Eram 23h de segunda-feira, e o público deixava o Clube do Exército após o último jogo do dia no Future de Brasília. Thiago Wild, uma das principais promessas do tênis no país, foi eliminado na estreia pelo carioca Carlos Eduardo Severino, #897 do mundo. Enquanto os carros deixavam o local um a um, uma imagem solitária no ponto de ônibus: era o adolescente Paulo André Saraiva dos Santos, 17 anos, filho de uma diarista e um pedreiro, esperando a condução para voltar para casa.
Menos de 24 horas depois, o mesmo Paulo André estava na Quadra Central, fazendo sua estreia na chave principal de um torneio profissional. O mesmo jovem que recentemente viajou para um torneio com R$ 100 no bolso e pagou todas despesas com o dinheiro que ganhou encordoando raquetes. O mesmo que diz levar para dentro da quadra e representar todos que lhe ajudam. Um garoto que promete ir até o fim de suas forças, custe o que custar. Que começou a jogar tênis com 11 anos, em um projeto social, e agora, seis anos depois, contabiliza seu primeiro ponto na ATP.
Sim, Paulo André Saraiva dos Santos, depois de herdar de um amigo lesionado o convite para a chave principal do torneio, entrou em quadra e bateu o argentino Lorenzo Gagliardo, também de 17 anos, por 6/4 e 7/6(5). O brasiliense abriu os braços, gritou, festejou e foi festejado. Uma grande recompensa para quem usa “profissionalismo” e “comprometimento” como palavras-chave. Uma pequena amostra de que é possível vencer numa modalidade que um presidente da república já chamou de “esporte da burguesia”.
Conversamos na tarde desta quarta-feira, dia seguinte ao de sua primeira vitória, e o que vi foi um jovem comprometido, ciente de suas qualidades e defeitos e que dedica cada ml de suor dentro de quadra aos muitos que lhe ajudam fora dela. Papo legal de ter, história muito boa de contar. Rolem a página e conheçam Paulo André Saraiva dos Santos, tenista profissional.
O que todo mundo já sabe sobre você é que seu pai é pedreiro, sua mãe é diarista e você começou jogando tênis em um projeto social. Mas quem te levou para o tênis?
A minha mãe trabalhava durante a semana, e eu estudava durante um período. Para ela não pagar creche ou alguém para cuidar de mim quando eu era mais novo, ela me colocou nesse projeto. Ele se chama Segundo Tempo e é para fazer esporte, não ficar na rua. Meus amigos também faziam, e eu segui junto com eles.
Era só tênis?
Não. Ainda acontece o projeto e ele tem várias modalidades: atletismo, futebol, natação também… E também tem vela, acabei de lembrar.
Você que escolheu o tênis?
Mais ou menos. Eu gostava muito de jogar futebol, mas meus amigos me chamaram. Eles faziam tênis, e eu só jogava futebol. Aí eu “beleza, vou em uma aula”. Fui e, desde a primeira aula, eu gostei. O professor já disse que eu levava jeito. Isso foi com uns 11 anos. Eu entrei no projeto com 10.
Mas do que você gostou mais nessa primeira aula?
Ah, eu gostava de ver meu professor jogando. Eu queria ser igual a ele. Eu achava muito bonito ele e um sub jogando. O Chico e o Carlos.
Daí até acreditar que você poderia ser profissional, quanto tempo passou?
Eu jogava uns torneios aqui em Brasília, quando era do projeto ainda, e ia sempre bem nos torneios. E os meninos jogavam também. O professor Chico e o professor Carlos falaram com meu treinador atual, Antonio Lindoso. Ele abraçou a causa, e a gente foi seguindo adiante. Ele perguntou o que eu queria, e eu disse que queria jogar profissional. Eu tinha uns 12, 13 anos.
Existe um vídeo que circulou muito na internet com o ex-presidente Lula. O vídeo mostra um garoto de uma favela do Rio perguntando por que não havia quadra de tênis onde ele morava, e o ex-presidente diz que “tênis é esporte da burguesia”. Você chegou a ver esse vídeo?
Não. Ainda bem!
