A imigração para o Reino  Unido pode ganhar novos contornos com a posse do primeiro-ministro Boris Johnson, oficializada ontem após encontro com a rainha Elizabeth II.

O político é defensor vocal do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). Para analistas brasileiros, o rompimento deve ter consequências na forma como o país recebe as pessoas de outras nações. 

“Ao indicar um primeiro-ministro mais avesso à imigração de forma geral, a mudança de brasileiros para o Reino Unido é afetada, mesmo que indiretamente, como tem sido a imigração para os EUA”, diz Amâncio Jorge Silva, professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

Na perspectiva de Silva, os brasileiros não serão foco de políticas contrárias à imigração porque, em geral, procuram o Reino Unido para trabalho, estudo e pesquisa, e não são associados a terrorismo, por exemplo. Segundo o Itamaraty, em 2018 havia cerca de 140 mil brasileiros vivendo no Reino Unido.

Thaiza Rocha, 30, é uma delas. Ela vive em Londres desde 2015, onde é casada com um britânico e trabalha auxiliando realocação de profissionais do mundo corporativo. Ela acredita que, mesmo antes da ascensão de Johnson, a imigração vinha se tornando mais difícil.

“Pelo que ouvi falar, ele é bem orgulhoso de ser britânico e não gosta de quem não é daqui”, diz. O marido de Rocha votou a favor do Brexit no referendo de 2016, mas é contra as posições de Theresa May e de Johnson. 

Durante a campanha para primeiro-ministro, Johnson disse que pretende estudar um “sistema de pontos australiano” para imigração, segundo o qual cidadãos seriam pontuados por aspectos como fluência no idioma, habilidades profissionais e acordo de trabalho com empresa britânicas.

Na Austrália, os candidatos à imigração qualificada (com maior grau de instrução) recebem uma pontuação, mas ainda não se sabe quais aspectos do sistema vão ser adotados por Johnson.

O discurso do político tem sido o de abertura para imigração de pessoas com alta qualificação, como cientistas, e endurecimento de regras para as demais – que, diz ele, “abusam” da hospitalidade britânica.

Acordo econômico

Antônio Celso Pereira, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional e professor de política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a posse de Johnson não vai interferir no recente acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Para ele, o Brexit pode desencadear e fortalecer acordos bilaterais com o Reino Unido. “Pode ser até mais ágil do que com a União Europeia”, diz.
Pereira reforça que o cenário é incerto, sem a definição dos termos do Brexit. “Se eu fosse inglês, estaria tão preocupado com a situação do Reino Unido quanto nós, brasileiros, estamos com a do nosso país”, compara

Direita

“Johnson reitera a linha trumpista e bolsonarista da direita conservadora, crítica à globalização”, diz Silva.

Alerta da Eurocâmara

O grupo de trabalho sobre o Brexit da Eurocâmara já alertou ontem o novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, sobre as consequências “prejudiciais” de uma retirada do Reino Unido da União Europeia (UE) sem acordo. 

“Declarações recentes, especialmente as feitas durante a campanha pela liderança do Partido Conservador, aumentaram muito o risco de uma saída desordenada do Reino Unido”, disse o grupo em comunicado. 

Para os eurodeputados, que falaram com o negociador europeu Michel Barnier, “uma saída sem acordo seria muito prejudicial do ponto de vista econômico, mesmo que esses danos não tenham sido igualmente infligidos por ambos os lados”. 

A data do Brexit foi adiada para 31 de outubro, depois que a antecessora de Johnson, Theresa May, fracassou na tentativa de o Parlamento Britânico aprovar o acordo de divórcio fechado em novembro com a UE.

Johnson salientou durante a campanha para a sucessão de May sua intenção de renegociar o acordo, algo que a UE rejeita, e até mesmo retirar seu país do bloco sem um pacto, cenário temido pelos ambientes econômicos. 

Os europeus reiteraram nos últimos dias sua vontade de renegociar a declaração política que acompanha o Tratado de Retirada e que estabelece as bases para a futura relação de ambos os lados do Canal da Mancha. 

To primeiro discurso

- “Nós vamos sair da União Europeia no dia 31 de outubro”.
- “Vamos criar uma nova parceria com nossos amigos europeus – tão calorosa, próxima e carinhosa quanto possível”.
- “Para quem profetiza um desastre, eu digo que sim, vai haver dificuldades, mas acredito que, com a nossa energia, elas vão ser menos sérias do que algumas pessoas têm dito”. (Com AFP)