O partido Vox usa as redes sociais para causar indignação e amplificar o alcance de suas mensagens
A irrupção do partido Vox no cenário político espanhol virou de ponta-cabeça a campanha eleitoral de 28 de abril e a tática de comunicação de muitos partidos. Parte de seu impacto se deve à sua estratégia de comunicação nas redes sociais, que busca chamar a atenção e causar indignação para amplificar sua mensagem.
Sua estratégia foi comparada por analistas aos tuítes de Donald Trump nos Estados Unidos. De fato, Rafael Bardají, membro da executiva do Vox, relatava ao EL PAÍS, antes das eleições andaluzas de dezembro passado, sua reunião com Steve Bannon, chefe de campanha do presidente dos Estados Unidos: “Ele nos ofereceu seu aparato tecnológico para nos movimentarmos nas redes sociais com as mensagens adequadas, testar ideias e fazer uma campanha eleitoral ao estilo americano”. (Entramos em contato com o Vox para elaborar este artigo, mas o partido optou por não responder.)
“Trump usa as redes sociais para controlar o ciclo da informação”, dizia no Twitter George Lakoff, professor de Linguística na Universidade da Califórnia em Berkeley e autor de Don’t Think of an Elephant (“não pense em um elefante”). Neste livro, ele analisa como a linguagem política ativa quadros mentais que evocam valores concretos.
Em janeiro do ano passado, Lakoff detalhou as quatro estratégias de Trump no Twitter: o enquadramento preventivo (ser o primeiro a enquadrar uma ideia), a distração (desviar a atenção dos assuntos reais), mudar de assunto (atacar o mensageiro) e o balão de ensaio (testar a reação pública).
Para Cristina Monge, cientista política da Universidade de Zaragoza, a estratégia do Vox nas redes é similar à de Trump, sobretudo desde a campanha eleitoral andaluza: “Todos reagimos à barbaridade do dia do Vox, seja sobre os imigrantes ou sobre a Reconquista”, do mesmo modo que nos Estados Unidos se responde ao tuíte que Trump publica cada manhã. Há mais paralelismos nos quatro pontos que Lakoff destacava?
O enquadramento preventivo e as bolhas reforçadas
Segundo Lakoff, Trump frequentemente quer ditar os termos do debate, antes mesmo de este existir. Cita como exemplo um tuíte em que o presidente dizia que os democratas tinham perdido as eleições por ampla margem, o que não é verdade.
Mas, como recorda o analista político Antoni Gutiérrez-Rubi, “mesmo quando você nega a acusação ou a provocação, o que faz é alimentar esse enfoque”. Ou seja, acaba-se falando do que Trump quer (ou Vox, ou o político da vez), e nos termos que ele considera adequados.
Outro exemplo dessas tentativas de enquadrar o debate ocorre quando o Vox ataca o feminismo e o apresenta como supremacista. Numa linha similar, também fala da “ditadura progressista”. Negar esses desafios só leva a reforçar o enfoque pelo qual são apresentados, observa o analista.
“O objetivo do Vox não é ganhar o debate, e sim determiná-lo”, recorda Edgar Rovira, cientista político especializado em comunicação pública. E acrescenta que o Vox se beneficia do fato de as redes sociais premiarem as interações com visibilidade, mesmo que estas sejam negativas. As reações iradas fazem que sua mensagem se espalhe ainda mais.
“Uma parte do sucesso do Vox não é só mérito dele, e sim consequência dos erros de seus adversários”, afirma Gutiérrez-Rubi. “O Vox estimula a reação dos outros, para depois se apresentar como vítima dessa resposta.” Estas mensagens ajudam a criar o que esse analista descreve como “bolhas reforçadas”, em referência ao termo bolhas-filtro, cunhado por Eli Pariser, que se refere ao fato de estarmos expostos nas redes sociais sobretudo a mensagens com as quais estamos de acordo.
Não é só o conteúdo dos tuítes que influencia, mas também que tanto o Vox como seus líderes sigam e reproduzam tuiteiros anônimos, prática nada habitual no resto dos partidos. Isso provoca um “sentimento de pertencimento”, observa Gutiérrez-Rubi, e leva a que as bolhas funcionem quase como um enorme grupo do WhatsApp.
A distração como arma para chamar a atenção
Lakoff cita um exemplo de como Trump usa a distração: um tuíte publicado em plena investigação sobre as interferências russas nas eleições norte-americanas se centrava no discurso de Meryl Streep no Globo de Ouro de 2017. O debate e muitas manchetes deixaram de ser sobre a investigação para se centrar nesta resposta de Trump, que chamou a atriz de “supervalorizada”.
