PRESIDENTE


Depois de perder a batalha nas urnas para o democrata Joe Biden, o ex-presidente Donald Trump começa a travar uma guerra que pode lhe custar os direitos políticos. A partir de hoje, o Senado dos Estados Unidos será transformado em uma espécie de tribunal, que julgará o magnata republicano pelo crime de “incitamento à insurreição”. Ele é acusado de estimular os simpatizantes a invadirem ao Capitólio, em 6 de janeiro último, ao recomendar-lhes que lutassem “como o inferno”. O ataque ao Legislativo, sem precedentes na história norte-americana, deixou cinco mortos. A condenação de Trump exigiria os votos de dois terços dos 100 senadores.

Na prática, 17 senadores republicanos teriam que votar ao lado dos 50 democratas — cenário considerado improvável por analistas. Os democratas esperam um processo relativamente rápido, ante a urgência da aprovação do plano de estímulo econômico de US$ 1,9 trilhão (R$ 10,1 trilhões) proposto por Biden e a confirmação de nomes do gabinete democrata. No entanto, a previsão é de que o julgamento se prolongue pelo menos até a próxima semana. Ontem, ao ser questionado se Trump deveria perder os direitos políticos, Biden desconversou: “Olhe, ele recebeu um convite para ir testemunhar, e decidiu não fazê-lo”. “Deixemos o Senado resolver isso.”

A partir do meio-dia de amanhã (14h em Brasília), os nove promotores democratas e os advogados de defesa de Trump terão 16 horas, cada, para apresentar seus argumentos. Depois, os membros do “tribunal” decidirão sobre a convocação de testemunhas. Tecnicamente, o julgamento começará hoje, com quatro horas de debates sobre a constitucionalidade e a apresentação das regras. Na exposição final ante os senadores, os promotores consideraram “esmagadora” a evidência da culpa de Trump. “Ele não tem desculpa ou defesa válida para suas ações. (…) Seu incitamento à insurreição contra o governo dos Estados Unidos (…) é o mais grave crime constitucional já cometido por um presidente”, afirmam.


"Teatro"


Em um dossiê de 78 páginas, os advogados de Trump, por sua vez, alegam ser “simplesmente absurdo” responsabilizá-lo pela invasão ao Capitólio e denunciam um “teatro político”. “Estão pedindo ao Senado que faça algo patentemente ridículo: julgar um cidadão comum em um processo que visa removê-lo de um cargo que não mais ocupa”, escreveram. “A ata de acusação apresentada pela Câmara é inconstitucional por uma série de razões, e bastaria uma única para declará-la imediatamente nula.” Os promotores reagiram e classficaram de “totalmente sem mérito” as afirmações da defesa. Segundo Chuck Schumer, líder da maioria democrata no Senado, “todas as partes concordaram com uma estrutura que garantirá um julgamento de impeachment justo e honesto do ex-presidente”.


Brian Kalt, professor de direito da Universidade Estadual de Michigan, explicou ao Correio que, hoje, os gerentes de impeachment da Câmara dos Representantes apresentarão o caso sobre a questão jurisdicional. “Deputados que atuam em função similar à dos promotores, eles alegarão que o julgamento de Trump poderá continuar, mesmo ante o fato de o republicano estar fora do cargo. Também argumentarão que o Senado possui jurisdição para julgar Trump. Creio que os gerentes do impeachment terão a maioria a favor da jurisdição, o que permitirá que o julgamento prossiga pelo resto da semana”, disse o especialista em impeachment.


Advogado de Trump durante o primeiro processo de impeachment, entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, Alan Dershowitz admitiu ao Correio que o ex-presidente errou o tom do discurso de 6 de janeiro passado, antes da invasão ao Capitólio. “No entanto, Trump estava protegido pela Primeira Emenda. Ele não incitou a violência, mas apelou às pessoas que protestassem pacífica e patrioticamente. A maioria dos simpatizantes que escutou o discurso não se dirigiu ao Congresso. Aliás, muito poucas invadiram o prédio e causaram danos ou atos de violência”, afirmou.