Dom Vilson Dias de Oliveira, de 60, há 12 anos bispo da diocese de Limeira, no estado de São Paulo, entregou o cargo, de acordo com um comunicado feito pelo Vaticano. A Santa Sé nunca explica as razões pelas quais bispos deixam sua posição.
O bispo é alvo de três investigações na Justiça brasileira por supostamente acobertar casos de abuso sexual, assim como por denúncias de extorsão e de enriquecimento ilícito, informa o portal de notícias G1.
Os investigadores tentam descobrir se ele omitiu os episódios de abuso sexual cometidos pelo padre Pedro Leandro Ricardo, de Americana, também em São Paulo. O religioso foi suspenso de suas funções.Um pároco afirmou que o bispo pediu uma doação de R$ 50 mil, dando a entender que este valor lhe permitiria comprar um apartamento.
Ainda segundo o G1, o bispo entregou aos investigadores documentos que confirmam que, nos últimos quatro anos, ele comprou dois imóveis no litoral de São Paulo, com valores acima de R$ 1 milhão.
Dom Vilson garantiu que esses recursos eram parte de seu patrimônio de família e de sua renda como bispo. No mês passado, confessou à polícia ter recebido uma "doação" da paróquia para resolver problemas financeiros pessoais.
Em sua carta de renúncia publicada no site da diocese, dom Vilson Dias de Oliveira se refere apenas a "ataques à nossa Igreja Particular de Limeira, a mim e a vários presbíteros". Ele afirma ainda que deixa o cargo "pelo bem dessa Diocese para que os trabalhos pastorais possam continuar crescendo".
Conforme a Santa Sé, ele será substituído, de forma interina, pelo arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes.
"É uma medida sanitária, urgente do papa. A diocese está em frangalhos", disse à AFP o professor de Teologia Fernando Altemeyer Júnior, do departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Segundo ele, dom Orlando "vai fazer um papel de trânsito, para pôr algo na ferida".
"Esperemos que coloque um bispo à altura das comunidades lá (...) que seja popular e honesto", completou.
- Um certo fatalismo -
Enfrentando uma série de escândalos de abuso sexual que mancharam a imagem da Igreja católica, o papa Francisco organizou, em fevereiro passado, uma cúpula mundial de bispos. Na ocasião, prometeu adotar ações concretas em relação ao tema.
Na última semana, Francisco modificou a lei canônica para tornar obrigatório, por parte dos padres e de qualquer outro membro da Igreja, reportar qualquer suspeita de abuso, ou assédio, sexual.
A "motu proprio", normativa determinada diretamente pelo papa, também obriga que se informe qualquer tentativa de autoridades eclesiásticas de acobertarem atos dessa natureza que tenham sido cometidos por um subordinado.
Determina-se ainda que todas as dioceses do mundo adotem, no prazo de até um ano, um sistema que possibilite ao público relatar casos de agressões.
O anúncio da renúncia do bispo foi recebida com certa resignação por fiéis ouvidos pela AFP na Catedral de São Paulo.
"Essas coisas acontecem em qualquer instituição, não? No governo, nas associações...", afirmou Clairton Cunha, de 52 anos. "Somos seres humanos, expostos a essas situações", alegou.
"Não é só ele (o problema). É o Vaticano. Quantos problemas graves tiveram no Vaticano?", questiona Odila Lisboa, de 84. "Porque são seres humanos, são homens. É preciso rezar muito por eles".
Não é a primeira vez que a Igreja católica é abalada por escândalos de abuso sexual no Brasil.
O de maior repercussão foi a renúncia do arcebispo emérito da Paraíba em 2016 por "falta grave", após uma investigação do Vaticano sobre episódios de pedofilia.
Dom Aldo Di Cillo Pagotto era suspeito de ter acolhido em sua diocese padres e seminaristas acusados de agressões sexuais de menores e de ter tido uma relação com um rapaz.
Para Anne Barrett Doyle, da ONG americana Bishop Accountability, "os bispos brasileiros não falam de casos de pedofilia há anos, o que revela seu interesse de relativizar, ou seja, negar a crise".
Durante um seminário organizado em Roma pelo Vaticano, um especialista brasileiro disse que as autoridades da Igreja no país "não sabem" como agir contra a pedofilia, que é "além disso tolerada culturalmente".
O Brasil viu a proporção de católicos cair de 73%, em 2000, para 64%, em 2010. Um percentual que provavelmente recuou ainda mais em função do forte avanço das igrejas evangélicas protestantes.