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string(93) "Adélia Prado completa 90 anos como uma das escritoras mais expressivas em língua portuguesa"
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Valter Hugo Mãe sentia “uma enorme ternura” por Adélia mesmo antes “de enfrentar seus versos”, pois o nome da escritora sempre o rondava quando se ouvia falar em poesia brasileira. Logo ele encontrou algo para ler e confirmou sua impressão. “Minha memória mais antiga tem que ver com a ternura de entender que seu sujeito poético é alguém que não quer uma heroicidade clássica, como eram os homens poetas que conhecia. Ela queria ser pessoa. Queria ser uma pessoa no uso da gratidão e da lucidez. Eu fiquei perplexo que poeta pudesse ser humanidade pura, e não uma eloquência brincando de ser maior que os outros”, conta o escritor português, autor de livros de sucesso como “a máquina de fazer espanhóis” e “O Filho de Mil Homens” adaptado para o cinema neste ano, tendo como protagonista Rodrigo Santoro.
Na opinião de Valter, “Adélia não abre mão de ser como quer”. “Isso, para mim, é sagrado. Podemos considerar tudo o que quisermos, mas no fim da linha a felicidade é nossa própria liberdade, com sua virtude e erro. Adélia é muito frontal. Não enrola. Ela declara e toda a sua dúvida é também declaração. Todos nos comovemos com ela porque não tem máscara. Ela é sem noção de máscara. Usa a poesia como se fosse prece, e em prece não adianta mentir. Por isso, ela não sabe mentir”, delineia o escritor, que elege “vulnerabilidade e franqueza” como as principais características da poética da mineira nascida em Divinópolis, que publicou o primeiro livro aos 40 anos, depois que uma crônica de Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil chamou a atenção para a qualidade de sua poesia a todo o país.
Amor
Em “Bagagem”, de 1976, Adélia colocou em livro os versos que encantaram Drummond e que hoje seguem como uma espécie de bússola para o ator Odilon Esteves: “Eu peço a Deus alegria pra beber vinho ou café, eu peço a Deus paciência pra pôr meu vestido novo e ficar na porta da livraria, oferecendo meu livro de versos, que pra uns é flor de trigo, pra outros nem comida é”. Odilon os considera “uma metáfora muito viva para quem vive de arte”. “Para uns o que fazemos é flor de trigo, para outros nem comida é”, parafraseia. Criador do projeto “Espalhemos Poesia”, o ator encerrou o último Festival Literário Internacional de Belo Horizonte (FLI-BH) com um sarau-celebração aos 90 anos de Adélia, de quem conheceu a poesia na adolescência, quando uma colega do curso de teatro leu em voz alta o poema “Ensinamento”.
“A mãe, no poema, não fala a palavra ‘amor’, mas realiza tarefas cotidianas em casa com um amor perceptível, embora sem dizer essa palavra. Na época, fiquei pensando muito nisso, em como a comunicação humana se dá também sem palavras, através de gestos e ações, por outros meios, por outras linguagens”, recorda Odilon. Assim como Valter Hugo Mãe, o que “bate forte” nele diante de um poema de Adélia é “a honestidade absoluta, somada a uma aparente simplicidade”. “Ela me parece se colocar, literariamente falando, sem fazer negociações para ser aceita no universo literário. É uma poesia que parece brotar de uma necessidade profunda diante da vida. Isso me encanta”, afirma Odilon, que destaca outros aspectos da construção da autora.
“Tenho uma amiga, muito religiosa, que é fascinada pela presença ‘quase Bíblica’, como ela costuma dizer, na poesia de Adélia. Uma outra se diz atravessada pela relação complexa entre o sagrado e o profano, pelo embate entre as coisas que inevitavelmente acontecem e a fé. Já outra gosta da mineiridade cotidiana na prosa, sobretudo nos contos”, enumera. Ao se colocar diante de um poema para declamação, Odilon toma como norte “o desejo de transpor para a oralidade” sua leitura subjetiva do texto. “Se não tenho uma conexão real com o texto, não há técnica de teatro que me salve. Só que, às vezes, é um processo lento. Você adentra a literatura de alguém como quando começa uma nova amizade. Dependendo de quem seja, é preciso tempo para conhecer a outra pessoa, para entender a gramática dela, os assuntos de predileção, seu olhar sobre a vida, sobre si, sobre o mundo”, aponta.
Retalhos
Apresentador e diretor do programa “Conversações”, exibido pela Rede Minas, Cláudio Henrique sublinha que “a poesia de Adélia se dá nas dobras, nos encobrimentos, nos desdobramentos da existência”. “O requinte da linguagem é justamente a capacidade de expressar algo complexo de um modo simples e poético, um quase brincar com as palavras, algo semelhante a uma colcha de retalhos que, separadamente, podem não combinar, assim como palavras soltas ao vento podem não fazer sentido. A beleza está no resultado da trama, da costura com afeto, medida com a régua da paixão pelo processo, de quem se entregou ao percurso da agulha e da linha”, metaforiza. Ele lembra que a obra de Adélia recebeu “um importante reconhecimento em vida”.
