Aplicativos como Instagram e Telegram pararam de funcionar e militares armados vigiam as ruas desde o início de manifestações, contam.

Por Flávia Mantovani, G1

Os brasileiros Rafael e Vivian Fogageiro na cidade de Isfahan, no Irã, onde moram (Foto: Rafael Fogageiro/Arquivo pessoal)

Os brasileiros Rafael e Vivian Fogageiro na cidade de Isfahan, no Irã, onde moram (Foto: Rafael Fogageiro/Arquivo pessoal)

Policiais fortemente armados, internet bloqueada e clima tenso nas ruas. É o que relatam brasileiros que moram no Irã e vivenciaram as manifestações que ocorrem no país desde o fim de dezembro.

O G1 conversou com três deles. O carioca Rafael Fogageiro, de 35 anos, mora com a mulher há um ano e meio na cidade de Isfahan, onde vários manifestantes foram mortos. Ele diz que aplicativos como o Instagram e o Telegram, que eram liberados, foram bloqueados depois que começaram os protestos pelo país - o Facebook já era banido antes.

“A primeira coisa que o governo fez foi filtrar a internet. Eles sabem que o pessoal marca as manifestações usando as redes sociais”, afirma Fogageiro, que trabalha como preparador físico de um time de futebol.

O brasileiro presenciou as marchas duas vezes. “Uma vez vi passando um monte de gente com farda, cassetete na mão, e ao lado civis com pedaços de pau, canos. Acho que estavam indo se enfrentar em algum lugar”, diz. Em outro momento, ele notou que o trânsito estava mais engarrafado que o normal e viu fumaça subindo ao fundo, além de policiais fortemente armados.

“O clima ficou mais tenso. Teve um dia que morreram nove pessoas aqui na cidade. Tem mais militares nas ruas, até em esquinas com pouco movimento eles estão, e fortemente armados”, conta.

Mas ele tranquiliza os familiares que se preocupam com sua segurança. “Fora isso, não afetou nossa vida”, diz.

Fogageiro afirma que a piora na economia - uma das motivações dos manifestantes - é perceptível. “Algumas coisas encareceram, como a gasolina. O dólar aumentou muito”, exemplifica.

Mas diz também que pode haver questões políticas motivando as manifestações. “No ano passado teve eleição, e o candidato que perdeu [Ebrahim Raisi] é superconservador. A onda de protestos começou na cidade dele [Mashhad]. Estão dizendo que ele pode estar por trás”, explica.

Essa teoria - encampada pelo governo - também foi relatada por iranianos a D., uma gaúcha de 34 anos que passou quatro meses no Irã e acaba de voltar para o Brasil. Ela pediu para manter sua identidade em sigilo com medo de retaliações contra o marido, que continua lá, trabalhando.

‘Apavoradíssima’

D. também relata a queda na internet após o início dos protestos. “Domingo [31 de dezembro], quando as manifestações estavam no auge, o Telegram parou de funcionar. Duas horas depois, bloquearam a internet 3G. Mais duas horas e as redes de telefonia saíram do ar. Ficamos incomunicáveis, me preocupei porque o contato com a nossa família é todo pela internet”, lembra.

D. afirma que o exército estava em peso nas ruas. “Só em uma quadra vi 15 guardas vigiando. O cenário era assustador”, relata. E disse que presenciou uma das marchas quando estava em um táxi com a mãe e o filho pequeno.

“Passamos no meio da confusão. Tinha fogo no meio do asfalto, as ruas fechadas. Fiquei apavoradíssima, cobri meu filho para protegê-lo. Não sabia o que era e lá pouca gente fala inglês, é difícil se comunicar”, diz.

Natural de Manaus, T., uma brasileira de 48 anos que mora há oito em Teerã com o marido iraniano e os dois filhos, conta que as insatisfações da população vêm se acumulando desde o governo anterior.

“Os jovens terminam a faculdade e não têm emprego. O preço do ovo aumentou, o do frango também. Toda vez que saímos escutamos que o governo está cortando as ajudas para a conta de luz, de gás”, diz.

Ela própria foi afetada, já que a família recebia um abono na eletricidade que foi cortado há cerca de três anos.

Imagem de protesto na província iraniana de Alborz, em 31 de dezembro (Foto: Reuters/Irinn)

Imagem de protesto na província iraniana de Alborz, em 31 de dezembro (Foto: Reuters/Irinn)

T. diz que prefere não sair de casa quando ocorrem as manifestações. “Fico quietinha em casa, porque sei que vai sobrar para mim , que podem me prender porque sou estrangeira. Só escuto os barulhos e os gritos”, relata ela, que também pediu para não ser identificada.

“Acho esse pessoal [que se manifesta] muito corajoso, porque você pode receber retaliações, pode tentar abrir uma conta no banco que nunca sai, esperar uma autorização que o governo pode não te dar. E ainda tem as prisões e as mortes”, diz.

A brasileira afirma que se adaptou bem ao Irã . "Sou tranquila, acho que você é que faz o ambiente. A questão de usar roupa comprida e véu nã me incomoda. Acho que a liberdade não está aí", acredita.

Já a gaúcha D. não gostou da experiência. “Eu me sentia em outra era, em outro século. É um país que estagnou, o povo é pobre, as mulheres não têm liberdade. Eu tinha que ir a uma academia só para mulheres, não podia frequentar a mesma piscina que meu filho porque ele é homem e eu sou mulher. Não quero voltar a morar lá.”