Encarar América e Cruzeiro em sequência, como acontece nesta semana, não é novidade para o Flamengo. Aliás, um dos momentos mais importantes da história do clube foi vivido em partidas seguidas contra os dois clubes, há 82 anos, quando o rubro-negro carioca deu um passo decisivo para iniciar a formação daquela que é a maior torcida do Brasil.
Em 1936, o Flamengo apostou alto e contratou dois dos maiores craques da história do futebol brasileiro, Domingos da Guia e Leônidas da Silva, nossa primeira grande estrela internacional graças ao grande desempenho na Copa do Mundo da França, que seria disputada dois anos depois e que teve ele como artilheiro com 7 gols.
Os dois jogadores, como registra o jornalista Roberto Assaf no livro “Almanaque do Flamengo”, têm papel fundamental na popu-larização do Flamengo: são “dois jogadores que entraram para sua história (do Flamengo) e são diretamente responsáveis pela popularidade que o clube passou a desfrutar da década de 30 em diante: o zagueiro Domingos da Guia e o atacante Leônidas da Silva”, afirma o autor no texto que abre o ano de 1936.
Entre os dois, o mais popular foi sem dúvida Leônidas da Silva, que tinha deixado o Botafogo por ter declarado ser flamenguista de coração e que vestiu a camisa do seu clube de infância pela primeira vez em 18 de julho de 1936. E o adversário do Flamengo na estreia do atacante foi o América, de Minas Gerais, num amistoso disputado no Estádio da Rua Campos Sales, antigo campo do América, mas do Rio de Janeiro.
Com dois gols de Alcides e outros dois de Lima, que tiveram de vencer o folclórico Yustrich, que antes de ser treinador foi goleiro e defendia a meta flamenguista, o América fez 4 a 2. Engel e Jarbas marcaram os gols dos cariocas.
CAPA
A façanha americana foi tão significativa, que o jornal “Folha de Minas” registrou em sua primeira página a vitória do América sobre o Flamengo, no Rio de Janeiro, que na época ainda era a capital do Brasil.
A capa da Folha de Minas no dia seguinte à vitória do América sobre o Flamengo, por 4 a 2, no Rio de Janeiro, na partida que marcou a estreia de Leônidas da Silva no time carioca. CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR
No início da semana após o jogo do Rio de Janeiro, a imprensa mineira já badalava a vinda a Belo Horizonte do Flamengo, com Leônidas da Silva (Domingos da Guia não disputou essas duas partidas), para um amistoso contra o Palestra Itália, hoje Cruzeiro, no Estádio do Barro Preto.
O jogo marcou o duelo entre os dois centroavantes da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1938, na França, pois Leônidas da Silva foi o titular e Niginho, que dois anos depois estava no Vasco, o seu reserva.
A partida terminou empatada por 2 a 2, com cada “matador” deixando a sua marca. Leônidas da Silva marcou, de pênalti, 2 a 1 para o Flamengo, aos 40 minutos do primeiro tempo, e Niginho decretou o 2 a 2 aos cinco minutos da etapa final.
Sim, o primeiro dos 150 gols de Leônidas da Silva nos 179 jogos que disputou pelo Flamengo foi marcado em Belo Horizonte, sobre o Cruzeiro, no velho Estádio do Barro Preto, na avenida Augusto de Lima.
Nesse tempo, Leônidas da Silva ainda não era o Diamante Negro, marca que foi surgir um ano e meio depois, após sua passagem fantástica pelos gramados franceses, mas já era um grande nome do futebol brasileiro.
O relato do empate por 2 a 2 entre Palestra Itália e Flamengo, no Barro Preto, no jogo em que Leônidas da Silva marcou o seu primeiro gol pelo Flamengo. CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR
NIGINHO
Em 1936 o futebol brasileiro vivia tempos de instabilidade, pois o profissionalismo tinha sido adotado em 1933, o que provocou uma série de manifestações. O América, por exemplo, no dia em que venceu o Flamengo na estreia de Leônidas da Silva, jogava de vermelho e na matéria do dia seguinte ao jogo, o “Estado de Minas” registra: “Brilhatissima vitória do América: a turma rubra, atuando admiravelmente, abateu o Flamengo, no noturno de ontem, por 4 x 2”.
O vermelho, que foi a cor do América por dez anos, era um protesto contra o regime do profissionalismo no futebol brasileiro. E a crise chegou a tirar Leônidas da Silva da Seleção Brasileira no Sul-Americano disputado na Argentina em dezembro de 1936 e janeiro de 1937.
Isso porque o Flamengo era filiado à Federação Brasileira de Futebol (FBF), a mesma que organizou o Torneio dos Campeões, vencido pelo Atlético, em 1937, e que não era filiada à Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), que reconhecia apenas a Confederação Brasileira de Desportos (CBD).
E a CBD era quem formava a Seleção Brasileira, apenas com jogadores de clubes filiados a ela. Assim, por ser atleta do Flamengo, Leônidas da Silva não foi convocado para o Sul-Americano da Argentina.
E um dos centroavante do treinador Ademar Pimenta, que chegou à Seleção pelo sucesso no Madureira, foi Niginho, do Palestra Itália (Cruzeiro), primeiro jogador de um clube de Minas Gerais a atuar e marcar gol pelo Brasil.
Um ano e meio depois, ainda com Ademar Pimenta no comando, o Brasil fez sua primeira grande Copa do Mundo alcançando a terceira posição na França.
E o grande nome daquela campanha foi justamente Leônidas da Silva, que marcou sete gols nos quatro jogos que disputou da campanha brasileira, que teve cinco partidas.
Ele ficou de fora das semifinais, contra a Itália, por lesão, mas isso não foi o suficiente para impedir que Leônidas da Silva se transformasse num dos grandes nomes do Mundial de 1938.
De volta ao time na disputa do terceiro lugar, diante da Suécia, marcou dois gols e ganhou um dos apelidos mais fortes da história do futebol mundial: Diamante Negro.
Virou marca de chocolate, fez vários anúncios e se transformou no que se pode chamar de primeiro fenômeno de mídia do futebol brasileiro, embora numa proporção bem diferente se comparado com os dias de hoje.
E todo esse sucesso de Leônidas da Silva, que defendeu o Flamengo até 1942, tem relação direta com o surgimento da maior torcida do Brasil, como afirma Roberto Assaf.