
Lacerda acaba de lançar Hotel Universo – A poética de Ronaldo Bastos (Azougue Editorial), no qual aborda a potencialidade, qualidade e diversidade da obra do compositor fluminense. O livro, que não tem linguagem acadêmica, pode ser considerado um ensaio. O autor analisa a poesia das canções de Bastos, mostrando como, ao longo de mais de 50 anos, sua obra dialogou com os principais dilemas sociais, políticos, estéticos e sociais do nosso tempo.
 
A publicação se divide em cinco eixos: A política e a poética da canção (canções com temática política e com lirismo crítico pungente afiado); A claridade do belo (a poesia voltada para temas associados a aventuras existenciais e reflexões sobre o sentido da vida); O sentimento do mundo (canções com amadurecimento formal e estilístico); A eternidade e o efêmero (músicas que têm como tema as formas de subjetivação na metrópole, a solidão, multidão e o anonimato); e O mistério da canção. Em cada capítulo, o autor analisa letras que se relacionam com a temática abordada.
 
SPOTIFY
 
Em parceria com a plataforma Spotify, Ronaldo Bastos e a Editora Azougue criaram cinco playlists com as canções abordadas em Hotel Universo. Estão lá Cais, Nada será como antes e Menino (parcerias com Milton Nascimento), O trem azul (com Lô Borges), Um certo alguém (Lulu Santos), Perto do céu (Guilherme Arantes), Outono no Rio (Ed Motta), Chuva de prata (Ed Wilson), Pode ser o que for (Marina Lima), Canção para Michelle (Tom Jobim), Olhos negros (Johnny Alf) e Sol de primavera (Beto Guedes).
 
A variedade de parceiros e estilos chamou a atenção de Lacerda. “Ele é um artista contemporâneo, múltiplo, diverso, mas tem um estilo próprio de criar. A gente sempre consegue identificar: isto é Ronaldo Bastos”, observa o autor.
 
Ronaldo não interferiu no projeto, mas colaborou ao sugerir composições e até o título e a capa do livro. A canção Hotel Universo, parceria dele com Nelson Ângelo, foi gravada por Joyce.  “Hotel remete a solidão, a um lugar reservado, do resguardo, enquanto o universo é espaço onírico, da infinitude das coisas. Há uma contraposição, mas eles se completam”, analisa Marcos Lacerda.
 
Em sua conta no Facebook, Ronaldo Bastos revelou o que está por trás da imagem da capa de Hotel Universo, uma foto dele com Ana Duarte, mulher do poeta e jornalista Torquato Neto. “Em 1967, conheci Torquato e sua companheira, no Rio de Janeiro. Nos tornamos rapidamente inseparáveis. Foram eles que me apresentaram aos meus novos amigos da Tropicália e, pouco depois, tive meu grande encontro com Milton Nascimento. Em 1968, já trabalhava com Bituca quando soubemos da morte do estudante Edson Luís. É dessa época a canção Menino, contando essa história. Logo depois, aconteceu a Passeata dos Cem Mil, e a barra começava a pesar. Eu não quis entrar na luta armada e tinha sede de mundo. No início de 1969, me mandei para Paris. Reencontrei lá o meu amigo poeta Torquato, e a minha querida amiga Ana Duarte. A vida em exílio voluntário fez com que, nesse tempo, criássemos uma família com alguns outros expatriados conhecidos do casal. Para não deixar a angústia nos tomar, nos divertíamos muito. E flanávamos. Nessa foto, Torquato certamente estava atrás da câmera. A imagem, utilizada para a capa do recém-lançado livro Hotel Universo, escrito pelo ensaísta Marcos Lacerda, capta o espírito dessa época. Saudades do futuro”, postou o compositor.
 
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HOTEL UNIVERSO: A POÉTICA DE RONALDO BASTOS
 
. De Marcos Lacerda
. Azougue Editorial
. 173 páginas
. R$ 39