O Vox fez algo parecido, guardadas as distâncias, com um tuíte sobre a conquista de Granada. Durante horas não se falou de suas propostas nem da campanha eleitoral andaluza, e sim de um fato histórico do século XV e se fazia sentido continuar usando termos como “Reconquista” e “invasor muçulmano”.
“A maior alavanca do Vox atualmente é que todos estamos prestando atenção a ele, e eles sabem que são uma notícia que gera audiência. E quanto mais absurdo for o que disserem, mais prestaremos atenção”, explica o sociólogo Jorge Galindo.
Um descontentamento canalizado contra outros
O Vox e Trump usam a estratégia de atacar ao mensageiro quando qualificam de fake news qualquer informação negativa para eles. O Vox fala, por exemplo, dos “meios progres”, termo comparável à liberal media que Trump cita frequentemente.
Monge concorda, apontando que o caráter provocador do Vox “reúne o descontentamento de muita gente contra o establishment”, uma espécie de elite difusa em que estariam “mídia, empresas, ONGs e partidos políticos”, entre outros atores sociais que muitos veem com receio.
Balões de ensaio: propostas ou provocações?
Lakoff recorda um tuíte em que Trump cogitava a possibilidade de aumentar a capacidade nuclear dos Estados Unidos. Tratava-se, na opinião do linguista, de um balão de ensaio: lançar uma ideia descabida para ver se há uma reação favorável.
Na opinião de Jorge Galindo, o Vox recorre constantemente a essa técnica. “Viu-se por exemplo nas eleições andaluzas com a questão da lei da violência de gênero, com o que estabeleceram um enquadramento que eles consideram vantajoso”.
Monge e Rovira observam que o Vox lança esses balões de ensaio também com outros temas que o partido veja que chamam a atenção, como a unidade da Espanha e a imigração.
A função principal de suas propostas é “ver como os partidos e a mídia reagem”, num comportamento que Galindo compara ao dos clássicos trolls da Internet.
Atenção demais?
Monge entende a atenção dispensada a essa formação é excessiva se levarmos em conta as pesquisas e inclusive os resultados obtidos até agora, mas não tanto se avaliamos “o impacto sobre o resto dos partidos”. De fato, a estratégia de comunicação do líder conservador Pablo Casado e do seu PP também está seguindo um modelo similar, um movimento que Galindo adverte que é perigoso: “Estão dando o enfoque de presente para eles”.
Tudo isto vem reforçado pelo uso cada vez maior das redes na comunicação de todos os partidos. Galindo recorda que as redes reforçam as câmaras de eco, o peso das emoções e as posições extremadas e identitárias, nas quais os adversários políticos são “abomináveis”. Não é algo que aconteça só na Espanha e Estados Unidos: também ocorreu no Brasil, onde Jair Bolsonaro ganhou as eleições com muita comunicação nas redes e no WhatsApp, meio pelo qual, além do mais, foram difundidos muitíssimos boatos infundados.
Iremos nos acostumar a estas provocações constantes? Para Galindo, se o Vox não for necessário para a formação de um Governo de direita, ou se o bloco de esquerda ganhar, sua capacidade de chamar a atenção ficará diminuída. Por outro lado, Gutiérrez-Rubi opina que a entrada em cena no Congresso poderá favorecer o partido na hora de tentar condicionar a agenda pública. Rovira também tem dúvidas quanto à evolução da agremiação: “Por sentido comum, deveríamos pensar que quando entrar nas instituições irá moderar seu discurso, porque é o que costuma acontecer. Mas, por exemplo, com Trump, Orban e Salvini não foi assim.”
NÃO ALIMENTE OS TROLLS
A comparação do Vox com os trolls da Internet, feita pelo sociólogo Jorge Galindo, não é acidental: se, como dizem os especialistas, seu principal objetivo é chamar a atenção, o que deveria fazer alguém que queira se opor à sua mensagem?
O especialista em comunicação política Edgar Rovira diz que “entrar no debate com os termos propostos pelo Vox é um erro”. O que não está tão claro é se a melhor resposta é ignorar o debate ou, como sugere George Lakoff, criar um novo marco, introduzindo conceitos diferentes.
Tanto Rovira como o analista Antoni Gutiérrez-Rubi citam como exemplo uma campanha na imprensa norte-americana depois das acusações de Trump. Eles se uniram no começo de 2017 com o slogan “não somos o inimigo”. Em um artigo, Lakoff lamentava que não tenha ocorrido um debate em tom positivo, como “proteja a verdade”, para não reativar o enfoque mental da mídia como “inimiga”: “Não repita as acusações!", escrevia o linguista. "Em vez disso, use suas próprias palavras e valores para dar um novo enfoque à conversa.”