Buenos Aires 


A Argentina concluiu com sucesso a reestruturação de sua dívida em dólares com credores privados. Ao todo, 93,5% dos detentores de bônus aceitaram a oferta governamental, e o efeito de arrasto das cláusulas de ação coletiva elevou a percentagem a 99%. Na prática, uma dívida de quase 68 bilhões de dólares (373,5 bilhões de reais) será completamente substituída neste mês por novos bônus, com juros menores (de 7% para 3,07% ao ano, em média) e vencimentos mais longos. Graças a isso, o país economizará 37 bilhões de dólares, segundo o ministro da Economia, Martín Guzmán.


O presidente Alberto Fernández efetuou o anúncio com a máxima pompa. Convocou ao Museu do Bicentenário da Casa Rosada o ministro da Economia, Martín Guzmán, o presidente da Câmara dos Deputados, Sergio Massa, os governadores provinciais (a maioria por conexão telemática) e até mesmo a vice-presidenta e presidenta do Senado, a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner, autêntico poder à sombra, que não pisava na sede presidencial desde em 10 de dezembro, quando ela e Alberto Fernández tomaram posse.

Guzmán foi o encarregado de apresentar as cifras. O altíssimo grau de aceitação por parte dos credores sob legislação estrangeira dissipa o fantasma dos “fundos abutres” e os ruinosos litígios perante os tribunais nova-iorquinos, aliviando de forma substancial a pressão sobre as contas públicas. O ministro da Economia antecipou que o orçamento para 2021, a ser enviado ao Congresso em 15 de setembro, reduzirá o déficit fiscal bruto de 10% para 4%. Isso se deve à expiração (se a pandemia permitir) dos subsídios extraordinários pagos a 10 milhões de pessoas e à redução do pagamento de juros da dívida. No orçamento de 2019, 20% do gasto era dedicado ao pagamento de juros.

Sobre o 1% que ficou de fora do acordo, Martín Guzmán afirmou que se trata de “uma questão técnica”. “Pela forma do processo, do registro em Nova York, um pequeno número de credores não pôde votar, mas avançaremos para resolver isso; não consideramos um problema”, disse. Os excluídos possuem bônus emitidos em 2005 e já reestruturados em 2010.

O presidente Alberto Fernández quis estabelecer um marco com o anúncio do acordo. Disse que o Governo já começava a trabalhar em uma fase de pós-pandemia (embora a Covid-19 alcance nos últimos dias sua maior velocidade de propagação), com os olhares voltados para a recuperação de uma economia devastada. “Em dezembro sentimos que estávamos caídos; hoje estamos outra vez de pé e andando”, afirmou. Fernández observou que as obras públicas, seja de moradia ou infraestruturas, serão o motor de arranque de uma economia voltada “para a produção e o trabalho”, com o objetivo de melhorar as exportações e acumular reservas de divisas que permitam fazer frente ao pagamento da dívida.

Fernández manifestou seu desejo de que a Argentina não volte nunca mais a entrar “no labirinto da dívida” e que as profundas desigualdades que caracterizam o país sejam mitigadas, distribuindo melhor uma indústria hoje concentrada nas províncias centrais de Buenos Aires, Córdoba e Santa Fe, e melhorando as comunicações internas.

O Governo argentino entra agora em outra negociação difícil, a que corresponde ao Fundo Monetário Internacional. A instituição de Washington ofereceu à Argentina em 2018 o maior empréstimo de sua história, 67 bilhões de dólares. A partir de janeiro daquele ano, os mercados internacionais fecharam o crédito, e o então presidente, Mauricio Macri, viu-se obrigado a pedir socorro. A crise posterior foi tão profunda que imediatamente se tornou evidente a incapacidade do país em devolver o dinheiro ao FMI nos prazos previstos (os vencimentos se concentravam entre 2021 e 2023). O Governo de Macri, aliás, renunciou a receber as últimas parcelas do empréstimo, ficando com apenas 44 bilhões de dólares.

Em ocasiões anteriores, Argentina e o FMI mantiveram negociações muito ásperas. Desta vez as coisas parecem, por enquanto, mais contidas. A diretora do órgão, Kristalina Georgieva, foi uma das pessoas a quem o presidente Fernández agradeceu por sua cooperação durante os sete meses de negociação com os credores privados. Em todo caso, por seu próprio regulamento, o Fundo não admite perdão de dívidas ou juros e se limita a oferecer prazos mais longos. O ministro Guzmán estima que esta nova negociação terminará, se tudo der certo, em março de 2021. Então será a vez de resolver a dívida com o Clube de Paris, um grupo de Governos credores, no valor de dois bilhões de dólares.
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