Alguém tentou fazer você trocar o tênis por outro esporte, dizendo que tênis é muito caro e seria melhor outra modalidade?
Assim… Diretamente, ninguém nunca falou para eu desistir. Eu também não sou uma pessoa de ficar escutando muito opiniões negativas. Eu sou mais de escutar as pessoas que me apoiam, que querem o meu bem.
Tem mais algum profissional treinando no seu clube? [Paulo André treina no “Nipo”, o Clube Cultural e Recreativo Nipo Brasileiro, em Brasília]
De atleta, só eu. Eles têm a base, os meninos pequenos que vão querer competir quando crescerem.
Você já se acostumou a ser chamado de atleta profissional?
Desde sempre, o Lindoso fala que eu tenho que agir como profissional para ter chance de ser um profissional. Para mim, vai ser mais difícil pela falta de grana, mas eu tenho que ser bem profissional no que eu vou fazer, ser bem dedicado, para ter uma chance pelo menos.
O que o Lindoso exige mais de você?
Comprometimento, seriedade, foco. A gente tem um relacionamento muito bom.
Seu primeiro torneio profissional foi em São Carlos, no ano passado [Paulo André perdeu na segunda rodada do qualifying para Fernando Yamacita na segunda rodada do qualifying]. Como foi a sensação de estar numa quadra pela primeira vez, vivendo tantas novidades?
Eu aprendi muito no ano passado com a derrota que eu tive no Rendez-Vous à Roland Garros [torneio realizado pela Federação Francesa de Tênis no Brasil que vale vaga para um evento seletivo em Paris]. Eu estava muito animado, fui treinar quatro dias antes na ADK, em Itajaí. Treinei com o João Menezes, o Rafael Matos, o pessoal que tinha lá… Estava bem empolgado. Saiu o sorteio, peguei um jogo muito difícil, contra o Matheus Puccinelli. Eu sabia que poderia fazer frente e jogar bem, mas acabou que choveu à noite e choveu de manhã. Eu estava acostumado com o clima e as condições, mas a gente foi jogar na quadra coberta. Estava mais rápida, eu não me adaptei tão bem e fiz uma das piores partidas que eu já fiz.
E o que você aprendeu?
Assim, eu acho que também foi ansiedade. Querer ganhar demais atrapalhou um pouco. Já em São Carlos eu consegui lidar com a ansiedade, a vontade de ganhar e soube fazer ela ser mais positiva do que uma ansiedade negativa.
Entrar na quadra ontem, aqui em Brasília, sua cidade, foi muito diferente, não?
Aqui, era uma pressão maior. Poderia ser minha única chance de pontuar. Não sei quando eu teria outra, com um convite, mas ontem eu soube lidar bem com a pressão. A dupla que eu tive anteontem aliviou um pouco do peso. Joguei bem solto. Ontem, eu já joguei mais tranquilo. Em alguns momentos, eu estava um pouco nervoso, mas eu pensava que tinha que voltar sempre mais uma bola, trabalhar bem o ponto, que a minha vontade de ganhar tinha que ser maior que a minha ansiedade. Tinha muita gente ali por mim. Eu estava representando muita gente. Todo mundo que estava ali fora estava me dando muita força. O pessoal que me treina… Até pessoas que eu não conheço ou não falo tanto. Eu estava mais bem preparado emocionalmente.
Eu só lembro da cena. Você vendo a bola sair, abrindo os braços e gritando “vamo!’ no match point. Como é essa sensação?
Ah, igual eu falei ontem: em uma palavra, assim, eu não sei descrever.
Não precisa ser em uma, não. Pode usar muitas! Quantas você quiser.
Foi muito legal, foi muito bom. Aliviou um pouco. Tinha muita pressão. Como eu disse, poderia ser a única chance de eu marcar o primeiro ponto ganhando um wild card para uma chave e… aliviei. Tirei um peso das costas. Eu queria muito ganhar o jogo e acabou dando certo. Ali, na hora, foi tudo natural o que aconteceu. O gesto de abrir os braços… Eu estava com muita vontade de ganhar e aconteceu, graças a deus.
