As curvas dos gráficos, que costumavam vir num crescente brando até abril, agora já explodem desde janeiro. São casos de dengue que se acumulam de maneira antecipada em países da América Latina, principalmente nos vizinhos ao Brasil, que concentra quase oito em cada dez contágios.

O total de suspeitas da doença na região triplicou de quase 440 mil para mais de 1,4 milhão nas primeiras sete semanas do ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. Paraguai e Argentina são os que causam maior preocupação no momento, mas Peru e Colômbia também vivem alta nos últimos dias.

As condições climáticas e socioeconômicas latino-americanas são apontadas como as principais causas dos recorrentes surtos da doença, que tendem a ser cíclicos a cada três a cinco anos. O hemisfério sul é o mais afetado no primeiro semestre, mas já se registra um aumento das transmissões também na América Central e no Caribe.

O clima úmido, com chuvas recorrentes potencializadas pelo fenômeno El Niño e pelo aquecimento global, condições de moradia inapropriadas e falta de coleta de lixo são algumas das condições ideais para a proliferação das larvas do mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus.

Em dezembro, a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) chamou a atenção para a identificação de sorotipos (como o Denv-3) que não haviam circulado por vários anos na região. Já em 16 de fevereiro, emitiu um alerta epidemiológico por um aumento "exponencial" da doença nas Américas em geral.

A epidemia chega logo depois de o continente ter registrado, no ano passado, a maior incidência da doença em duas décadas, quando o órgão indicou a necessidade de retomar ações de controle que foram interrompidas durante a pandemia de Covid-19. A região representa 80% dos casos de dengue do mundo.

O Paraguai sustenta a maior taxa neste ano, com 1.892 casos a cada 100 mil habitantes. Tem chamado a atenção o número de crianças e adolescentes em estado grave: "15% dos hospitalizados têm entre 5 e 9 anos de idade. Outros 14%, entre 10 e 14 anos", diz o mais recente relatório do Ministério da Saúde do país.

Na Argentina, que nos anos anteriores quase não registrou casos nessa época do ano, a área mais afetada é justamente a da fronteira com Brasil e Paraguai, como o estado de Missiones. Ali, o governo provincial expandiu as chamadas Unidades de Hospitalização Breve, para monitorar e evitar que pacientes moderados piorem.

 

Os últimos boletins epidemiológicos indicam que os casos agora começam a se espalhar em direção ao Norte e também ao Centro do país. Isso inclui a capital Buenos Aires, onde a explosão de casos de dengue se somou a uma onda de mosquitos de outra espécie -pelas chuvas das últimas semanas- fazendo os repelentes sumirem das farmácias.

A alta de casos nos países próximos também fez o Uruguai acender o alerta, mesmo tendo apenas 12 registros até o início de fevereiro. "Já alertamos o Sistema Nacional de Emergências pelo retorno das pessoas que vêm da Argentina e, sobretudo, do Brasil", disse a ministra da Saúde, Karina Rando, à imprensa local.

O Peru, por sua vez, decretou emergência sanitária pelo surto da dengue em 20 de suas 25 regiões na segunda-feira (26), por um período de três meses. O status permite às autoridades disponibilizar um orçamento maior para o combate à doença, entre outras medidas.

O titular da Saúde, César Vásquez, porém, ressaltou que a situação não é tão grave quanto nos outros países da região. "Não somos o país com maior taxa de mortalidade. Países como Brasil, Argentina e Paraguai estão em uma situação mais complexa", afirmou.

A velocidade com que as pessoas se movimentam e cruzam fronteiras hoje em dia também é apontada como uma das causas dos surtos generalizados e contínuos na América Latina, diz um membro da Opas que não quis se identificar -procurada, a organização informou que não tinha porta-vozes disponíveis.

Ele observou que a dengue surgiu no Sudeste Asiático nos anos 1940, quando as pessoas levavam meses para atravessar o oceano, mas hoje chegam em menos de 24 horas.

As ações de vigilância dos governos como a eliminação de focos de água parada, o diagnóstico precoce e o tratamento dos pacientes são considerados essenciais, mas também insuficientes por especialistas, considerando a realidade de cidades superpovoadas com moradias precárias e muitas vezes de difícil acesso pelo Estado.

Novas ferramentas que estão surgindo, porém, como a vacina que já começou a ser aplicada em crianças e adolescentes e o método de infectar mosquitos Aedes aegypti com a Wolbachia, uma bactéria presente em vários insetos que impede que eles transmitam a dengue, podem auxiliar na redução de casos.