O Bairro onde as mulheres ficam expostas em vitrines exibindo seus corpos tem mais curiosos do que consumidores
A crise no prostíbulo do Bairro da Luz Vermelha de Amsterdã

Tem muito turista que vai à Holanda e inclui quase que como uma obrigação um passeio pelas ruas do Bairro Vermelho. Isso por causa da fama que o local tem no mundo inteiro. O negócio é tão sério e tão bem organizado que já foi até institucionalizado como uma profissão desde 2000. As "moças" tem direito a uma série de benefícios, diferente das garotas que batalham seus fregueses nas ruas. A turma das janelas é considerada autônoma, tem registro na Câmara de Comércio e, desde 2011, paga imposto de renda, com direito a dois meses de férias. O problema é que o comércio delas entrou em baixa e tem um monte fechando as portas.

A profissão de meretriz é tida como uma das mais antigas do mundo. O costume da venda do corpo para ganhar dinheiro é tão longevo que tem historiadores que afirmam que ultrapassa a 2 500 a.C. Dizem que já foi até uma obrigação das mulheres na Babilônia, dois milênios antes de Cristo. Todas elas eram obrigadas, antes do casamento, a servir durante pelo menos um dia como prostituta no templo de Ishtar, considerada a deusa do amor.

A renda obtida desse serviço era dividida entre o templo e os cofres da cidade. O detalhe é que as filas eram sempre longas na porta do templo com pagantes que vinham de longe para o culto à deusa.

A crise financeira atinge até o tradicional mercado de prostitutas da Holanda

Teria tido prostituição até na religião. O sexo fez parte das atribuições das sacerdotisas em muitas religiões pagãs, segundo conta a historiadora Marieke van Doorminck, da fundação A. de Graaaf, na Holanda, considerado um dos mais respeitados centros mundiais de estudo sobre a prostituição.

Milhares de anos depois o mundo ainda tem muitos costumes e profissões parecidos. O que aflige as moças da vez em Amsterdã é o excesso de turistas e as vítimas de tráfico humano no bairro da luz vermelha.

Mas, ao mesmo tempo em que cresce o número de curiosos em conhecer o ambiente boêmio, as mulheres vivem inversamente a dificuldade para faturar com os clientes.

A alegação é a de que os turistas que aparecem por lá estão muito mais afim de curtir tirando foto das donzelas do que propriamente dispostos a fazer programas. Claro que as selfies são grátis.

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O caso tá ficando tão sério que envolveu até a prefeita da cidade, aliás, a primeira mulher a comandar a capital. Femke Halsema, tá quebrando a cabeça para ajudar a encontrar uma solução para as "meninas" se livrarem das câmeras dos turistas.

"É o maior parque de atrações turísticas grátis em Amsterdã", diz Frits Rouvoet, dono de uma livraria próxima as janelas.

"Elas não têm para onde fugir", diz ele. "Precisam ficar nas janelas se querem ganhar dinheiro. Mas há muitos, muitos homens vindo da Inglaterra, da Escócia, da Irlanda... Bêbados, gritando, tentando tirar fotos."

Longe e escondidas das famílias

A situação se tornou constrangedora para as jovens porque muitas trabalham ali escondidas das famílias, sem que, principalmente, os filhos saibam o que as mães fazem para ganhar dinheiro. Mas ao serem fotografadas e terem os rostos expostos em redes sociais elas ficam mais vulneráveis. O jeito é tentar virar a cara quando os turistas sacam seus smartphones.

Quando perguntadas sobre o porquê de terem escolhido esse tipo de profissão, muitas explicam que "não curtem", mas trabalham por necessidade.

Uma necessidade que muitas vezes se torna bem lucrativa. O site da BBC ouviu a história de uma garota que tem o apelido de Kristina. Ela conta que já tá na labuta do bairro há uma década. Chegou ali convencida por uma amiga também húngara que havia ganho muito dinheiro com a indústria do sexo de Amsterdã.

Kristina cobra 100 euros (R$ 426) por meia hora ou 150 euros (R$ 640) por uma hora.

"Estou guardando para meus dois filhos. Para o futuro deles. Eles vivem com minha mãe na Hungria. Meus filhos não sabem o que eu faço."

Mas apesar da crise no comércio do sexo que já foi muito mais vantajoso, Kristina alega que não pensa em mudar de atividade porque tem conseguido "bastante serviço", mesmo tendo que suportar os desagradáveis turistas.

A húngara se tornou tão profissional no negócio que aprendeu a falar holandês com fluência. A justificativa de quem se mete nesse tipo de negócio no Bairro da Luz Vermelha é quase sempre a mesma: "dinheiro fácil".

