Quase 60% dos mamíferos que viviam originalmente na América Latina desapareceram nos últimos 500 anos, revela o mais amplo estudo já feito sobre o tema, assinado por cientistas brasileiros.

O sumiço dessa fauna, além disso, está sendo acompanhado de uma assustadora "miniaturização" -as espécies que sobram, em geral, são as menores.

O processo, conhecido como desfaunação, não atinge só áreas desmatadas ou queimadas, podendo ocorrer também em regiões de floresta aparentemente preservada que passaram por forte pressão de caçadores.

A combinação de ameaças fez com que dois biomas (ambientes) do Brasil, a caatinga e a mata atlântica, sejam os campeões de desfaunação, tendo perdido 75% e 62% de seus mamíferos, respectivamente.

No ranking de países, o Brasil é o terceiro mais "desfaunado", ficando atrás apenas da Nicarágua e de Honduras.

A grande ironia é que o bioma menos afetado na América Latina é justamente o Pantanal (desfaunação de 34%), que hoje sofre os efeitos de uma das piores sequências de queimadas de sua história.

Publicado na revista especializada Scientific Reports, o novo levantamento é assinado por Juliano André Bogoni e Carlos Peres, da Universidade de East Anglia (Reino Unido), e Katia Ferraz, da USP.

A equipe combinou uma série de dados para chegar a suas conclusões.Além de informações sobre a atual distribuição dos mamíferos latino-americanos, extraídas da literatura científica entre 2015 e 2020, eles usaram estimativas sobre qual seria a presença geográfica "natural" desses bichos feitas pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza, órgão que define as listas globais de espécies ameaçadas).

Também incluíram na análise uma série de fatores que ajudam a estimar a pressão de caça à qual os animais estão submetidos em cada região (coisas como a quantidade de habitat preservado e a presença de áreas protegidas por lei).

O levantamento incluiu apenas os mamíferos de médio e grande porte (definidos convencionalmente como as espécies pesando 1 kg ou mais), que são os mais afetados pela desfaunação.

Essas informações permitiram chegar a uma porcentagem "bruta" de desfaunação, mas também é preciso levar em conta que algumas espécies têm densidade populacional naturalmente baixa e, portanto, tendem a ser mais raras, independentemente das ameaças trazidas pela ação humana.

Por isso, a equipe introduziu um fator de correção estatística nos dados brutos, chegando a uma estimativa mais realista.

Conforme o esperado, a desfaunação na América Latina reduziu a diversidade de mamíferos de forma seletiva, extirpando sobretudo as espécies de maior porte, como os ungulados (animais de casco, como veados e antas) e os grandes carnívoros (onças e ariranhas), bem como os primatas maiores.

Esses bichos são, é claro, o alvo preferencial dos caçadores por renderem carne mais abundante e saborosa, ou são mais exigentes em termos de habitat e alimentação, desaparecendo primeiro quando seu ambiente está sendo afetado.
O sumiço desses animais fez com que a média de peso das espécies de mamíferos nos habitats latino-americanos, que antes ficava em torno de 15 kg, tenha caído para 4 kg, calculam os cientistas.

Tudo isso tem impacto não apenas para a viabilidade das próprias espécies cujas populações estão sumindo como também para o ambiente como um todo. Os mamíferos de maior porte costumam ser pedras fundamentais de seus ecossistemas, "semeando" novas plantas depois de comer frutas e defecar as sementes, controlando a população de espécies menores (no caso dos carnívoros) e abrindo clareiras na mata, por exemplo.

O impacto das queimadas sobre esse cenário ainda não foi muito estudado, mas Peres e seu colaborador Jos Barlow fizeram um dos poucos trabalhos sobre o tema na Amazônia, conta ele.

Em resumo, o que parece ocorrer é que o fogo altera consideravelmente a composição de espécies da mata no curto e médio prazo, o que inevitavelmente bagunça a vida dos animais de grande porte e, em vários casos, inviabiliza sua presença na floresta que foi incendiada.