Ringo Starr afirmou em recente entrevista ao Estadão que foi só a partir de 2006, quando os álbuns dos Beatles começaram a ser relançados depois de passarem pelo processo técnico de remasterização e remixagem feito por Giles Martin, que sua bateria começou, de fato, a soar como deveria nas gravações. O produtor filho de Sir George Martin, conhecido como "o quinto beatle", tem, segundo o baterista, sua gratidão eterna. Justiça feita.

Ao contrário da ideia disseminada há anos, de que Ringo não passou de um beatle sortudo, um instrumentista fraco que estava no lugar e na hora certa, não é uma questão de opinião, mas de desinformação. Ou de falta de escuta.


A capacidade de Ringo Starr diante do instrumento foi dúvida dentro dos próprios Beatles por, ao menos, uma vez. A história narra o quanto o fato de George Martin chamar outro baterista para gravar Love me Do no primeiro álbum dos Beatles o magoou. E tudo por insegurança. George não acreditou na precisão técnica de Ringo.

Pouco depois da dissolução do grupo, em 1970, uma das primeiras fake news da história do rock atribuía uma frase a John Lennon que ele nunca disse: "Ringo não era nem o melhor baterista dos Beatles."

Ele era sim, desde o início, o melhor baterista em ação em um raio de 230 quilômetros a partir do centro de Liverpool, como conta o biógrafo Michael Seth Starr no ótimo Ringo - A História do Baterista Mais Famoso do Mundo Antes e Depois dos Beatles.

Cobiçado por muitas bandas daquele começo de anos 60, um elo entre o primitivo gênero skiffle, o avô do folk britânico, e o início do rock and roll, Richard Starkey chegou aos Beatles para dar precisão rítmica a uma banda que tinha o limitado Pete Best na bateria.

Ao ouvir Ringo tocar nas primeiras sessões do Cavern Club, Paul McCartney ficou deslumbrado com o que passou a chamar de "estilo What I Say". Não era uma invenção de Ringo usar os tons na levada latinizada das orquestras dos anos 50 absorvida pelo rock. Sua inspiração veio de tanto ouvir o baterista Milt Turner, de Ray Charles, tocar justamente What I Say.

E assim, por exemplo, nasceu I Feel Fine. John Lennon grudou os ouvidos no rádio e quase, por muito pouco, não fez um plágio não de What I Say, mas de Watch Your Step, de Bob Parker, uma canção que os próprios Beatles tocavam em seus primórdios, entre 1961 e 1962. 

O primeiro efeito Ringo foi sentido pelo senhor William F. Ludwig Jr. A fábrica da empresa de baterias Ludwig, propagada por Ringo nos programas de auditório em um inédito praticável, suspenso dos outros músicos, fez a fábrica de Chicago passar a funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana. As vendas dobraram de 6,1 milhões de dólares para 13,1 milhões de dólares em um ano, o ano de 1964, quando os Beatles apareceram no programa de Ed Sullivan.

Ringo não era um baterista com o pensamento na terra, como é Charlie Watts, dos Rolling Stones. Suas ideias mais inspiradas exploram o ar e as cores de tempo que estão entre o forte e o fraco. Foi isso que ajudou os Beatles, a partir de 1965, 1966, a se tornarem uma banda livre das cercanias rítmicas do próprio rock and roll. 

Apesar de ter escutado Gene Krupa e Buddy Rich, dois dos mais exuberantes bateristas da Era do Swing dos anos 30, e ser ele mesmo um amante do swing, Ringo Starr não gosta de solos. E uma prova disso é o fato de ter feito apenas um solo em toda sua vida ao lado dos Beatles. Mas valeu a espera. The End, que aparece em Abbey Road, foi como todas as suas baterias, como disse na entrevista ao Estadão, feito no mais puro improviso.

Agora, seria ele o plagiado, ou homenageado, dependendo do ponto de vista. Impressionante a semelhança das células rítmicas do solo de The End com o solo de In-A-Gadda-da-Vida, música do Iron Butterfly. Michael Seth Starr conta em seu livro que Ron Bushy, o baterista do Iron, disse ao próprio Ringo ter copiado o solo de The End. "Era o maior elogio que eu poderia receber", disse Ringo.