Conversamos com pessoas que adoram a família real britânica e sabem tudo sobre ela
O primeiro casamento da realeza britânica que a servidora aposentada Marília Rabello Guerra, 73, acompanhou foi o da princesa Diana e do príncipe Charles, há quase 40 anos. Este, ela considera como o marco inicial de seu encantamento por aquele universo e por aquelas pessoas.
Algumas décadas depois, na visita do príncipe Harry a Belo Horizonte, em 2014, a quem chama de “neto adotivo”, elevou sua admiração a um outro nível. Sócia do Minas Tênis Clube, por onde sabia que o ruivo passaria, foi até lá tentar vê-lo de perto, talvez trocar um cumprimento, algumas palavras. Como seus amigos a haviam alertado, não conseguiu se aproximar do visitante ilustre, mas naquele momento pôs uma ideia na cabeça: tornar-se a sósia brasileira da rainha Elizabeth.
Algum tempo depois, a promessa se concretizou. No Carnaval de 2016, preparou uma fantasia que repetia, nos mínimos detalhes, um dos trajes monocromáticos tão característicos utilizados pela rainha da Inglaterra em cerimônias oficiais, além de seu chapéu e acessórios. Não só isso, colocou na bolsa a tiracolo, item essencial na iconografia de Elizabeth, os objetos que ela costuma carregar – que, aliás, por muito tempo foram um grande segredo da Coroa –, batom, espelho para maquiagem, caneta tinteiro, balas de menta e óculos de leitura, além de algum dinheiro que doa à igreja. Como cereja do bolo, aprendeu os trejeitos da rainha e não saiu do personagem durante toda a festa. A recompensa foi à altura: conquistou o primeiro lugar no concurso de fantasias do mesmo Minas onde viu Harry cerca de dois anos antes.
Aliás, mesmo a apenas uma semana do casamento do príncipe com Meghan Markle, na manhã do próximo sábado (19), acredita que um convite para a “avó de consideração” deve estar a caminho. Brincadeiras à parte, Marília pretende acompanhar a cerimônia de casa mesmo, como tem feito a cada novo evento que se desenrola na vida da família real britânica.
Assim como ela, bilhões de pessoas ao redor do mundo deverão assistir ao ritual que será realizado na capela do Castelo de Windsor. A previsão é que seja, inclusive, o maior evento televisivo no Reino Unido desde a abertura das Olimpíadas de Londres, em 2012. Num mundo cada vez mais marcado pela mudança e o estremecimento das estruturas tradicionais, a realeza britânica é ponto fora da curva ao se mostrar capaz de se adaptar às transformações, ao mesmo tempo em que se mantém ligada aos seus princípios.
Mudança e estabilidade
É justamente essa habilidade a responsável por sua longevidade, acredita o cônsul-geral britânico do Rio de Janeiro, Simon Wood. “A família real continua a ser uma representação de estabilidade em um mundo turbulento, portanto, é uma instituição muito resistente. A rainha agora é a monarca com o maior período de reinado do mundo (quase 65 anos), não sendo, porém, indiferente às mudanças dos tempos”, afirma. “Um exemplo veio dela mesma, que recentemente comemorou seu 92º aniversário com um concerto musical que incluiu também os melhores artistas do pop britânicos (entre eles Sting, Kylie Minogue e Shawn Mendes). Outro exemplo veio do príncipe Harry e Meghan Markle quando disseram que querem garantir que membros do público sejam convidados para a celebração de seu casamento fora da igreja e pelas ruas de Windsor”.
Hoje, segundo pesquisas, só 19% dos britânicos acham que o Reino Unido deveria se livrar da Coroa. Tal popularidade inevitavelmente é observada também em outros lugares do mundo, como o Brasil. Marília é um exemplo disso. “Já escrevi três cartas para a rainha. Na primeira, disse que a admirava muito e pedi permissão para representá-la no concurso de fantasias do Minas como sósia brasileira. Quando ganhei, escrevi novamente contando que tirei o primeiro lugar”, conta. “E, ano passado, quando ela e o príncipe Philip fizeram 70 anos de casados, escrevi outra vez, agora para dar os parabéns e contar que eu tinha feito bodas de ouro (50 anos) com meu marido. Esta última, ela respondeu, foi muita emoção! Chorei demais”.
A sósia brasileira acalenta o sonho de algum dia poder ver a rainha ao vivo – nem que seja de longe, “como quando o papa acena da janelinha no Vaticano”. Enquanto ela espera que algum benfeitor possa ajudá-la na tarefa, a professora de inglês Fátima Penna, 62, já teve a oportunidade de ficar próxima da realeza mais de uma vez. “Nos anos 1990, viajei com minha família para Londres. Primeiro, vimos a rainha passando de carro. Como notei que antes dela vinham os batedores, de moto, passei a reparar em todo motoqueiro que passava”, lembra.
