A Argentina em que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, desembarca nesta quinta-feira (6) já não é mais o país que Mauricio Macri queria, desde o início de seu governo, exibir ao mundo. Hoje, a maior preocupação do governo gira em torno das eleições de outubro e de assuntos internos, como o agravamento da crise econômica –inflação acumulada em 55% nos últimos 12 meses e perspectiva de PIB negativo neste ano, além do aumento da pobreza. 
 
A popularidade de Macri vem caindo (está em 30%), porque suas promessas para essas áreas não se cumpriram, assim como não veio a "chuva de investimentos" que anunciava a cada líder estrangeiro importante que visitava o país. Agora, sua reeleição está em xeque. E a mudança na chapa opositora o pegou de surpresa. Com Alberto Fernández no topo da chapa kirchnerista, e Cristina como vice, as pesquisas mostram um aumento de chances desta composição.
 
As primeiras sondagens indicam que a possibilidade de um candidato de "terceira via" (Juan Manuel Urtubey, Sergio Massa e Roberto Lavagna) chegar a um segundo turno caíram, e a eleição pode ser definida até no primeiro turno, com diferença apertada entre Macri e Fernández.
 
Os principais temas da agenda do encontro entre Bolsonaro e Macri serão econômicos. Os argentinos esperam tratar da retomada do intercâmbio na indústria automotriz, que esfriou durante o kirchnerismo (2007-2015) e até hoje não se recuperou, da possibilidade de um acordo energético, de um pacote de cooperação binacional em segurança (especialmente na fronteira, devido ao narcotráfico e ao contrabando) e da anunciada "flexibilização do Mercosul", desejada por ambos, mas ainda não levada adiante.
 
Além disso, para sair da recessão, a Argentina precisa muito que o Brasil volte a crescer. Para cada 1 ponto de crescimento do PIB brasileiro, o da Argentina cresce automaticamente 0,5. E quando o PIB do Brasil cai, o da Argentina cai na mesma proporção, como explicou à reportagem o ministro Nicolás Dujovne, que se reunirá com seu par brasileiro, Paulo Guedes.
 
Por outro lado, analistas afirmam que não seria bom para Macri sair numa foto apertando as mãos de Bolsonaro, devido à ampla rejeição que o brasileiro tem com a esquerda e o peronismo na Argentina. Para o analista Raúl Ochoa, por exemplo, "essa imagem pode até enfraquecer Macri, porque Bolsonaro fala de esquerda e direita, enquanto Macri evita esses termos, que considera atrasados, e amplia seu discurso em busca de votos em outros campos políticos".
 
Além disso, pautas que Bolsonaro defende, como a da Previdência, enfrentam resistência na Argentina. Uma reforma muito mais branda que a proposta no Brasil foi aprovada no país em 2017. Ainda assim, houve uma batalha campal diante do Congresso, com feridos e detidos. Por conta disso, Macri adiou, sem data para ser retomada, a ideia de enviar ao Congresso uma reforma trabalhista, que diminuiria direitos ou flexibilizaria contratos. Os sindicatos, muito fortes na Argentina, prometeram uma série de ações se o governo levasse a cabo essa agenda. Falar de ambos os assuntos agora, portanto, seria espinhoso para Macri, que não quer perder mais votos.
 
Para o economista Marcelo Elizondo, Macri é partidário de mudanças no Mercosul, mas tratar do tema em período eleitoral poderia prejudicá-lo. "Existe no Mercosul uma ideia de avançar na redução dos impostos. A média do bloco é de 11%, e o Brasil quer reduzi-lo a 5,5%. É uma redução enorme e poderia causar problemas para a Argentina e sua relação com empresários." 
"Ideologicamente, Macri e Bolsonaro estão de acordo com as reformas que querem para o Mercosul, mas para Macri anunciar publicamente algo sobre isso agora pode não ser conveniente politicamente."