“Independentemente de premiações, sem desconsiderar a relevância de todas, a obra de Adélia alcançou um merecido destaque, como lugar de referência, dentro e fora das escolas, editoras e livrarias, no Brasil e no exterior e no próprio imaginário popular, por tudo que eu mencionei anteriormente e pela linguagem simples, atemporal, cirúrgica, com temáticas que vão do amor à dor, do sexo ao confessionário, sem perder o tom e a beleza”, exalta.
Em agosto, “O Jardim das Oliveiras” encerrou um hiato de doze anos sem publicações de Adélia, com uma centena de poemas inéditos. “O título é bastante emblemático das diversas questões que atravessam a obra de Adélia, a começar por nos remeter ao local de retiro e de muitas reflexões de Jesus Cristo, onde ele passou a noite anterior à traição do Judas e à crucificação. Falar em ‘Jardim das Oliveiras’ é pensar em redenção, finitude e infinitude, fé e provação, fidelidade e traição, passagem e permanência, onipresença e onisciência”, avalia Cláudio, para quem “a poesia de Adélia canta”. Odilon segue essa linha ao constatar que o livro “nos prepara para uma conversa muito profunda sobre vida e morte, alegrias e tristezas, sobre o fim inevitável da vida”. “E, ao mesmo tempo, não deixa de ser num jardim”, reflete.
Valter Hugo Mãe não conteve o espanto ao saber que a novidade “é um achado de poemas antigos que ficaram quietos numa gaveta”. “Parece um milagre que se tenham conservado, a despeito de todo o esquecimento. São poemas lindíssimos. Gosto muito quando diz: ‘Não se faz poesia só com palavras;/ poemas, sim, mas quem precisa deles?’. A poesia é um estado de espírito. Um estado do mundo”, sustenta o escritor, que, por fim, entra na campanha para que Adélia um dia venha a ser contemplada com o Prêmio Nobel de Literatura. “Tenho a impressão de que ela se colocou estritamente na essência, o que lhe permite ser universal sem qualquer atrito. Adélia é uma maturação da humanidade inteira. Não tem desperdício. Seria muito justo que o mundo inteiro urgisse em traduzi-la. Seria uma melhoria considerável que a humanidade descobrisse tudo o que ela ensina”, arremata.
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Valter Hugo Mãe sentia “uma enorme ternura” por Adélia mesmo antes “de enfrentar seus versos”, pois o nome da escritora sempre o rondava quando se ouvia falar em poesia brasileira. Logo ele encontrou algo para ler e confirmou sua impressão. “Minha memória mais antiga tem que ver com a ternura de entender que seu sujeito poético é alguém que não quer uma heroicidade clássica, como eram os homens poetas que conhecia. Ela queria ser pessoa. Queria ser uma pessoa no uso da gratidão e da lucidez. Eu fiquei perplexo que poeta pudesse ser humanidade pura, e não uma eloquência brincando de ser maior que os outros”, conta o escritor português, autor de livros de sucesso como “a máquina de fazer espanhóis” e “O Filho de Mil Homens” adaptado para o cinema neste ano, tendo como protagonista Rodrigo Santoro.
Na opinião de Valter, “Adélia não abre mão de ser como quer”. “Isso, para mim, é sagrado. Podemos considerar tudo o que quisermos, mas no fim da linha a felicidade é nossa própria liberdade, com sua virtude e erro. Adélia é muito frontal. Não enrola. Ela declara e toda a sua dúvida é também declaração. Todos nos comovemos com ela porque não tem máscara. Ela é sem noção de máscara. Usa a poesia como se fosse prece, e em prece não adianta mentir. Por isso, ela não sabe mentir”, delineia o escritor, que elege “vulnerabilidade e franqueza” como as principais características da poética da mineira nascida em Divinópolis, que publicou o primeiro livro aos 40 anos, depois que uma crônica de Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil chamou a atenção para a qualidade de sua poesia a todo o país.
Amor
Em “Bagagem”, de 1976, Adélia colocou em livro os versos que encantaram Drummond e que hoje seguem como uma espécie de bússola para o ator Odilon Esteves: “Eu peço a Deus alegria pra beber vinho ou café, eu peço a Deus paciência pra pôr meu vestido novo e ficar na porta da livraria, oferecendo meu livro de versos, que pra uns é flor de trigo, pra outros nem comida é”. Odilon os considera “uma metáfora muito viva para quem vive de arte”. “Para uns o que fazemos é flor de trigo, para outros nem comida é”, parafraseia. Criador do projeto “Espalhemos Poesia”, o ator encerrou o último Festival Literário Internacional de Belo Horizonte (FLI-BH) com um sarau-celebração aos 90 anos de Adélia, de quem conheceu a poesia na adolescência, quando uma colega do curso de teatro leu em voz alta o poema “Ensinamento”.
