O candidato ‘libertário’ Javier Milei conseguiu destruir a frágil coalizão opositora Juntos pela Mudança e assim ajudar a candidatura de seu opositor Sergio Massa. A coalizão fundada pelo ex-presidente Mauricio Macri já estava em um labirinto. E Milei e sua motosserra conseguiram complicá-la de vez.

Três dias após o primeiro turno da eleição presidencial, realizado no domingo (22), a ex-presidenciável Patricia Bullrich, da coalizão macrista, anunciou que apoiará Milei no segundo turno da eleição, no dia 19 de novembro. Na campanha do primeiro turno, Milei a chamou de “guerrilheira assassina” e “terrorista” por ela ter lutado contra a ditadura militar argentina nos anos setenta. Ele ainda disse que ela tinha colocado bombas em jardins de infância e que, se eleito, mandaria revisar a indenização que ela teria recebido por ter sido perseguida pelos ditadores. Ela anunciou que entraria na Justiça contra ele. As trocas de acusações se evaporaram rapidamente depois do domingo da eleição. “Nós nosperdoamos mutuamente”, disse Bullrich na entrevista à imprensa.

Milei disse, por sua vez, que ela estava cumprindo um papel “histórico” para a Argentina – ao se aliar a ele. Mas a troca de afagos públicos provocou a rejeição de vários políticos que formam (ou formavam) a coalizão macrista. “Macri conseguiu o que queria. Destruir a nossa coalizão”, disse o governador da província de Jujuy, Gerardo Morales. Mais tarde, ele disse que a aliança continuaria existindo, mas que Macri e Bullrich não eram mais seus integrantes. Os argentinos viram, ao vivo, pelas emissoras de rádio, de televisão, portais e redes sociais, como as cartas da opositora Juntos pela Mudança se desintegraram. A implosão era esperada. Mas talvez não tão rapidamente.

“Macri sempre torceu pela eleição de Milei”, disse uma das fundadoras da coalizão opositora, Elisa Carrió, da Coalizão Cívica. Na campanha do primeiro turno, Milei disse, várias vezes, que conversava quase todos os dias com Macri. Na ocasião, Bullrich parecia decepcionada e até irritada com essa traição explícita. Mas na terça-feira à noite, dois dias após a eleição, entre goles de Coca-Cola e de água, como contaram fontes, Macri, Bullrich, Milei e sua inseparável irmã e mentora, Karina (a quem ele se refere como ‘o’ chefe, além de mentora) selaram a paz.

Mas não contaram para os demais integrantes da coalizão que, em muitos casos, souberam do acordo pela televisão. Para muitos deles, Milei é sinônimo de antidemocrático e o oposto do que defendem, como os integrantes da União Cívica Radical (UCR), partido do ex-presidente Raúl Alfonsín, conhecido como referência democrática no país, eleito logo após a ditadura militar e responsável por promover o julgamento dos ex-ditadores. O trio Milei, Macri e Bullrich entende que juntos podem derrotar Massa e o kirchnerismo – braço do histórico e inabalável peronismo.

Nesta quinta-feira, o ministro da Economia e presidenciável do governo peronista-kirchnerista se reuniu com dezoito governadores peronistas. Com o presidente Alberto Fernández e a vice-presidente Cristina Kirchner distantes de sua campanha, o candidato Massa age como presidenciável, ministro e até como líder do peronismo.

O governador da província de Buenos Aires, o kirchnerista Axel Kicillof, disse que Milei usou sua ‘motosserra’ para ‘dinamitar’ a opositora Juntos pela Mudança. Em suas carreatas, na campanha no primeiro turno, Milei exibia o violento apetrecho nas cores preto e amarelo e o público respondia com imagens de notas de dólar (imitações) pedindo a dolarização da economia. Essa sua promessa de dolarizar teria sido um chamariz para o apoio de Macri, desde o início da campanha de Milei, de acordo com fontes que conhecem o ex-presidente. Já a ‘dinamite’ era citada por Milei cada vez que se referia ao que pretende fazer com o Banco Central, caso chegue a ser eleito. “Dinamitá-lo”, em sentido figurado, para dizer acabar com ele.

Surgem várias perguntas: como fica o discurso de Milei contra a “casta” política após a aliança com Macri e Bullrich? Seu eleitor, que não queria o macrismo e nem o peronismo, aceitará seu acordo com a direita tradicional? Ou o ‘libertário’ e radical de direita corre o risco de dinamitar seu discurso? A campanha para o segundo turno só está começando.

 

*Marcia Carmo
Jornalista e correspondente do Brasil 247 na Argentina. Mestra em Estudos Latino-Americanos (Unsam, de Buenos Aires), autora do livro ‘América do Sul’ (editora DBA).