Após dois anos em tramitação, o Parlamento Europeu aprovou, nesta quinta (30), uma nova legislação para combater a desigualdade de salários entre mulheres, homens e pessoas não binárias em todos os 27 membros da União Europeia. Considerado um passo histórico, o pacote impõe medidas de transparência a empresas dos setores privado e público, com previsão de aplicação de multas. Os países têm até três anos para adotar as regras.

Chamada de Diretiva de Transparência Salarial, a lei, de iniciativa da Comissão Europeia, braço executivo do bloco, exige que empresas com mais de cem funcionários divulguem relatórios periódicos sobre a disparidade salarial detalhada por gênero. Os países podem, por meio de leis nacionais, estender a regra a empresas menores.

Se diferenças salariais de ao menos 5% forem detectadas entre os gêneros dentro das mesmas categorias, sem justificativas objetivas, os empregadores precisarão realizar uma revisão junto com representantes dos funcionários. O texto foi aprovado em Bruxelas por 427 votos a favor, 79 contra e 76 abstenções.

"Com essa diretiva, garantimos o direito à informação aos cidadãos e, finalmente, teremos a legislação de que necessitamos para combater a discriminação salarial", afirmou a eurodeputada holandesa Samira Rafaela, uma das relatoras do projeto. "Com esse voto, abolimos o sigilo sobre pagamentos. Fortalecemos os direitos dos trabalhadores e pedimos aos empregadores que relatem e corrijam suas diferenças salariais", disse a dinamarquesa Kira Peter-Hansen, também relatora.

Segundo dados de 2021, os homens ganham, em média, 12,7% a mais do que as mulheres na UE. A maior disparidade é encontrada na Estônia, com 20,5%, e a menor, em Luxemburgo, onde as mulheres recebem um pouquinho a mais que os homens (0,2%). Diversos países, como França, Portugal e Espanha, já têm ações em vigor para combater disparidade de gênero, mas, a partir de agora, os 27 do bloco deverão aplicar e cumprir as mesmas normas.

Caberá a cada governo nacional, na fase de implementação da diretiva europeia, definir as sanções para as empresas que não respeitarem a legislação. O texto da UE não indica valores, mas prevê multas entre as medidas "eficazes, proporcionadas e dissuasivas". Se um funcionário se sentir prejudicado por discriminação salarial, poderá pedir indenização. Cada país deve estabelecer qual órgão nacional vai exercer o controle da aplicação da lei.

Outro tópico faz referências às disputas salariais travadas judicialmente. Se o funcionário alegar que o princípio da igualdade não foi respeitado, o ônus da prova caberá à empresa. Além dos relatórios periódicos das companhias, funcionários têm o direito de solicitar e receber informações sobre salários pagos dentro da sua própria categoria, de acordo com sexo. Os relatórios também deverão indicar a proporção de trabalhadores femininos e masculinos em cada faixa salarial.

No debate que precedeu a votação em Bruxelas, nesta manhã, o tom de celebração foi quebrado por eurodeputados que se opuseram à legislação, como a espanhola Margarita de la Pisa Carrión, do partido ultradireitista Vox, que classificou a diretiva uma "demagogia de esquerda" que vai resultar em um ambiente de trabalho negativo. "É uma diretiva-slogan que não pretende ajudar a mulher, mas sim introduzir ideologia de gênero em nossas leis."

A Comissão Europeia intensificou o combate à desigualdade salarial a partir de 2014, com recomendação de transparência dentro das empresas, considerada mais tarde insuficiente. Ao assumir o cargo, em dezembro de 2019, Ursula von der Leyen incluiu o tema entre suas prioridades e, dois anos mais tarde, apresentou a proposta de lei aprovada agora.

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, na celebração do Dia da Mulher, o projeto de lei 1.085/2023, que determina a publicação de relatórios de transparência salarial por empresas com 20 ou mais funcionários, com previsão de fiscalização e multa de dez vezes o maior salário da empresa. O texto está em tramitação no Congresso.

Medidas exigem transparência de empresas e controle de países 

Transparência
Empresas terão que fornecer, a pedido do funcionário, informações sobre níveis salariais dentro da sua categoria, com detalhes por gênero. Firmas com mais de 100 funcionários devem apresentar relatórios periódicos sobre desigualdade salarial.

Correção
Se o relatório mostrar uma disparidade salarial por gênero de 5%, empregadores deverão conduzir uma revisão juntamente com representantes dos funcionários.

Fiscalização
Cada país deve definir qual órgão vai apoiar a implementação e atuar no controle do cumprimento das regras.

Punição
Caberá aos países definir como serão as sanções para quem não cumpre a nova legislação, com penalidades "eficazes, proporcionadas e dissuasivas", como multas. A UE não indica valores, mas prevê esse tipo de sanção.

Reparação
Se um funcionário se considerar vítima de discriminação salarial por gênero, terá o direito de pedir uma indenização.

Nos tribunais
Se uma discriminação salarial por gênero for contestada pelo funcionário na Justiça, caberá à empresa comprovar o contrário.

Implementação
O texto aprovado será ratificado pelo Conselho Europeu e entrará em vigor 20 dias após a publicação no diário oficial da UE. Os países terão até três anos para aplicar as regras.

(Michele Oliveira/Folhapress)