A estratégia deu certo e, dias depois, tomando um sorvete na Trafalgar Square, famosa praça da cidade, Fátima notou a chegada de algumas motos. “Quando olhei para o carro que veio em seguida, a princesa Diana estava nele, com a janela aberta. Eu gritei seu nome e ela acenou para mim. Na mesma viagem, depois ainda fomos assistir ao musical ‘Cats’ e, antes de entrar no teatro, estranhamos uma movimentação diferente. Novamente, era Diana, dessa vez com seus filhos, ainda pequenos. Do lugar que me sentei, conseguia vê-la, então, acabei perdendo toda a apresentação ao desviar minha atenção para ela”, conta.
Como se não bastasse, numa outra viagem (dessa vez, resultante de um sorteio), à Sicília, ficou hospedada no mesmo hotel que a família real. “Foi próximo a um dos jubileus da rainha, então, uma noite, um garçom nos disse para observar o céu, pois haveria fogos. Depois, nos explicou que eles estavam lá”, diz.
Fátima se tornou admiradora da família real por consequência de sua paixão pela língua inglesa, que a fez se aproximar também da cultura. Desde então, leu dezenas de livros sobre sua história e revistas sobre suas vidas.
Em sala de aula, já escreveu cartaz com seus alunos para a realeza. Em 2011, quando o príncipe William se casou com Kate Middleton, reuniu pessoas próximas para tomar café da manhã enquanto assistiam à cerimônia.
“Em vez de jantar, prefiro receber as pessoas para café da manhã, e coincidiu com o horário em que o casamento aconteceria. Então, preparei uma decoração azul e vermelha e chamei o pessoal para ver aqui, unindo duas coisas que gosto”, explica.
Mate sua curiosidade
A proximidade do casamento de Harry e Meghan Markle (no próximo sábado, 19), tem atraído os olhares para a monarquia britânica. A cerimônia deve ser assistida por 2,5 bilhões de pessoas em todo o mundo. Confira algumas curiosidades.
Transmissão
A cerimônia acontecerá às 8h (horário de Brasília) e será transmitida, a partir das 6h nos canais Globo News, GNT e Band News.
Documentários
A família real estará na programação de forma intensa na próxima semana. Na Globo News, nos programas “Arquivo N” (16 de maio), “Milênio” (14 de maio), “Sem Fronteiras” (17 de maio). No GNT, “O Armário de Kate Middleton” (até 20 de maio), “Meghan Markle – Uma Mulher Real” (9 a 20 de maio), “Animais da Realeza” (13 a 20 de maio) e “Kate – A Rainha do Futuro” (19 a 28 de maio).
Aceitação
Toda a euforia em relação ao casamento também tem um motivo mais nobre. Ao contrário do que já aconteceu no passado, pela primeira vez um membro da família real irá se casar com uma mulher divorciada sem que isso gere uma crise institucional na monarquia britânica ou uma extrema rejeição pública.
Solidariedade
Harry e Meghan optaram por dispensar os convidados da compra de presentes. A orientação é a de que o dinheiro que seria usado para esse fim seja destinado a sete instituições de caridade.
Convidados
Sobrevivente do atentado contra milhares de pessoas no show de Ariana Grande no Manchester Arena, em 2017, Amelia Thompson, de 12 anos, está entre os 1.200 “membros públicos” que foram convidados. Alunos de escolas, funcionários da Casa Real, da comunidade local de Windsor e membros de organizações beneficentes também estão entre os convidados.
Sustentável
O tema é a primavera, e o sabor, de limão e flor de sabugueiro. Mas o que chama a atenção é que o bolo de casamento de Harry e Meghan será confeccionado com ingredientes orgânicos.
Figuras do Olimpo na Terra
Encanto
Especialistas e admiradores analisam as dinâmicas envolvendo o interesse pela Coroa
Pesquisadora da área de celebridades e acontecimentos do Departamento de Comunicação Social da UFMG, Mayra Bernardes escolheu, para uma análise há alguns anos, a duquesa de Cambridge Kate Middleton. “A família real é célebre por um fator externo a eles, a herança familiar, e geralmente o que acontece com famosos é o contrário. Além disso, de certa forma, a imagem deles é a imagem do próprio Reino Unido. Se fossem sem carisma ou controversos tal qual figuras como Donald Trump, não teriam a aceitação que têm, tanto lá quanto no mundo”, explica.