Além do Bairro da Luz Vermelha

Defensora das profissionais do sexo, a prefeita está estudando a possibilidade de autorizar as prostitutas trabalharem em outros pontos da cidade, já que o bairro ficou com fama de ser claustrofóbico. O problema é que tem mulheres que entraram também nessa por causa do tráfico de pessoas. Elas são obrigadas a se prostituírem porque tem "donos" que manipulam suas vidas.

Se o comércio do sexo sair do Bairro da Luz Vermelha, muitas entidades que trabalham diretamente ligadas a prostituição pensam que isso pode empurrar as mulheres para a ilegalidade.

"Amsterdã já é conhecida como a capital da prostituição", diz Karin Werkman, que trabalha com vítimas de tráfico de pessoas.

"Isso confirmaria esse rótulo. A prostituição vai aumentar em espaços privados, em hotéis. As mulheres vão se tornar invisíveis", diz ela.

"Se você abrir o resto da cidade para a prostituição, vai atrair mais tráfico humano para Amsterdã, com carros circulando, homens assediando mulheres aleatórias nas ruas e perguntando seus preços... E encorajando o tráfico. Não podemos subestimar o que isso causa em uma cidade."

As vitrines do bairro sem controle

Uma grande orgia poderia tomar conta de toda a cidade. Ninguém desconfia quantas mulheres trabalham atualmente na indústria do sexo em Amsterdã.

"Alguns pesquisadores dizem 4 mil, outros falam em 8 mil. Alguns calculam que 10% são vítimas do tráfico, outros dizem 90%. Mesmo usando as estimativas mais baixas, haveria pelo menos 400 garotas sendo prostituidas contra sua vontade. Ou seja, elas estão basicamente sendo estupradas todos os dias. Não vai ajudar fazer com que elas sumam em outra parte da cidade”, explica Karin.

Para tentar aumentar a segurança a prefeita Halsema prometeu divulgar uma proposta este ano. A ideia é aumentar o policiamento, criar multas para turistas e introduzir o chamado "Código Vermelho" – um aviso de emergência para desviar visitantes quando a região estiver cheia demais.

O argumento oficial é de que a prioridade atual da prefeitura é proteger as prostitutas e seus locais de trabalho, mas muitas profissionais alegam que tem outros interesses nessa história, principalmente de elitizar o comércio.

Cerca de 115 das 500 vitrines do bairro da luz vermelha já foram fechadas. "Queremos ser levadas a sério pelos políticos", diz uma porta-voz das prostitutas.

A proposta da prefeitura de Amsterdã de reformar e fechar algumas vitrines do célebre Red Light District, provocou a revolta de prostitutas e simpatizantes, que saíram às ruas repudiando à intenção da administração municipal.

"No fundo, todos sabemos que a prostituição é prejudicial às mulheres, física e emocionalmente", diz Karin Werkman. Ela argumenta que facilitar o negócio do sexo – exigindo que as mulheres se registrem e pagem impostos "tornaria o governo um cafetão".

"Cerca de 250 pessoas participaram de uma manifestação no distrito da luz vermelha para protestar contra o fechamento das vitrines", informou à agência France Presse um porta-voz da polícia da capital holandesa, Marjolein Koek.

As prostitutas usavam máscaras para evitar serem reconhecidas e levavam cartazes onde se lia "não nos salvem, salvem nossas vitrines" ou "parem de fechar nossas vitrines".

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As prostitutas estimam que os projetos da cidade as privam de um local de trabalho seguro.

"Nós ainda somos tratadas como párias e estamos sendo colocadas pra fora do bairro sem que ninguém pedisse nossa opinião", acrescentou.

Durante o evento, muitas vitrines famosas permaneceram vazias. Um cartaz colado a uma janela acusava a prefeita: "Você está roubando nossos empregos".

Cerca de 7 000 pessoas trabalham no ramo do sexo tarifado em Amsterdã, e 75% delas vêm de países de baixa renda, especialmente do leste europeu, segundo a prefeitura da cidade.

Nesse cabo de guerra que tem interesses públicos, escravidão de mulheres, constrangimentos e pagamento de impostos cada vez mais altos, muitas das vitrines passaram a ficar vazias com um anúncio estampado na fachada: "Te Huur" (aluga-se).

Por outro lado, cresceu muito o comércio do sexo pela internet. Sites oferecendo garotas sem ter que enfrentar a exposição das janelas e nem a inconveniência das câmeras dos turistas será cada vez maior.

Crise nas janelas desocupadas

O bairro dos puteiros funciona 22 horas por dia. Os donos das janelas alugam o espaço por turnos de no máximo 11 horas por até 120 euros, com a obrigação de garantir segurança e higiene.

No valor pago pelas meninas está incluindo roupa de cama, toalhas, gás, eletricidade, água, limpeza e acessórios sexuais. O horário de trabalho delas também é livre, assim como o preço que cobram dos clientes. Em média uma sessão de 15 minutos sai por 50 euros.

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