Os números fazem parte do mais recente relatório da CICDR (Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial), órgão de prevenção e combate às práticas discriminatórias em Portugal. 
De acordo com o documento, no ano passado foram registradas 45 queixas de xenofobia tendo como alvo brasileiros. Em 2017, foram 18.
 
Segundo os dados mais recentes do SEF (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), o número de brasileiros legalmente vivendo em Portugal cresceu 5,1% em 2017, a primeira alta desde 2010, quando quase 120 mil brasileiros viviam no país. Já em 2016, eram 81.251, número que subiu para 85.426 no ano seguinte -os dados de 2018 ainda não foram divulgados. A suspeita, porém, é que o número seja ainda mais alto, já que as estatísticas oficiais não incluem os brasileiros em situação irregular ou os que têm dupla cidadania portuguesa ou de outro Estado da União Europeia.  
 
O resultado do relatório coloca a xenofobia contra brasileiros como a terceira principal causa de discriminação em Portugal, com 13% das notificações. Em primeiro lugar estão as manifestações preconceituosas contra ciganos, com 21,4% dos casos, seguidas pelos relatos de racismo, com 17,3%. Em Portugal, ao contrário do Brasil, o racismo não é crime, mas sim uma contra-ordenação, espécie de ocorrência menos grave e que prevê penas mais leves, como multa. 
Uma alteração na lei, em vigor desde setembro de 2017, aumentou o valor das multas e ampliou as possibilidades de punição, o que, segundo especialistas, ajuda a explicar o aumento das denúncias. 
 
Embora as queixas tenham aumentado, o próprio relatório deixa claro que ainda há uma subnotificação. Os casos de condenação judicial também são raros. "Não sinto que a xenofobia agora seja maior agora, os casos de discriminação sempre existiram. Talvez, com todo o movimento antirracista e maior engajamento nas redes sociais, esse comportamento tenha tido mais visibilidade. A comunidade brasileira também está mais empoderada", avalia a psicóloga Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, ONG que presta assistência aos imigrantes brasileiros. 
 
Vivendo em Portugal há três meses, o carioca Jhon Batalha diz ter sido vítima de racismo e xenofobia no ambiente de trabalho, um restaurante na cidade do Porto, no Norte do país. 
"Acontecia todos os dias. Me chamavam de tudo: brasileiro burro, macaco, cabrão. Era um inferno", conta. "Eu aguentei firme durante um tempo porque eu realmente estava precisando do documento [contrato de trabalho] e do dinheiro, porque eu tenho uma filha no Brasil", afirma.
Na última quinta (23), o brasileiro apresentou o caso à polícia portuguesa. "Quero ir até o fim com o processo, mas por enquanto não tenho dinheiro", diz. 
 
A reportagem entrou em contato com o restaurante em que Jhon Batalha trabalhava, mas não obteve resposta aos pedidos de entrevista. Imigrantes em situação irregular costumam ser as vítimas mais vulneráveis, especialmente no ambiente de trabalho, conta Cyntia de Paula. "Temos muitos casos em que os patrões dizem que o imigrante tem de trabalhar por mais horas, ou mesmo ter um salário menor, porque o trabalhador está em situação irregular. Por sua vez, as pessoas vítimas dessa exploração laboral têm muito medo de denunciar", completa.
 
Estar em dia com a imigração, no entanto, não significa estar livre de embaraços. Em Portugal há um ano, Danilo Amorim, que tem também a cidadania espanhola, relata ter sido desrespeitado e ofendido ao pedir um documento em uma junta de freguesia (espécie de subprefeitura) lisboeta. 
Arrogância e prepotência absurdas. Alguns serviços públicos tratam os estrangeiros como cavalos", diz.
 
Nas redes sociais, relatos de discriminação e assédio têm sido recorrentes também no ambiente acadêmico, onde os brasileiros são também maioria entre os estudantes internacionais. No fim de abril, estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa se revoltaram ao se depararem, na entrada da instituição, com uma caixa de pedras contendo uma placa explicativa: "grátis para atirar em um zuca [jeito normalmente pejorativo para designar brasileiro]". Embora os responsáveis pela instalação da caixa tenham afirmado que se tratava de uma sátira em relação à quantidade de brasileiros na faculdade, a universidade condenou a ação e abriu um processo disciplinar para investigar o caso.
 
Em 2014, uma alteração na lei facilitou o acesso de estrangeiros ao ensino superior português, permitindo até o uso das notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) como forma de ingresso nas universidades. Com isso, a quantidade de estudantes brasileiros nas universidades disparou. São mais de 12,2 mil alunos, entre cursos de graduação e pós. O público internacional é especialmente disputado, uma vez que a lei autoriza a cobrança de mensalidades mais altas aos cidadãos de fora da União Europeia. "Eu nunca me senti discriminada pelos colegas, mas cansei de ouvir comentários desagradáveis de professores. Um deles disse para todo mundo ouvir que brasileiro não sabe falar português, além de fazer piadinhas machistas durante a aula", diz a paulistana Carolina Duarte, que concluiu no ano passado um mestrado em Portugal.