O presidente Emmanuel Macron anunciou nesta semana a composição de seu novo governo, numa guinada à direita que surpreendeu grande parte do eleitorado. A decisão ocorre quase três meses após as eleições antecipadas, nas quais a aliança de esquerda obteve a maioria das cadeiras no parlamento. Mesmo com esse resultado, Macron formou um gabinete que inclui figuras da direita conservadora e até representantes da direita radical, deixando em segundo plano a vontade popular expressa nas urnas.

O novo governo será liderado pelo veterano conservador Michel Barnier, ex-negociador-chefe da União Europeia para o Brexit. A escolha de Barnier, juntamente com a nomeação de dez políticos do partido Republicanos, é vista como uma manobra de Macron para garantir estabilidade em um parlamento profundamente fragmentado, segundo aponta reportagem da BBC. "Precisamos de um governo capaz de agir com firmeza e determinação em um cenário político desafiador", afirmou Barnier, ao ser questionado sobre a composição do gabinete.

Um dos nomes mais polêmicos é o de Bruno Retailleau, membro influente dos Republicanos, que assumiu o Ministério do Interior, responsável por temas sensíveis como a imigração. Além de Retailleau, outros políticos da direita conservadora ganharam posições estratégicas no novo governo, enquanto Sébastien Lecornu, aliado próximo de Macron, permaneceu à frente do Ministério da Defesa, e Jean-Noël Barrot foi promovido a ministro das Relações Exteriores.

Apenas um político de esquerda foi incluído no gabinete: Didier Migaud, que assumiu o Ministério da Justiça, embora sua nomeação seja considerada simbólica diante do predomínio da direita na nova formação. A pasta das Finanças ficou com Antoine Armand, membro do partido de Macron, Renaissance, que enfrenta a difícil tarefa de formular o orçamento nacional em meio à crescente pressão da União Europeia devido ao aumento do déficit público francês, previsto para ultrapassar os 6% do PIB em 2025, violando o limite de 3% estabelecido pelo bloco.

Com o cenário econômico delicado e sob ameaça de sanções europeias, Macron se vê pressionado a justificar sua escolha por um governo que desconsidera a vontade popular. As eleições de julho deram à aliança de esquerda, a Frente Popular Nova (NFP), o maior número de cadeiras no parlamento, mas a composição do novo gabinete reflete uma clara preferência por alianças conservadoras. Isso gerou fortes críticas da oposição e de setores da sociedade civil.

Ataque à democracia

Jean-Luc Mélenchon, líder da extrema-esquerda e uma das principais figuras da NFP, foi um dos que reagiram com mais veemência. "Este governo é um ataque à democracia. Macron ignora o resultado das urnas e governa com a direita radical. Isso é inaceitável", declarou Mélenchon. A Frente Popular Nova já anunciou que irá propor uma moção de desconfiança contra o novo governo.

No último fim de semana, antes do anúncio oficial, milhares de manifestantes se reuniram em Paris em protesto contra o que chamam de "golpe democrático" promovido por Macron. Os manifestantes alegam que o presidente ignorou o desejo dos eleitores e montou um governo que não reflete o resultado das urnas. "Macron está governando para uma minoria conservadora, e isso é uma afronta ao nosso sistema democrático", afirmou um dos organizadores do protesto.

Mesmo com essa aliança entre centristas e conservadores, o governo de Macron enfrentará grandes dificuldades para aprovar legislação. Para conseguir maioria no parlamento, ele dependerá do apoio de outros partidos, incluindo o Rassemblement National, de Marine Le Pen, um partido de extrema direita. Essa dependência agrava ainda mais a tensão política no país e lança incertezas sobre a estabilidade do governo no futuro próximo.