BAURU, SP (FOLHAPRESS) - Os planos de retorno a algo parecido com a normalidade pré-pandemia nos Estados Unidos foram alterados. Nesta terça-feira (27), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) recomendou que os americanos vacinados contra a Covid-19 voltem a usar máscaras de proteção em ambientes fechados em regiões de alto risco de contaminação.
 
A orientação foi dada pela diretora do CDC, Rochelle Walensky, que anunciou que em áreas de alto risco, mesmo pessoas completamente imunizadas, que já tenham tomado a segunda dose da vacina, deverão usar máscaras em ambientes internos. A diretriz também serve para professores e crianças do jardim de infância independentemente da região, e foi tomada após o órgão identificar infecções raras em que pessoas completamente vacinadas carregam a mesma quantidade de vírus que pessoas que não tomaram a vacina.

O anúncio reverte em partes decisão tomada em maio, quando o presidente Joe Biden e Walensky, em anúncios carregados de otimismo e nacionalismo, determinaram que o uso de máscaras e o distanciamento social não seriam mais necessários para as pessoas completamente imunizadas na maioria das situações.

À época, a flexibilização recebeu críticas de alguns especialistas, que classificaram a medida de prematura, visto que a porcentagem de vacinados no país ainda era baixa demais para justificar uma concessão desse nível. Dois meses depois, o número de vacinados com ao menos uma dose nos EUA equivale a 56,43% da população; os que estão completamente imunizados são 48,79%, segundo dados do portal Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford (do Reino Unido).

A principal razão para a mudança de diretriz é a variante delta, mutação do coronavírus ao menos 50% mais contagiosa que se tornou dominante na Europa e avança para predominar no mundo todo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos EUA não é diferente: em abril, 0,6% dos casos de Covid-19 no país haviam sido causados pela delta; agora, segundo dados do CDC, a mutação é responsável por cerca de oito em cada dez novas infecções.

Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo, a decisão do CDC, em maio, parecia precipitada devido ao cenário de agravamento que se via em vários outros países, como Índia e Brasil, e à possibilidade de que as variantes continuassem se espalhando.


"Em uma pandemia de vírus respiratório, só estaremos seguros quando houver uma situação de controle em todos os locais", diz. "A gente tem que aprender com essa experiência que numa pandemia não adianta a gente fazer estratégias localizadas quando o mundo ainda está com uma pandemia descontrolada porque isso vai [voltar a] te atingir de alguma forma."

A suspensão da obrigatoriedade da máscara, para Maciel, era também uma forma de incentivar a vacinação mostrando, na prática, o alívio das restrições para os imunizados -embora as regras variem em âmbito estadual e municipal. Agora os EUA esbarraram, porém, em uma grande hesitação vacinal, em parte fortalecida pelo movimento antivacina americano. Em maio, o governo Biden ainda tinha esperanças de bater a meta de imunizar 70% da população até 4 de julho, data da independência americana.

Segundo o infectologista Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, as máscaras tem a vantagem de não provocar o mesmo impacto social e econômico que restrições como um lockdown.

"São importantes barreiras para o vírus e, melhor, não discriminam variantes, funcionam contra todas e são um excelente complemento à vacina", afirma. Para ele, o recuo das autoridades de saúde dos EUA "certamente é uma lição contra os que cantam vitória precocemente" -em referência ao governo britânico- "ou estimulam o não uso" das máscaras, caso do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido).


Diferentemente do que aconteceu há dois meses, quando mesmo os funcionários do governo americano foram informados sobre a mudança nas regras menos de um dia antes dos anúncios públicos, houve vários indícios de que as autoridades de saúde do país poderiam retomar a obrigatoriedade do uso de máscaras em circunstâncias específicas.

Na semana passada, Biden disse que sua equipe responsável pela resposta à pandemia estava estudando o aumento de casos e de hospitalizações por complicações da Covid-19 entre as pessoas não vacinadas para determinar se o uso de máscaras precisaria se tornar uma regra mais abrangente de novo.

Anthony Fauci, conselheiro da Casa Branca e diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, afirmou no último domingo (25) que a volta das máscaras estava sendo "ativamente considerada" pelo governo. Segundo ele, os EUA estão "indo na direção errada", já que os novos casos diários continuam a aumentar.

A média móvel de infecções diária vem subindo desde o início de julho. Há três semanas, o país registrava 13 mil novos casos por dia e, nesta segunda (26), a média chegou a 57 mil -longe do pico de 250 mil registrado em janeiro, mas ainda assim um aumento de mais de 319% no período observado.

O número de mortes, por outro lado, não tem acompanhado a tendência de alta. Em todo o mês de julho, não houve um dia sequer em que foram registrados mais de 300 óbitos. Em janeiro, os EUA registraram o recorde de 4.460 mortes em 24 horas; nesta segunda, foram 271 vítimas da Covid-19, uma redução drástica na mortalidade atribuída ao avanço da vacinação, capaz de derrubar a incidência de casos graves da doença.

Os especialistas, no entanto, ainda não estão em clima de comemoração. Considerando o ritmo atual da imunização e a velocidade com que o vírus, impulsionado pela variante delta, tem se espalhado pelo país, um consórcio de universidades americanas -incluindo a Johns Hopkins, referência em levantamentos estatísticos acerca da pandemia- divulgou uma série de projeções a respeito da situação epidemiológica.

De acordo com o pior cenário previsto pelos estudos, os EUA podem voltar a registrar cerca de 240 mil novos casos e 4.000 mortes por dia em outubro. A cifra, no entanto, é considerada improvável pelos pesquisadores.

"Nunca chegaríamos ao pior cenário porque reagiríamos. Não temos a tendência de apenas sentar e esperar a morte", disse Justin Lessler, professor da Universidade da Carolina do Norte que compõe o consórcio, em entrevista ao jornal The Washington Post.

Segundo Lessller, a projeção sobre a qual há mais consenso dentro do projeto estima um pico de 60 mil casos diários em outubro. Mesmo esses números, no entanto, podem estar aquém da realidade, visto que os dados que serviram de base à projeção foram coletados antes da alta de casos ligados à variante delta.