Victor Santos, de 20 anos, é o orgulho da comunidade de São Amaro, uma das maiores favelas de São Paulo; ele inicia hoje sua jornada na Coreia do Sul

Nascido e criado em São Remo, uma comunidade pobre na zona oeste de São Paulo, Victor Santos, 20 anos, filho de um pai pedreiro e uma mãe dona de casa, realizará na próxima sexta-feira, em PyeongChang, na Coreia do Sul, o que para muitos parecia pouco provável. O menino que conheceu o esqui no asfalto da maior cidade do país por meio do projeto 'Ski na Rua', do ex-atleta olímpico Leandro Ribela, hoje treinador, fará sua estreia nas Olimpíadas de Inverno, competindo na modalidade Cross-Country 15 km livre, às 4h (de Brasília). "Algumas pessoas têm preconceito e, às vezes, fala para nós irmos estudar, trabalhar, eles não aceitam muito um esporte diferente. Me sinto um pouco estranho esquiando aqui no Brasil", afirma Victor, de voz tímida, o orgulhoso membro de uma abençoada família de oito filhos.

Um garoto prodígio. Dos treinos na rua ao primeiro contato com a neve, a identificação foi imediata. Aos 16 anos, ele participou da 1ª etapa do Circuito Brasileiro de Rollerski, em São Carlos (SP), conquistando medalha de prata na prova de Sprint. Daquele torneio para cá, o resto é definitivamente história. Victor detém, todos, absolutamente todos, os recordes adulto e júnior masculino nacionais, sendo ainda o Top 3 no ranking latino-americano. Em 2017, Victor conquistou o seu primeiro campeonato brasileiro de esqui Cross-Country e garantiu vaga para disputar a primeira Olimpíada da carreira.

Uma realização para Leandro Ribela, que em Sochi, há quatro anos, fez sua última aparição olímpica no esqui. "Muitas vezes é importante saber o momento de fazer a transição para continuar motivado e se sentindo útil e produtivo. Graças a Deus escolhi o momento certo e tenho conseguido atingir meus objetivos", relata o agora treinador.

"É uma satisfação e orgulho muito grande ter um atleta do projeto social 'Ski na Rua' representando o Brasil. Não apenas pelo nível técnico que atingiu para estar aqui, mas também por todos os valores que incorporou e experiências que vivenciou nessa jornada. Com certeza essa experiência abriu muitas portas para o Victor e lhe fez ter uma leitura diferente do mundo. Hoje vejo o quanto ele reconhece isso e que tem o desejo de passar o que aprendeu adiante, sendo exemplo para muitos outros garotos que assim como ele sonham alto e buscam uma oportunidade para mostrar o quanto são capazes", complementa Ribela.

Do terrão para o gelo

A jornada de Victor em busca do sonho olímpico começou naturalmente. Como todo menino, seu deseja era ser um jogador de futebol. Ele começou nos campinhos de São Amaro. "Ele sempre mostrou grande potencial. Um garoto muito rápido, explosivo, que se destacava entre os demais", relembra Leandro Ribela. "Sempre tive vontade de representar o Brasil nas Olimpíadas seja no futebol ou em outro esporte. Se não foi no futebol, o esqui que apareceu para eu representar, então vou buscar no esqui", salienta Victor, preparado para se impor nas Olimpíadas de Inverno mais gelada da história.

"Quando estou lá (na neve) penso que sou como um deles também, um campeão mundial", diz. "A responsabilidade é muito grande de você ser o representante brasileiro em uma Olimpíada. Você tem que ser o exemplo. Chego lá no Brasil e tento passar para os garotos mais jovens a mesma oportunidade que eu tive", finaliza Victor.

Um multiplicador de sonhos, algo que Leandro Ribela, em toda a sua trajetória olímpica, sempre buscou. Afinal de contas, é nisto que consiste o prazer do esporte. "Hoje vejo que ele (Victor) incorporou de fato todos os valores olímpicos transmitidos nas aulas do projeto e tem o desejo de passá-los adiante, abrindo as portas para outros garotos que assim como ele sonham alto e estão em busca de uma oportunidade para demostrar o quanto são capazes. O sonho e objetivo de cada um são muito individuais, entretanto, bons exemplos de pessoas que já passaram pela mesma jornada podem ajudar muito no aprendizado e a encurtar o caminho das próximas gerações. Eu particularmente, como atleta olímpico, me sinto na obrigação de ser um “role model” e passar adiante tudo aquilo que o esporte me ensinou e abriu de oportunidades na minha vida", conclui Ribela.