Você teria um convite para o quali, e esse wild card para a chave principal era do Gilbert Klier Junior [brasiliense de 17 anos e que já tem pontos no ranking profissional]. Ele teve um problema no ombro. Quando você recebeu a notícia de que iria jogar a chave principal?
Eu não sabia o que tinha acontecido com o Juninho [Gilbert Jr]. Eu assinei a lista do quali e fui para o meu clube treinar. Na hora da preparação física, eu estava correndo, e a Paula, que é da secretaria, falou que o Coronel Façanha queria falar comigo. Ele disse que me conseguiu um wild card para a chave. Na hora, eu fiquei muito feliz, mas ainda não sabia o que tinha acontecido com o Juninho. Fiquei um pouco triste porque não queria que fosse assim, com ele machucando, mas também usei de motivação porque o pai dele, o tio Gilbert, me ligou e falou “Isso é para te motivar, aproveitar a chance”. Aproveitei e usei isso como apoio. Era meio que jogar por mim, por ele, por todo mundo que já me ajudou, que já fez qualquer coisa por mim. Tudo que eu passo para estar na quadra de tênis. Tinha que disputar todos os pontos, ser muito competitivo.
Jogar tênis em um clube pode não ser tão caro assim, mas competir é muito caro. Tem gasto com corda, bola, viagens, etc. Como você consegue?
É, gasta muito para viajar e competir, tanto é que eu viajo menos que os meninos da minha categoria, até os meninos mais novos. Eu tenho uma ajuda de corda, que um cara tira do próprio bolso dele para me dar. Eu tenho ajuda para almoço na Sport Nature, tenho ajuda de preparação física, não pago treinamento, recebo passagem para ir para o clube… Então é muita gente ajudando. Essas pessoas que me motivam para todo dia estar ali, me esforçando. Eu penso sempre… principalmente em momentos muito complicados, de pressão, quando estou perdendo o jogo, penso sempre em todo mundo, e é o que me dá gás. Se eu jogo um ponto muito longo, eu tenho mais gás ainda no ponto seguinte. Pelas pessoas que me ajudam. No dia a dia, eu me dedico mais ainda por esses pessoas que me ajudam.
Então tem essa gente toda te ajudando…
E outro jeito de ganhar um dinheiro é encordoando raquete nos torneios. Eu levo uma máquina e faço umas seis por dias. Viajei para o CNIP [Campeonatos Nacionais de Incentivo Profissional, que valem wild cards em Futures] com R$ 100 no bolso e paguei tudo lá com o que ganhei encordoando raquete.
Já pensou como vai ser daqui a uns dez dias abrir o site da ATP e ver seu nome lá?
É um sonho! É um sonho realizado. É o primeiro passo para querer mais. Não diria que, com 14 anos, eu pensava que estaria marcando meu ponto com 17. Mas trabalhei, joguei e treinei muito duro durante todo esse tempo para colher, em três anos, um fruto muito bom do trabalho.
E você tem algo planejado para as próximas semanas?
Eu iria jogar o Future de Curitiba, estava dentro do quali, mas tinha feito a inscrição para o Interclubes também [o antigo circuito nacional tornou-se um circuito Interclubes graças ao apoio do Comitê Brasileiro de Clubes, o CBC]. Como o pessoal do CBC já tinha emitido a passagem, decidi jogar o Interclubes por compromisso. Eles dão passagem e hospedagem. Curitiba também seria mais duro porque eu teria que comprar passagem. Acho até que iria de ônibus para lá. Jogo o Interclubes, volto para Brasília, e aí a gente vai sentar e se organizar. Talvez jogar Futures na Argentina.
Para terminar: você pontuar e obter resultados mostra para mais gente que é possível jogar tênis competitivo sem ser milionário, então?
É o que eu falei ontem para o Felipe [um dos melhores amigos de Paulo André]. Ele é um grande apoio para eu querer mais porque eu penso que se não der certo para mim, eu ainda quero ajudar ele. Eu vejo muita capacidade nele para ter um futuro brilhante no tênis. E quero ir até o final! Se for para não dar certo, quero pelo menos falar para o pessoal que me ajudou que eu tentei e fui até muito longe. Se não der certo, eu quero estar ali para ajudar.