“A mãe, no poema, não fala a palavra ‘amor’, mas realiza tarefas cotidianas em casa com um amor perceptível, embora sem dizer essa palavra. Na época, fiquei pensando muito nisso, em como a comunicação humana se dá também sem palavras, através de gestos e ações, por outros meios, por outras linguagens”, recorda Odilon. Assim como Valter Hugo Mãe, o que “bate forte” nele diante de um poema de Adélia é “a honestidade absoluta, somada a uma aparente simplicidade”. “Ela me parece se colocar, literariamente falando, sem fazer negociações para ser aceita no universo literário. É uma poesia que parece brotar de uma necessidade profunda diante da vida. Isso me encanta”, afirma Odilon, que destaca outros aspectos da construção da autora.
“Tenho uma amiga, muito religiosa, que é fascinada pela presença ‘quase Bíblica’, como ela costuma dizer, na poesia de Adélia. Uma outra se diz atravessada pela relação complexa entre o sagrado e o profano, pelo embate entre as coisas que inevitavelmente acontecem e a fé. Já outra gosta da mineiridade cotidiana na prosa, sobretudo nos contos”, enumera. Ao se colocar diante de um poema para declamação, Odilon toma como norte “o desejo de transpor para a oralidade” sua leitura subjetiva do texto. “Se não tenho uma conexão real com o texto, não há técnica de teatro que me salve. Só que, às vezes, é um processo lento. Você adentra a literatura de alguém como quando começa uma nova amizade. Dependendo de quem seja, é preciso tempo para conhecer a outra pessoa, para entender a gramática dela, os assuntos de predileção, seu olhar sobre a vida, sobre si, sobre o mundo”, aponta.
Retalhos
Apresentador e diretor do programa “Conversações”, exibido pela Rede Minas, Cláudio Henrique sublinha que “a poesia de Adélia se dá nas dobras, nos encobrimentos, nos desdobramentos da existência”. “O requinte da linguagem é justamente a capacidade de expressar algo complexo de um modo simples e poético, um quase brincar com as palavras, algo semelhante a uma colcha de retalhos que, separadamente, podem não combinar, assim como palavras soltas ao vento podem não fazer sentido. A beleza está no resultado da trama, da costura com afeto, medida com a régua da paixão pelo processo, de quem se entregou ao percurso da agulha e da linha”, metaforiza. Ele lembra que a obra de Adélia recebeu “um importante reconhecimento em vida”.
“Independentemente de premiações, sem desconsiderar a relevância de todas, a obra de Adélia alcançou um merecido destaque, como lugar de referência, dentro e fora das escolas, editoras e livrarias, no Brasil e no exterior e no próprio imaginário popular, por tudo que eu mencionei anteriormente e pela linguagem simples, atemporal, cirúrgica, com temáticas que vão do amor à dor, do sexo ao confessionário, sem perder o tom e a beleza”, exalta.
Em agosto, “O Jardim das Oliveiras” encerrou um hiato de doze anos sem publicações de Adélia, com uma centena de poemas inéditos. “O título é bastante emblemático das diversas questões que atravessam a obra de Adélia, a começar por nos remeter ao local de retiro e de muitas reflexões de Jesus Cristo, onde ele passou a noite anterior à traição do Judas e à crucificação. Falar em ‘Jardim das Oliveiras’ é pensar em redenção, finitude e infinitude, fé e provação, fidelidade e traição, passagem e permanência, onipresença e onisciência”, avalia Cláudio, para quem “a poesia de Adélia canta”. Odilon segue essa linha ao constatar que o livro “nos prepara para uma conversa muito profunda sobre vida e morte, alegrias e tristezas, sobre o fim inevitável da vida”. “E, ao mesmo tempo, não deixa de ser num jardim”, reflete.
Valter Hugo Mãe não conteve o espanto ao saber que a novidade “é um achado de poemas antigos que ficaram quietos numa gaveta”. “Parece um milagre que se tenham conservado, a despeito de todo o esquecimento. São poemas lindíssimos. Gosto muito quando diz: ‘Não se faz poesia só com palavras;/ poemas, sim, mas quem precisa deles?’. A poesia é um estado de espírito. Um estado do mundo”, sustenta o escritor, que, por fim, entra na campanha para que Adélia um dia venha a ser contemplada com o Prêmio Nobel de Literatura. “Tenho a impressão de que ela se colocou estritamente na essência, o que lhe permite ser universal sem qualquer atrito. Adélia é uma maturação da humanidade inteira. Não tem desperdício. Seria muito justo que o mundo inteiro urgisse em traduzi-la. Seria uma melhoria considerável que a humanidade descobrisse tudo o que ela ensina”, arremata.