O papa Francisco inicia a partir de domingo (2) uma visita de três dias aos Emirados Árabes Unidos, país com o qual deseja enviar uma mensagem de aproximação com o Islã e em favor do diálogo inter-religioso.
Torna-se, assim, o primeiro pontífice a visitar a Península Arábica.
"Estou feliz de escrever em vossa querida terra uma nova página nas relações entre as religiões, confirmando que somos irmãos, apesar de diferentes", afirmou o pontífice em uma mensagem em vídeo à população dos Emirados.
No vídeo em italiano, divulgado com uma dublagem em árabe, o papa agradece ao príncipe herdeiro Mohamed bin Zayed Al-Nahyan pelo convite para participar de um encontro inter-religioso sobre o tema "fraternidade humana".
Francisco recordou que vai reencontrar um "amigo e irmão querido", o grande imã sunita de Al-Azhar, xeque Ahmed Al-Tayeb, a quem visitou no Egito em 2017.
O papa destacou que a organização do encontro reflete "a coragem e a vontade de afirmar que a fé em Deus une e não divide, aproxima apesar das diferenças, afasta da hostilidade e da aversão".
O sumo pontífice também afirmou que o país que vai visitar é "uma terra que tenta ser um modelo de convivência, de fraternidade humana e de encontro através de diversas civilizações e culturas, onde muitos encontram um lugar seguro para trabalhar e viver livremente no respeito da diversidade".
"Fico feliz de conhecer um povo que vive o presente com o olhar voltado para o futuro", disse.
Ao contrário da vizinha Arábia Saudita, que permite a prática apenas do Islã, o governo dos Emirados Árabes Unidos quer projetar a imagem de um país tolerante. Com 90% de estrangeiros, sua população tem muitos cristãos, sobretudo, entre os trabalhadores indianos e filipinos.
História complicada

No curso da complicada história entre os líderes da Igreja Católica e o mundo muçulmano, o pontífice argentino se distingue por sua linguagem fraterna e atenta, ingredientes da "cultura do encontro" que ele defende.
"O papa Francisco é diferente de seu predecessor, Bento XVI, porque ele favorece mais o encontro interpessoal do que as sutilezas teológicas, embora sejam muito importantes", afirma o padre Valentino Cottini, professor de relações entre cristãos e muçulmanos do Instituto Pontifício de Estudos Árabes e Islamologia de Roma.
O papa emérito Bento XVI, um brilhante teólogo, foi o pontífice que mais falou do Islã por meio de 188 intervenções em oito anos de pontificado.
Seu desejo de "dialogar com a verdade" levou, porém, a uma década de relações frias entre muçulmanos e católicos, depois que ele fez um famoso discurso em 2006, na universidade alemã em Regensburg. Nele, Bento XVI ligou o Islã à violência, após citar uma frase de um imperador bizantino do século XIV.
Em seu controverso discurso, condenou a Guerra Santa nas entrelinhas e também fez uma distinção entre cristianismo e islamismo e sua relação entre razão e fé.

Mais diálogo, menos teoria
Já o papa Francisco optou por evitar análises teológicas relacionadas ao Alcorão, enquanto seus incessantes pedidos pelos refugiados, muitos deles muçulmanos, foram apreciados por essa comunidade, assim como o gesto de recolher no avião papal três famílias dessa religião que se refugiaram na ilha grega de Lesbos.
A visita, em 2017, do líder espiritual do 1,3 bilhão de católicos ao Egito também fortaleceu as relações com o imã sunita de Al-Azhar, xeque Ahmed al-Tayeb, professor de filosofia islâmica que critica os jihadistas inspirados no rigoroso salafismo.
"O diálogo, ou a guerra. Estamos condenados ao diálogo", repetia ele ao cardeal francês Jean-Louis Tauran, que presidiu, até sua morte em julho passado, o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso.
Em conversas com o sociólogo francês Dominique Wolton, Francisco disse que "o diálogo está indo bem", embora tenha sinalizado que gostaria que os muçulmanos progredissem na interpretação do Alcorão.
"Acho que seria bom para eles fazer um estudo crítico do Alcorão, como fizemos com nossas Escrituras, algo que os fará evoluir", afirmou.
Vários fundamentalismos

Francisco evita usar a palavra "islamita" quando condena um ataque realizado em nome do Islã e prefere falar em "terrorismo".
No final de 2014, no avião que o levava da Turquia para Roma, o papa pediu ao mundo muçulmano (líderes políticos, religiosos e acadêmicos) que condenasse inequivocamente o terrorismo, uma fonte de ódio ao Islã.
Ele também se referiu aos fundamentalistas cristãos, judeus e muçulmanos, que descreveu como "desvios".
Em 2016, o pontífice se recusou a "associar o islamismo à violência", ao comentar o assassinato na França do idoso padre Jacques Hamel por dois jihadistas.
"Eu não falo sobre violência islâmica, ou violência católica. Os islamitas não são violentos, nem os católicos", disse o papa a repórteres na Polônia.
Para Francisco, em todas as religiões, existe um pequeno grupo fundamentalista, mesmo entre os católicos.
O comentário rendeu a ele críticas de especialistas no Islã e de organizações que defendem os cristãos no Oriente Médio, que descreveu sua comparação como "muito relativista" e até "ingênua".
O padre Samir Khalil Samir, estudioso egípcio especializado em estudos cristão-islâmicos, um dos mais ouvidos por Bento XVI, opõe-se a confundir fundamentalismos, recordando que "os fundamentalistas cristãos não têm armas".