A escolha por Kate se deu porque à época – logo após o nascimento de seu primeiro filho –, falava-se muito dessa imagem de princesa, mãe, perfeita, que acaba de passar por um parto e nem aparenta, tudo muito parecido com o que aconteceu recentemente, com o terceiro filho. “Analisei sua performance por meio de fotos de três eventos: seu noivado, o casamento e o nascimento do primeiro bebê, em imagens de veículos de lá. Foi interessante observar que, pela linguagem da moda, ela constrói uma representação próxima, por exemplo, não usando roupas caras”, afirma.
Ao mesmo tempo, ela conforma todos os padrões esperados da mulher numa sociedade patriarcal: magra, bonita, sempre sorrindo, ao lado do marido, com sua família perfeita. “Lembro que, no grupo de que eu fazia parte, discutimos como uma celebridade tão tradicional, até meio antiquada, fazia tanto sucesso num meio em que se valoriza o contrário, mulheres que quebram padrões. Essa narrativa da mulher princesa carrega elementos que às vezes parecem não ser mais tão fortes na sociedade, mas ainda são”, diz Mayra.
Distanciamento e proximidade
Já a pesquisadora Julia Benatti, do Departamento de Comunicação Social da PUC Minas, analisou o período do casamento da princesa Diana com o príncipe Charles, até a união entre William e Kate. “Acredito que o que provoca o encantamento é justamente a distância a que eles se colocam de nós, são um tipo de celebridade muito inalcançável, é preciso nascer assim ou, quando muito, casar com alguém para se tornar. Ao mesmo tempo em que precisam estar próximos de alguma forma. Entendo que a principal preocupação deles, e de tudo o que existe por trás disso, é encontrar o equilíbrio entre a proximidade suficiente para que não sejam esquecidos pelas pessoas e o distanciamento necessário para que sejam endeusados”, afirma.
É justamente o lado humano dessas pessoas que parecem estar acima de nós o que interessa à professora de inglês Fátima Penna, 62, no universo da realeza britânica. “Eu sempre gostei muito de história e de ler sobre reis e rainhas, não só da Inglaterra. Leio também muitos romances escritos por mulheres de várias partes do mundo sobre suas vidas. O meu interesse é sair do meu mundo e pensar que pessoas levam vidas diferentes da minha, tanto para a pobreza quanto para a opulência. Acho bacana entender que a vida não é só o que eu vivo aqui, esse microcosmo”, explica.
O fato de serem pessoas, afinal, normais, ainda que sejam também símbolos, e sua adaptabilidade aos novos tempos são fatores relacionados à sua admiração pela família real inglesa. “A mudança de padrões políticos e sociais afeta a Casa de Windsor, que por sua vez, se esforça para acompanhar a evolução dos tempos. Príncipe Charles e Camilla, Harry e Meghan não formariam casais duas gerações atrás. A rainha Elizabeth reinou em governos conservadores e trabalhistas. Realeza e diferentes ideologias políticas conviveram e convivem em harmonia. Parabéns aos ingleses! E ‘God Save the Queen!’, conclui.
Estética e idealização
O tempo que viveu em Londres, entre 2006 e 2007, foi uma espécie de imersão num assunto que já gostava para a empresária Renata Alamy, 41. “Eu achava que eram só as pessoas de outras partes do mundo que se interessavam pelo assunto, mas lá isso acontece muito mais. Trabalhei num pub e todo mundo falava disso, como nós falamos de novelas. Nas casas existem imagens da rainha, eles estão sempre nos jornais”, afirma.
Ao voltar para o Brasil, ela acabou abrindo uma loja cuja proposta estética era herdeira desse universo. “Não só da monarquia, mas de toda essa iconografia inglesa. Inclusive se chamava Cupcake, um nome que até então não era conhecido no Brasil. Como eu tinha me apaixonado por essa coisa meio kitsch, comecei a colecionar brindes da realeza, souvenirs, porcelanas, tudo o que tinha o ícone da rainha – achava ela pop –, trouxe isso para a loja”, conta.
Foi lá que ela assistiu ao casamento do príncipe William com Kate Middleton, em abril de 2011. “Convidei minhas clientes para irem vestidas como se fossem ao casamento para assistirmos juntas comendo cupcake, tomando espumante, se divertindo. Foi bem legal, tipo assistir a jogos da Copa do Mundo”.
Desconstrução
Renata acredita que para além de gostar da estética, uma parte do fascínio tem a ver com a construção do ideal de mulher numa sociedade machista. “Crescemos com essa idealização das princesas, dos contos de fadas, do príncipe que vai salvar a plebeia e transformá-la em realeza. Não acho isso positivo, mas acaba influenciando. Isso vem sendo desconstruído hoje, de certa forma, e acho bom para as meninas que haja histórias sem essa figura salvadora. Mas ainda acho divertido gostar da realeza e brincar com isso”, explica.