ESPANHA


O governo espanhol, sindicatos e empregadores decidiram introduzir na legislação trabalhista que os entregadores em domicílio de plataformas como Deliveroo e UberEats sejam considerados assalariados, algo inédito até agora na Europa - anunciou a ministra do Trabalho nesta quinta-feira (11).

"Já são trabalhadores assalariados e vão gozar de todas as proteções", afirmou Yolanda Díaz em coletiva de imprensa, ao elogiar que a Espanha seja "o primeiro país da União Europeia a legislar sobre esta questão".

A medida vai regularizar o status desses entregadores de moto, ou de bicicleta, cuja quantidade se multiplicou nos últimos anos e que, em várias ocasiões, denunciaram a precariedade de suas condições de trabalho na Espanha.

O texto acordado entre governo, sindicatos e empregadores "reconhece a presunção de emprego para os trabalhadores que prestam serviços de entrega remunerada por intermédio de empresas que administram este trabalho, mediante a gestão algorítmica do serviço, ou [a presunção] das condições de trabalho, através de uma plataforma digital", disse o Ministério do Trabalho em um comunicado.

"Já disse muitas vezes que um trabalhador que percorre nossas ruas de bicicleta com um aplicativo não é um empreendedor", destacou Díaz. "Essas pessoas, trabalhadores essenciais durante a pandemia, deram a vida por nós", enfatizou.

"Milhares de trabalhadores serão empregados, gozarão de todos os direitos e terão toda rede de proteção social que hoje não possuem", disse a ministra.

O texto prevê também que os sindicatos sejam informados "das regras que contêm os algoritmos e os sistemas de Inteligência Artificial que podem afetar as condições de trabalho, pelas quais as plataformas são regidas".

Os sindicatos de entregadores criticam a opacidade dos algoritmos que criam perfis dos trabalhadores e atribuem horas de trabalho em função dos mesmos.

O governo de esquerda se baseia em uma decisão do Supremo Tribunal espanhol de setembro passado, que reconhece a existência de uma relação trabalhista entre um entregador e a empresa espanhola Glovo, após anos de litígio entre os entregadores e as plataformas.

As empresas terão três meses para se adequarem às regras. Atualmente, nenhum país europeu possui uma legislação semelhante.

Os entregadores são considerados "empresários" por conta própria na Itália, Reino Unido e França, onde neste último o Just Eat anunciou recentemente a contratação de 4.500 entregadores com contrato indefinido.

Setor "em risco"

Em um comunicado conjunto, as plataformas Deliveroo, Stuart, Glovo e UberEats criticaram "a laborização forçada proposta pelo governo (...), colocando em risco um setor que contribui com 700 milhões de euros (US$ 830 milhões) para o PIB nacional".

Também destacaram que "a obrigação de revelar os algoritmos (...) afetaria muito negativamente o desenvolvimento da economia digital na Espanha, além de atacar os princípios mais básicos da liberdade das empresas e da propriedade industrial".

Por outro lado, o coletivo de entregadores Riders por Derechos celebrou a reforma, mas lamentou que "foi focada unicamente nos motoristas".

Outras plataformas online, como operadoras de telemarketing, "empregam muito mais pessoas" sem estarem regulamentadas, disse Anna Ginés, especialista de direito do trabalho na escola de negócios Esade.

Ainda assim, a Espanha está liderança na Europa na proteção desses trabalhadores, que em países como Reino Unido, França e Itália são considerados empresários por conta própria.

Em 2017, a Bélgica aprovou uma lei para criar um imposto de 10% da renda do trabalho obtida através destas plataformas, mas não oferecia nem um estatuto profissional, nem proteção social aos entregadores.

Algumas empresas decidiram por contra própria formalizar sua relação com os entregadores: a escandinava Foodora assinou convênios como os sindicatos na Suécia e na Noruega, que implicaram em melhorias salariais, enquanto a JustEat estima empregar 22.000 entregadores assalariados no mundo e prevê contatar por tempo indeterminado 4.500 pessoas na França.

A Califórnia votou em 2019 uma lei única nos Estados Unidos, ordenando a este tipo de empresas considerar seus trabalhadores como assalariados e conceder-lhes proteção social adequada, mas em novembro passado, foi rejeitada em um referendo popular.