Conflito


Pelo menos 6.400 civis foram executados por militares na Colômbia e apresentados como mortos em combate, revelou nesta quinta-feira (18) o tribunal que investiga os crimes mais atrozes do conflito interno.

O número quase triplica o número de vítimas conhecidas até agora e dá uma nova dimensão a este "fenômeno macrocriminoso", como foi denominado pela Jurisdição Especial para a Paz (JEP) em seu relatório.

O tribunal investigou o escândalo que envolve forças do Estado e descobriu que "pelo menos 6.402 colombianas e colombianos foram vítimas de mortes ilegitimamente apresentadas como baixas em combate entre 2002 e 2008".

Conhecida no jargão militar como "falsos positivos", essa prática sinistra arrastou os militares para o seu maior escândalo em quase seis décadas de conflito com as guerrilhas de esquerda.

Embora o alto comando militar sempre tenha negado que fosse uma prática sistemática, soldados e oficiais declararam perante o tribunal de paz que haviam cometido "falsos positivos" para aumentar seus resultados operacionais sob pressão de seus superiores. 

Os militares orquestraram uma espécie de 'body count', premiada contagem de corpos para mostrar os resultados da guerra contra as guerrilhas e gangues paramilitares do narcotráfico.

Até o ano passado, o Ministério Público havia reconhecido apenas 2.249 execuções de civis realizadas nesta modalidade entre 1988 e 2014, das quais 59% ocorreram entre 2006 e 2008, durante a gestão do ex-presidente Álvaro Uribe (2002-10).

- Confissões -

O general Mario Montoya, comandante do exército na época, aceitou a autoridade do JEP e hoje é o militar de mais alta patente que responde aos magistrados.

Apesar dos depoimentos que o incriminam, o policial aposentado nega que tenha instigado crimes contra civis.

“São 2.140 militares vinculados às investigações de execuções extrajudiciais, o que equivale a 0,9% do total de homens que operaram no exército no período mencionado, (...) o que mostra que em nenhum momento houve uma orientação ao exército para atos tão atrozes", disse seu advogado Andrés Garzón em uma entrevista à AFP em 2020.

A JEP trata das mais graves violações dos direitos humanos cometidas por guerrilheiros, paramilitares e soldados durante o seu confronto.

Quem confessar sua responsabilidade e reparar as vítimas pode receber uma pena alternativa, mas se não o fizer estará sujeito a penas de até 20 anos de prisão.

O tribunal de paz ainda não emitiu sua primeira condenação desde que entrou em operação em 2018.

- Brigada de morte -

De acordo com a JEP, a maioria dos crimes ocorreu no departamento de Antioquia (noroeste), onde o Exército e os paramilitares de extrema direita combateram ferozmente os rebeldes de esquerda.

"A IV Brigada, com jurisdição na área, pode ser responsável por 73% das mortes identificadas no departamento entre 2000 e 2013", disse o tribunal.

Alguns dos restos mortais das vítimas estão localizados no cemitério de Dabeiba, em Antioquia, graças aos depoimentos de integrantes da força pública que, em sua maioria, “não foram investigados pela justiça ordinária”, segundo a JEP.

Além de Antioquia, as regiões da Costa do Caribe, Norte de Santander (nordeste), Huila (centro), Casanare (leste) e Meta (sul), foram priorizadas na investigação.

Para a advogada de dois militares que confessam na JEP, Tania Parra, a reportagem desta quinta-feira revela que houve “cumplicidade” das autoridades para “ocultar” estes fatos.

Sempre foi aberta uma investigação para "os mortos", mas "ou não há resultados ou (...) absolvem" os responsáveis, disse à AFP.

Pelo menos vinte dos 219 soldados sob jurisdição especial estão protegidos contra as ameaças que receberam por suas declarações.