O ônibus da delegação do Bugre foi recebido com batuque e festa. Os atletas desceram no meio da galera para chegar ao vestiário
Ah, o Módulo II do Campeonato Mineiro... O futebol raiz respira no interior do Estado. Campo acanhado, churrasquinho e aquela gelada. Um poeirão pra chegar, a linha do trem para atravessar e uma torcida fiel e barulhenta para incentivar. Pode ser de cadeira, arquibancada ou em um camarote VIP, da suíte com vista para o campo. E o melhor: o grito de campeão.
A finalíssima da divisão de acesso do Estadual, neste sábado, entre Guarani e Tupynambás, em Divinópolis, reuniu figuras e símbolos que ainda mantém vivas as tradições de um futebol brigado e suado, mas sem aquele glamour da modernidade.
Quando Dante, o roupeiro “faz-tudo” do Guarani, destrancou os portões do Waldemar Teixeira de Faria, o Farião, ontem, em Divinópolis, bem cedinho, por volta de 7h30, ele só queria que, no pôr do sol, por volta das 17h, mais um troféu se encaminhasse para a sala de troféus do clube. Para sua felicidade, foi o que aconteceu.
O Bugre empatou com a equipe de Juiz de Fora por 1 a 1 mas, acabou faturando o título, seu terceiro do Módulo II. “Trabalhar aqui não tem explicação”, ressaltou Dante. Há 22 anos no time alviverde, o auxiliar de serviços gerais de nome de craque, Nilton Santos, conhecido por Pão de Queijo, externa ainda mais essa emoção. “A gente se envolve com isso tudo”, diz.
Essa história é a razão de ser – de existir – de pequenos grandes clubes do interior. E é de geração em geração que a tradição se mantém. Filho de Clovis Amaral, um dos fundadores do Guarani, Antônio Amaral, o seu Dunga, foi com o filho e a neta para o campo. “Eu morei fora do país e pedia para meu pai pra colocar o telefone no radinho pra eu ouvir os jogos do Guarani”, conta Bruno Amaral, filho de seu Dunga.
Clima. A recepção calorosa aos jogadores também esteve presente. O ônibus da delegação do Bugre foi recebido com batuque e festa. Os atletas desceram no meio da galera para chegar ao vestiário. A equipe do Tupynambás chegou calmamente, e ainda foi aplaudida. De aglomeração mesmo, só de parentes de jogadores, que vieram de longe, e ficaram na porta do ônibus para pegar ingressos com os atletas para entrar em campo.
Experiente goleiro Glaysson, do Baeta, que já passou pelo Guarani foi muito aplaudido. “É muito bom ter esse reconhecimento”, afirmou o camisa 1, de 39 anos. Outro experiente do Tupyambás, o atacante Ademilson, 43 anos, é outra prova de como é difícil deixar de lado algo que tanto gosta “É difícil parar, quem sabe eu ajude como um diretor”, disse ele, após o jogo.
Comemoração. A torcida local foi um capítulo à parte. Cantou o tempo inteiro, comemorou o título com os jogadores em campo e acompanhou o grupo campeão pelas ruas da cidade no desfile no carro do Corpo de Bombeiros. Muitos desses torcedores, seguiram o time na caminhada pelo interior, jogo a jogo. E ainda tem aqueles figurões, cada vez mais raros nos estádios “padrão Fifa” das grandes capitais.
O seu Geraldo dos Santos Pinho completava 88 anos justamente neste sábado. Em um banco bem próximo do alambrado, ele carregava seu radinho de pilha indispensável, com aquele “som de abelha” para todos em volta ouvirem. “Vou aos jogos desde 1947”, disse ele, preciso na data, no auge de seus 17 anos.
E o que falar de seu Ilídio Moreira, ou popularmente chamado de Belo, de 61 anos. No colo, a filha Vitória, uma boneca vestida com o vermelho da equipe. “Aqui é tranquilo, posso trazer minha filha, não tem briga”, brincou.
Se uns vem pra torcer, outros pegam a onda para faturar. As barraquinhas de churrasquinho são um pré-jogo obrigatório para o divinopolitano. Só no Churrasquinho do Fofo, são umas 60 dúzias de latinha de cerveja e uns 200 espetinhos, segundo o dono Joaquim Ferreira. “É o melhor churrasquinho da cidade, hein?”.
Área VIP. Quem conhece Divinópolis, sabe da fama do Morro da Pitimba, espaço “VIP” onde os moradores da região assistem aos jogos de graça. Ele fica à esquerda das cabines, mas tem muitas outras casas no entorno que viram camarote. No “Camarote da Solange” erá só pagar R$ 10. Mas se tiver R$ 8, a gente deixa entrar”, conta a proprietária, que nem viu o jogo direito porque ficou tomando conta da geladeira de cerveja.
Neste sábado, pelo menos 30 ficaram no terraço e, outros dez no quarto de casal, no andar do meio, onde, da cama era possível ver um pedaço do campo. Mais de 4.000 torcedores foram ao Farião para ver o Guarani ser campeão. No entorno, tinha, pelo menos, uns 300.