GUERRA NO LESTE EUROPEU

O governo do presidente russo, Vladimir Putin, está avaliando propostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma eventual mediação do fim da guerra contra a Ucrânia, que completa um ano hoje. Em entrevista à agência de notícias estatal Tass, divulgada ontem, o vice-chanceler Mikhail Galuzin ressaltou que Moscou acompanha com interesse a postura de Lula que vem reiterando a necessidade de falar em pacificação ao mesmo tempo em que se nega a assumir um dos lados do conflito. Galuzin observou, porém, que tudo dependerá da evolução do conflito, assim como da situação global.

"Nós tomamos nota das declarações do presidente do Brasil em relação a uma possível mediação para encontrar caminhos políticos para prevenir uma escalada de violência na Ucrânia, corrigindo erros de cálculo no campo da segurança internacional nas bases do multilateralismo e considerando os interesses de todos", disse o vice-ministro das Relações Exteriores, segundo a Tass. "Estamos examinando as iniciativas, principalmente do ponto de vista da política equilibrada do Brasil e, é claro, levando em consideração a situação 'no terreno'", assinalou Galuzin.

Desde a posse, Lula vem adotando uma postura de neutralidade. O petista defende a formação de um grupo, com a participação de países não envolvidos no conflito, para atuar como mediador de uma saída pacífica para a guerra.

O presidente brasileiro se negou, por exemplo, a enviar armas e munição para a Ucrânia, sob entendimento de que isso seria interpretado como uma participação na guerra. Galuzin enalteceu ainda a forma com que o brasileiro tem lidado com a abordagem dos Estados Unidos para que se alinhe contra Putin, sem sucesso. "Podemos ver como Washington está pressionando o Brasil. Essa postura de soberania merece respeito", observou.

Galuzin também ressaltou a importância da visão do Brasil, que é parceiro estratégico de Moscou bilateral e globalmente. "Estamos interagindo de forma construtiva no Brics, G20, ONU e seu Conselho de Segurança", disse o vice-chanceler.

Repúdio

Apesar dessa neutralidade, o Brasil foi um dos 141 países a endossar, ontem, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), uma resolução exigindo a "imediata retirada" das tropas russas da Ucrânia. Foram sete votos contra — além da própria Rússia, Belarus, Coreia do Norte, Eritreia, Nicarágua, Mali e Síria se opuseram.

Houve ainda 32 abstenções, entre elas, da Índia e da China, que prepara uma "solução política" para o conflito, com chances de ser divulgada ainda hoje. Na quinta-feira, Putin recebeu o chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi, no Kremlin. Não foram divulgados publicamente detalhes do plano, em relação ao qual Kiev já manifestou interesse em conhecer.

"A Ucrânia vencerá!", proclamou seu presidente, Volodymyr Zelensky, antes do resultado da votação no Conselho de Segurança. "Nós não quebramos, nós superamos muitas provações e vamos triunfar. Vamos responsabilizar todos aqueles que trouxeram esse mal, esta guerra, para nossa terra", afirmou o líder ucraniano.

Na resolução, o fórum da ONU reiterou o "compromisso" com a "integridade territorial" da Ucrânia. "É uma maioria esmagadora da comunidade internacional e isso confirma o alto nível do apoio à Ucrânia como vítima da agressão russa", afirmou o alto representante de Política Externa da União Europeia, Josep Borrell, lamentando que a "Rússia tenha tentado durante toda a semana distrair e perturbar o trabalho das Nações Unidas com manobras". "Mas, novamente, falhou", assinalou.

"É muito mais do que somente o Ocidente", frisou, por sua vez, o chanceler ucraniano Dmytro Kuleba, lembrando que muitos países latino-americanos, africanos e asiáticos votaram a favor de Kiev. Desde a véspera, representantes de dezenas de países desfilaram na tribuna da ONU para apoiar a Ucrânia. Kuleba, em sua fala, exortou o mundo no dia anterior a escolher "entre o bem e o mal".

Fim das hostilidades
 
O texto, que não é vinculante, também pede a "cessação das hostilidades" e "enfatiza a necessidade de se alcançar uma paz geral, justa e duradoura na Ucrânia o mais rápido possível, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas".

"O elemento mais importante da resolução é o apelo à comunidade internacional para redobrar seus esforços diplomáticos para alcançar uma paz justa e duradoura na Ucrânia", opinou o embaixador Ronaldo Costa Filho, representante do Brasil na ONU, explicando seu voto a favor da resolução.

A resolução votada ontem foi a quarta aprovada pela Assembleia Geral desde a invasão russa da Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro do ano passado. As três anteriores receberam entre 140 e 143 votos a favor, com cinco países sistematicamente contra (Rússia, Belarus, Síria, Coreia do Norte e Eritreia) e menos de 40 abstenções.

Antes de iniciar a votação, a Assembleia rejeitou várias emendas apresentadas por Belarus, aliado de Moscou, que pediam "o início imediato das negociações de paz", e a remoção de referências a uma agressão russa de retirada das forças de Moscou. Também cobravam que os Estados-membros "se abstenham de enviar armas para a zona de conflito".

O embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzya, argumentou que o Ocidente está tentando "infligir uma derrota à Rússia", mesmo ao preço de "arrastar o mundo inteiro para o abismo da guerra". Hoje, o Conselho de Segurança marcará o aniversário da invasão com uma reunião ministerial na presença, entre outros, do chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken.