BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - Começa nesta quarta (8) em Paris o julgamento de 20 acusados do ataque terrorista de novembro de 2015, reivindicado pelo Estado Islâmico e que deixou 130 mortos e cerca de 500 feridos na casa de shows Bataclan, numa esplanada de bares e restaurantes em Paris e no Stade de France, em Saint-Denis.
 
Com duração prevista de nove meses, esse deve ser o maior julgamento criminal já realizado na França, após uma investigação que envolveu 19 países e durou quatro anos e meio. O julgamento também deve reacender uma discussão sobre a ameaça de terrorismo islâmico, segundo o especialista em contra-terrorismo Alain Grignard, professor de ciência política e criminologia da Universidade de Liège, na Bélgica.

Grignard, que trabalhou na divisão antiterrorismo da Polícia Judiciária Federal belga e integra o Centro de Estudos de Terrorismo e Radicalização da Universidade de Liège, ressalva que o risco de ataques jihadistas na Europa hoje é menor, e a principal preocupação no momento não é com grandes ataques coordenados, como os de Paris, mas com ações individuais.

"Os fatores que alimentam o islamismo radical ainda existem, mas as bases de retaguarda, como as que atuavam no Afeganistão de 1996 a 2001 e na região sírio-iraquiana, estão desmanteladas. Os recursos humanos e técnicos de um proto-Estado permitiam ações mais espetaculares", diz ele.

Sem essa base de apoio, o que se teme, de acordo com Grignard, são atos mais isolados, como esfaqueamentos ou atropelamentos. "Essas ações menores podem aumentar com toda a publicidade dada ao julgamento em Paris, porque de setembro a abril só falaremos sobre o Estado Islâmico na mídia. Será a maior operação de comunicação desse grupo no Ocidente", afirma o professor.

Assim, diz ele, essa visibilidade pode estimular apoiadores mais ou menos próximos da causa a cometer ataques improvisados, como os que ocorreram no ano passado, durante o julgamento do atentado contra os jornalistas da publicação satírica Charlie Hebdo.

O massacre de 2015, "fomentado em Raqqa [Síria], preparado na Bélgica e executado em Paris, foi o exemplo mais exitoso na Europa de um ataque liderado pelo Estado Islâmico", além do mais mortal, afirmou em 2019 nota da Direção-Geral de Segurança Interna, do governo francês.


Começou na noite de sexta-feira, 13 de novembro, quando um homem-bomba se explodiu ao ser impedido de entrar no Stade de France, onde cerca de 80 mil pessoas assistiam a um amistoso da França contra a Alemanha, entre as quais o então presidente francês, François Hollande.

Além do terrorista, uma pessoa morreu. Nos 40 minutos seguintes, atentados a tiros mataram 39 clientes em cafés e restaurantes nas calçadas dos 10º e 11º bairros de Paris, e no Bataclan outros 90 foram mortos. "Entraram com armas automáticas e começaram a atirar cegamente. Houve uma onda de pânico, todos correram, muitos foram pisoteados", contou na ocasião o jornalista Julien Pierce, da rádio Europe1, que estava na casa de shows naquela noite. Quando as forças de segurança invadiram o local, dois terroristas detonaram os explosivos que levavam num cinto; um terceiro foi morto pelos policiais.

Considerado o único sobrevivente do grupo de dez homens que atacou Paris, Salah Abdeslam, um francês de 31 anos que nasceu na Bélgica, será um dos réus-chave do julgamento que começa nesta quarta. A polícia levantou a hipótese de que ele tenha desistido de detonar seus explosivos, como planejado.

Abdeslam fugiu para Bruxelas, onde foi preso no começo de 2016. Dias depois da detenção, atentados mataram 32 pessoas e feriram 270 no aeroporto em Zaventem e numa estação de metrô da capital belga.


No começo de 2015, a capital francesa já havia sido cenário de 17 mortes em atentados jihadistas, contra o jornal satírico Charlie Hebdo e um supermercado kosher.

Após o massacre de novembro e o atentado na Bélgica, outros dez ataques terroristas ocorreram na Europa nos dois anos seguintes, na Espanha, no Reino Unido, na Alemanha e na Suécia, além da França.

Mohamed Abrini, 36, preso pelo atentado no aeroporto de Zaventem, também estará no banco dos réus, com outros 12 acusados de participar no planejamento dos crimes. Um réu que está preso na Turquia será julgado a distância, e outros cinco, membros sêniores do Estado Islâmico, postumamente –agentes afirmam acreditar que eles tenham sido mortos no Iraque ou na Síria.

Dos 14 que estarão no tribunal, o sueco Osama Krayem era membro de uma unidade de elite do grupo terrorista e é apontado como um dos idealizadores dos atentados.

No ano passado, quando o ataque completou cinco anos, associações enfatizaram a importância de lembrar as vítimas e resistir ao uso político desses atentados. "A França foi atingida no coração, mas os franceses permaneceram de pé. De pé para defender nossas liberdades e valores, de pé por todos que tombaram e por todos que restaram. Não esqueceremos nunca a noite de novembro de 2015. Não vamos desistir. Vamos nos manter juntos", escreveu em rede social o presidente francês, Emmanuel Macron.

Menos de um mês antes, o professor de história Samuel Paty havia sido decapitado dias após mostrar charges de Maomé durante uma aula sobre liberdade de expressão. Desenhar a figura do fundador do islã é considerado blasfêmia pelos muçulmanos.

CRONOLOGIA DOS ATAQUES DE 13 DE NOVEMBRO DE 2015

21h20 (18h20 no horário de Brasília) da sexta-feira: Terroristas detonam explosivo na porta D do Stade de France, nos arredores de Paris, onde França e Alemanha disputavam um amistoso. O então presidente François Hollande estava na plateia. Além do terrorista, a bomba matou mais uma pessoa.
21h25: Clientes nas mesas no bar Le Carillon e no restaurante Le Petit Cambodge são vítimas de tiros de fuzil Kalashnikov, disparados de um veículo Seat Leon preto, deixando 15 mortos e outros dez feridos.
21h30: No lado de fora do Stade de France, um segundo homem-bomba explode, matando a si próprio.
21h32: Tiros diante do bar A La Bonne Bière causam a morte de cinco pessoas e ferimentos gravíssimos em outras oito. Os atiradores estavam no mesmo carro preto.
21h36: No número 92 da rua de Charonne, novos tiros de fuzil vindos de um carro matam 19 pessoas.
21h40: No número 253 do Boulevard Voltaire, no restaurante Comptoir Voltaire, um terrorista se explode, provocando ferimentos graves em uma pessoa.
21h40: Um veículo estaciona diante da casa de shows Bataclan. Descem três indivíduos com armas de guerra. Eles invadem o salão e disparam rajadas durante um show. Terroristas tomam como reféns o público diante do palco e mencionam Síria e Iraque; ao todo, 90 pessoas são mortas
21h53: Um terceiro homem-bomba se explode nas proximidades do Stade de France.
23h30 Torcedores são autorizados a deixar o estádio. Na saída, parte deles canta o hino da França.
0h20 Forças policiais invadem o Bataclan. Um terrorista é morto por um tiro da polícia. Os outros dois detonam seus explosivos e morrem.